O estado natural de escassez das coisas

Reflexões sob o cenário mundial e os desafios ao agronegócio

Edição XXIV | 04 - Jul . 2020
Equipe SEEDnews-seednews@seednews.inf.br
   Com a intensificação das medidas de restrição para o combate à pandemia ao redor do mundo nos primeiros meses de 2020, muitas instituições internacionais (como a própria FAO, ISF, APSA, ...) demonstraram preocupação com a vitalidade da produção e comercialização de sementes, cuja ameaça põe em perigo a segurança alimentar em diversas regiões do planeta. 

   Segundo Thomas Sowell, premiado economista norte americano, “A primeira lição de economia é a escassez: nunca há o suficiente para satisfazer tudo para todos os que desejam”. No mesmo sentido, Lionel Robbins define a Economia como sendo “a ciência que estuda o comportamento humano como um relacionamento entre objetivos e meios escassos, que podem ter usos variados.”

   Em termos de recursos tangíveis, poderíamos dividi-los em três tipos: recursos naturais (terra), que incluem minerais, água, flora, etc.; recursos humanos, que são os esforços mentais e físicos das pessoas, e; recursos de capital, que incluem itens artificiais usados na produção. Cada um desses recursos é limitado. No entanto, as necessidades e desejos das pessoas são sempre ilimitadas.

   Recursos humanos
   Desafiados por um futuro socioeconômico incerto e uma população crescente (9 bilhões de pessoas estimadas até 2050) com demanda cada vez maior de alimentos, somos levados cada vez mais a dominar o uso eficiente dos recursos disponíveis.

   Se realizássemos uma pesquisa de opinião a respeito do recurso mais desejado e, ao mesmo tempo, escasso, haveriam muitas sugestões que se tornam cada vez mais drásticas à medida que avançamos no século XXI. Porém, é surpreendente observar que o recurso mais escasso e desejado é ainda o mesmo de milênios atrás, o tempo.

   Não importa o quão bem sucedido você seja, o tempo perdido nunca será recuperado e você nunca terá mais do que possui no exato momento!

   No livro “40 chances”, Howard Buffet conta do dia que percebeu esta grande verdade a respeito do tempo. “Muitos de nós enxergamos a agricultura como o ato contínuo de comprar sementes, semear, manejar a lavoura, colher e começar tudo novamente na próxima safra. Mas ao lembrarmos do primeiro dia que fomos ao campo e no último dia que passaremos a chave do trator para a próxima geração, percebemos que teremos não mais que 40 safras (aproximadamente) para cultivarmos algo de valor, nos adaptarmos aos caprichos da natureza e torcer pelo melhor”!

   Com isto em mente, sentimos que não podemos nos dar o luxo de deixar nem mesmo uma ponta solta na nossa fazenda, buscando alcançar o máximo de rendimento em cada uma destas 40 chances para fazer alguma diferença no nosso negócio.

   Durante a revolução verde a partir de década de 60 do século passado, o fator de maior impacto sob cada safra vinha a ser os valiosos insumos adicionados ao manejo das culturas, como químicos e fertilizantes. 

   Hoje em dia, o germoplasma passou a ter um impacto cada vez maior sob a produtividade final das lavouras e continua a alcançar patamares cada vez maiores graças aos avanços da biotecnologia a favor do desenvolvimento de novas variedades e híbridos.

   No entanto, podemos afirmar claramente que o sucesso depende de uma combinação maior de fatores, os quais são aplicados com um controle mais eficiente das atividades através da “IoT” (Internet das coisas) e agricultura de precisão desde o planejamento, plantio, colheita e transporte final até a moega.

   “Como produtor rural, estamos sempre correndo atrás da roda, buscando completar a próxima tarefa enquanto que já buscamos iniciar outros vinte e tantos projetos que sonhamos ter tempo para completar a tempo”, enfatiza Howard Buffet. 
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   Recursos naturais
   Se pararmos para pensar, lembraremos da lição que tivemos nos primórdios de nossos estudos dentro da escola, o qual nos ensinou que nossa única fonte de energia é o sol. Nosso planeta está localizado em uma distância ideal para aproveitar os recursos de energia providos pelo sol sem que haja exposição excessiva ou insuficiente para a vida na terra. Todo o restante de riqueza e alimentos derivam desta fonte de energia, gerando toda a cadeia alimentar que conhecemos a partir da fotossíntese inicial das plantas.

   Dentro desta área de recursos naturais, há várias commodities e insumos os quais ameaçam a sociedade com potenciais limitações em um futuro próximo ou distante. 

   O Brasil expandiu muito a sua atividade agrícola nas últimas décadas, tornando-se um dos principais produtores e exportadores de soja no mundo, por exemplo. Este crescimento se deve claramente aos esforços em viabilizar a produção em grandes extensões de terra no “cerrado”, cuja topografia em geral, sempre apresentou boas possibilidades para o emprego de práticas agrícolas mecanizadas, visto que o relevo é geralmente plano ou de ondulações suaves, porém com diversos tipos de vegetação e um clima tropical sazonal com estação seca pronunciada de 4 a 6 meses por ano.

   No passado, o principal obstáculo que se tinha para o desenvolvimento da agricultura no cerrado referia-se à baixa fertilidade natural dos solos, devido à sua acidez, alto teor de alumínio, baixas concentrações de cálcio e magnésio e, em sua grande maioria, pobres em fósforo assimilável. Norman Borlaug, pesquisador premiado com o Nobel da Paz e considerado o “pai da Revolução Verde”, disse uma vez que “ninguém pensava que estes solos iriam ser algum dia produtivos” e, após este feito, considerou ser a maior conquista da ciência agrícola mundial no século XX.
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    Para isto, é imprescindível mencionar a contribuição do Professor Alfredo Lopes Scheidt da Universidade Federal de Lavras (UFLA) a partir da década de 70, cuja extensa pesquisa sob o solo do cerrado permitiu a adoção de técnicas que promoveram o aumento de sua fertilidade, como a calagem, gessagem, fosfatagem, potassagem e aplicação de micronutrientes.

   Porém, nem todos os fatores estão sob pleno controle do produtor rural. Sendo uma atividade majoritariamente conduzida a céu aberto, a dependência da cultura aos caprichos da natureza e ao clima ainda são extremamente significantes.

    Nesta safra de 2019/20, o sul do país vivenciou com amargor os impactos da seca nas lavouras de verão, cuja estiagem causou prejuízos enormes na produção de grandes culturas como soja e milho, principalmente. Este cenário expos um problema recorrente na agricultura global, a limitada quantidade de água.

   Segundo dados da APROSOJA, o Rio Grande do Sul sofreu uma quebra estimada de 40% na soja e, de 26,3% no milho (dados da EMATER).

   Conforme dados da ABIMAQ, menos de 27 mil das mais de 360 mil propriedades do RS contam com sistemas de irrigação. Do total de 21,7 milhões de hectares de produção, apenas 6% contam com tecnologia de armazenamento de água e irrigação, estando sempre suscetíveis à escassez de chuvas na região, a qual foi 56% abaixo do normal para o mesmo período na região (segundo dados do INMET entre Novembro/19 e Março/20).

   A atividade agrícola demanda aproximadamente 70% da água doce utilizada no mundo, sendo um dos fatores de menor controle na mão do produtor, o qual mesmo investindo em projetos de irrigação, não possui plena garantia de acesso a este recurso em situações drásticas de seca em muitos locais do Brasil.

   Diante deste cenário, o aumento de eficiência no uso dos recursos é imperativo para o sucesso do agronegócio como um todo. Por isso o crescimento das práticas de agricultura de precisão, do controle das atividades e, evolução da tecnologia digital dentro das fazendas tem sido rápido nos últimos anos.

   A escassez de diversos recursos e, principalmente, da limitada janela de tempo disponível ao produtor, não permite desperdícios relacionados à retrabalho, falhas de aplicação, nutrição desbalanceada das plantas e quaisquer tipos de manejos inadequados da cultura em pleno século XXI.

   Os desafios gerados pela combinação da atual crise macroeconômica para enfrentamento da pandemia e problemas recorrentes de crédito nacional agravam ainda mais a situação de produtores atingidos pela seca nesta última safra, o qual por sua vez, irão impactar diretamente nos recursos de capital.

   Recursos de capital
   Em momentos de crise socioeconômica e muitas dúvidas sobre o futuro, há apenas a certeza de que os sujeitos mais preparados em condições estruturais e financeiras terão mais chances de sobreviver aos diversos desafios advindos da escassez de recursos.

" (...) é imprescindível mencionar a contribuição do Professor Alfredo Lopes Scheidt da Universidade Federal de Lavras (UFLA) a partir da década de 70, cuja extensa pesquisa sob o solo do cerrado permitiu a adoção de técnicas que promoveram o aumento de sua fertilidade"

   Durante as últimas décadas, muitas nações incluindo os países desenvolvidos de maior crescimento no mundo, contraíram dívidas massivas em relação ao seu PIB anual (Produto Interno Bruto). De acordo com dados do FMI (Fundo Monetário Internacional) de 2018, somente Japão, EUA e China representam mais de 57% da dívida global, totalizando mais de 40 trilhões de dólares. Com o agravante da pandemia do COVID-19 no início deste ano, diversos países tiveram que aumentar sua dívida interna ainda mais para amenizar os variados impactos socio-econômicos do vírus sob a sociedade. 
   
   No caso do Brasil, a dívida aproxima-se de 88% do PIB, ou seja, 8,5 trilhões de reais (de acordo com dados de 2018), colocando o país entre as 10 nações mais endividadas do mundo.
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   Há apenas uma forma de reduzir a dívida de cada nação, o qual depende diretamente do aumento no PIB através da produção industrial. Infelizmente, países em desenvolvimento como o Brasil, ainda dependem significantemente da produção agrícola para gerar riqueza e contribuir com o PIB nacional. 

   Entre 1990 e 2019, o saldo da balança agrícola do Brasil aumentou quase dez vezes, alcançando, neste último ano, US$ 89,33 bilhões, valores que têm contribuído para o equilíbrio das contas externas do país.

   A organização e o intenso processo de modernização das cadeias produtivas do agronegócio fizeram com que os elos anteriores e posteriores às atividades agrícolas, como os de produção de insumos, processamento e distribuição, apresentassem importância cada vez maior no Produto Interno Bruto (PIB).

   Em 2019, a soma de bens e serviços gerados pelo agronegócio chegou a R$ 1,56 trilhão ou 21,1% do PIB brasileiro. Dentre os segmentos, a maior parcela é do ramo agrícola, que corresponde a 74% desse valor (R$ 1,07 trilhão), sendo que a pecuária corresponde a 26%, ou R$ 375,3 bilhões.

   Até 2050, a demanda mundial por alimentos, principalmente da China e Índia, terá aumentado significativamente e, o Brasil terá uma grande pressão para se estabelecer como um dos principais fornecedores em diversos produtos para exportação.

   Felizmente, o Brasil é rico em recursos humanos e naturais, havendo um enorme potencial de crescimento em todas as áreas da indústria, incluindo a agricultura e pecuária. Segundo Paulo Hermann, presidente da John Deere no Brasil, “o agronegócio brasileiro está muito bem estruturado, sendo o único país que tem potencial de dobrar sua produção, mantendo a preservação de 66% do território nacional, principalmente através da recuperação de áreas com pastagens degradadas”.

   Conclusão
   A trajetória recente da agricultura brasileira é resultado de uma combinação de fatores. O cenário para isto é um país com abundância de recursos naturais, com extensas áreas agricultáveis e disponibilidade de água, calor e luz, elementos fundamentais para a vida. Mas o que fez a diferença nestes últimos 50 anos foram os investimentos em pesquisa agrícola, os quais trouxeram avanços nas ciências, tecnologias adequadas e inovações em diversas áreas do agronegócio. 
   O poder transformacional de uma tecnologia depende do contexto econômico e político, das necessidades da sociedade e de suas condições socioeconômicas cuja velocidade poderia ser significativamente aumentada com os incentivos, regulamentos e licenças sociais apropriados. Estes, por sua vez, exigem um diálogo construtivo das partes interessadas e caminhos claros de transição. 
   A Revolução Verde fornece um bom exemplo dessas mudanças sistêmicas, pois permitiu aumentar rapidamente o rendimento das culturas, aumentar o consumo e diminuir a desnutrição em uma velocidade e escala nunca visto antes no mundo. 
   A primeira lição de economia é a escassez, ou seja, se nada for feito, nada teremos! Se o navio com fertilizante não atravessar os oceanos, a semente não cair no solo em tempo hábil, o agricultor não colher antes da próxima chuva e o grão não chegar ao cliente, a humanidade sofrerá ainda mais para alcançar a demanda crescente nos próximos anos.
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