O humano vai prevalecer sobre o digital

Edição XXIV | 04 - Jul . 2020
   Cada setor tem suas especificidades e reage de modo diferente diante dos desafios. Nesse particular uma das lições que devemos tirar da pandemia, como país e também como cidadão e empresário, é de que nunca podemos depender de uma única fonte de receitas. 

   Desta vez o agronegócio está salvando a pátria. Fez bonito e continua fazendo. Aliás, já o está fazendo há um bom tempo. Desde que começou decisivamente a se profissionalizar no início dos anos 1990 tem se tornado mais refratário aos solavancos da economia e se posicionado como uma pilastra importante aos desmandos e trapalhadas do mercado e da política interna.

   Para alegria geral da nação (e não é apenas retórica) temos evoluído diária, segura e continuamente. O termo do momento é a agricultura 4.0. A onipresente digitalização do agro, que segundo os especialistas da área de tecnologia, vem com tudo, juntamente com a virtualização das relações.

   Seguindo o Fluxo Virtual
   Mas, em relação ao futuro das relações interpessoais tenho sérias dúvidas. Explico o porquê: agora, com os decretos de reclusão e isolamento, parece que o mundo se tornou virtual. Todos estão buscando alternativas no on line para fazer seus negócios atuais não sucumbirem, ou mesmo criar novos. Nos esforçamos para manter conexão com os amigos e colegas usando os recursos da tecnologia.

   Existe uma corrente nos querendo fazer acreditar de que o mundo mudou e que agora tudo será virtual, independente do setor em que atuamos. Nos afiançam que um mundo novo está surgindo. De que nos isolaremos atrás de máquinas e telas tentando nos tornar humanos eletrônicos e capazes de tocar a vida com baixa interação. E juram que seguiremos a vida felizes assim mesmo, mais eficientes e eficazes.

   É óbvio que o mundo não será mais o mesmo e que muita coisa será realizada preterindo a proximidade física, intermediado pela tecnologia. Diferentes e novas possibilidades estão se abrindo e sendo desenhadas.

   Basta para isso olhar os fluxos de venture capital. Primeiro anotar que de janeiro até final de abril eles tiveram aportes totais da ordem de 480 milhões de dólares. Ou seja, um crescimento de 20% em relação ao mesmo período do ano passado. O que é uma excelente notícia. 

   Mas a grande pergunta é: para onde eles estão migrando? E aí se percebe que os principais focos são as empresas de ensino à distância, deliveries e produtos de higiene e saúde. Demonstra claramente que as empresas de tecnologia e flexíveis saíram na frente nessa corrida. Ou pelo menos são as principais apostas atuais do capital de risco.

   Não seremos felizes à distância
   Mesmo assim não creio piamente nesse mundo à distância. Não desse modo pelo menos. E mais: vou lutar para que isso não aconteça do jeito que está sendo desenhado para que sejamos. Farei minha parte.

   Garanto que não seremos felizes à distância. Eu pelo menos não serei. O agro não será. Somos um ser gregário. Gostamos de contato, da experiência vivida e sentida. Precisamos de afago e atenção genuína. No mínimo um tête-à-tête. Por isso, pessoalmente não creio nesse distanciamento físico por muito tempo. Não deixaremos de ser humanos. Não poderemos deixar de ser.

   São coisas da idade, de nostalgia, diriam meus detratores. Mas percebo diariamente no meu círculo de amigos, colegas e conhecidos que não é assim. Vejo minhas filhas, por exemplo, angustiadas e talvez até estressadas por não poderem abraçar seus colegas, amigos e professores. De terem de fazer aula virtual diariamente. Embora interativa, mas sem graça. Sem convívio físico. E são jovens que adoram tecnologia.

   Vejo colegas e amigos reticentes e impedidos de tomar um bom chimarrão ou um café quentinho, feito na hora, junto de seus clientes ou fornecedores. As redes sociais e a tecnologia resolveram quase tudo. Mas falta a cumplicidade da prosa ao pé de ouvido, do abraço, do aperto de mão. A networking genuína nasce desse momento.

   Como diz a Amanda, minha filha mais nova, ao me dar um abraço demorado, numa de suas sacadas comportamentais, nessa nova realidade que estamos vivendo:  um abraço me acalma pai, me desestressa. Me sinto aliviada. Pensei: como fazer essa troca de energia virtualmente.

   A Bárbara, minha filha mais velha que não é afeita a viagens longas, de carro, porque as entende cansativas, também já manifestou contradição no seu sentimento: está com muita vontade de viajar. Sair. Ir para a estrada. Quer ficar dias fora. Outra mudança em sentido contrário à ditadura do isolamento digital.

" (...) é inquestionável que evoluiremos muito nas conexões e nos novos negócios virtuais"

   O agronegócio é interativo, fluído e interpessoal
   Penso nos negócios e nos eventos. No mês de junho fui um dos mediadores de duas Semanas do Agro. Um conjunto de 8 lives organizados pela RC Consultoria e a Nextbusiness, com 12 profissionais que são autoridades nacionais em suas áreas. Obviamente tudo virtual. Sucesso absoluto, com pouca mobilização, logística e a custo baixíssimo. Algo impensado anteriormente.

   Mas sei que os participantes apenas aproveitaram o conhecimento dos palestrantes. Perderam o networking riquíssimo e verdadeiro dos eventos presenciais. Da troca de experiências entre os participantes fora da sala oficial. Dos novos negócios que surgem e das ideias que afloram nessas prosas despretensiosas. 

   É verdade que muitas vezes viajávamos e fazíamos reuniões presenciais quando na verdade não eram imprescindíveis. Isso vai mudar. Seremos mais efetivos a partir de agora. Aprenderemos a conviver com isso. Mas, viajar a negócios também é um pouco de lazer, desde que não seja em exagero.

   Arrisco uma aposta
   Vou fazer uma aposta arriscada: é inquestionável que evoluiremos muito nas conexões e nos novos negócios virtuais. A famosa digitalização será inexorável. Por outro lado, assim que sentirmo-nos seguros daremos um salto para trás nos relacionamentos e nas conexões físicas. Talvez seremos até mais intensos do que antes e adicionalmente auxiliado pela democratização das conexões virtuais. 
Como me disse um amigo: os afetos físicos, quando voltarem a ser possíveis, se tornarão mais intensos porque saberemos como é viver sem eles e a falta que eles nos fizeram nesse período de distanciamento impositivo e necessário. 
  
   O ser humano não é superficial. Não pode ser superficial. Até as brigas e discussões ficam sem graça quando são virtuais. E graça é exatamente o que nos faz humanos de verdade. 

   Até a próxima. 
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