OGM ou Não OGM: o impasse da Europa

Edição XXIV | 04 - Jul . 2020
Alexandre Nepomuceno-alexandre.nepomuceno@embrapa.br
   Recentemente, a Autoridade Europeia para Segurança Alimentar (European Food Safety Authority – EFSA) promoveu uma consulta pública mundial sobre a regulamentação de produtos gerados a partir de Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão (TIMP), especificamente os sistemas SDN (Site-Directed Nucleases).  

   Sistemas SDN são como se classificam as formas de uso de técnicas de edição de genomas, como por exemplo, a ferramenta CRISPR-Cas, e como o produto final se apresenta. O tipo de técnica utilizada tem determinado se o produto final será ou não considerado um OGM perante a legislação de cada país. 

   Na aplicação SDN1, o reparo que ocorre naturalmente no DNA nas células (do inglês Non Homologous End-Joining; NHEJ) é explorado para introduzir mutações simples aleatórias (substituições, inserções e deleções) por sistemas como CRISPR-Cas, TALENs ou Zinc Fingers Nucleases, que causam silenciamento gênico após a quebra do DNA. 

   Na abordagem SDN2 faz-se também o uso de um DNA molde para introduzir uma alteração na sequência de bases nitrogenadas do DNA no local alvo que sofreu a quebra da dupla fita de DNA, explorando outra via natural de reparo, direcionado a partir um fragmento de DNA da própria espécie.  
Na abordagem SDN3 pode-se explorar tanto o NHEJ quanto o HDR para inserir um ou mais fragmentos de DNA contendo sequências necessárias para a expressão de um gene em um local específico do genoma.  

   Brasil, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, EUA, entre outros países, estão entre os primeiros a terem legislação que regulamenta o uso seguro de técnicas de edição gênica.  O Brasil tem feito uma avaliação semelhante aos demais países das Américas, mutações produzidas por sistemas SDN1 causam inativação do gene nativo alvo (knockout). Isso permite, de forma precisa e sem a inclusão de DNA de outras espécies no produto final, a modificação de características de interesse. Nesse caso, o produto não se enquadra como OGM à luz da Lei de Biossegurança, tendo em vista a legislação brasileira excluir como OGM os produtos obtidos por Mutagênese. Semelhantemente como ocorre com produtos obtidos pelo melhoramento clássico, ou por mutações induzidas por fatores externos diversos, ou mesmo por erros durante a replicação do DNA.  

   Desta forma, as mutações produzidas por sistemas SDN1 têm recebido o mesmo critério de avaliação utilizado nos processos mencionados. O conhecimento cada vez mais profundo do genoma das diferentes espécies tem permitido sua edição com muito mais precisão quando comparado com sistemas de mutação induzidos por radiações ou produtos químicos como tem sido feito no desenvolvimento de variedades comerciais por décadas.  

   Sistemas de edição de genomas tipo SDN2 podem ou não ser considerados como OGM perante a legislação brasileira na análise caso-a-caso. São sistemas similares a mutagênese natural pois alteram pequenas porções de DNA genômico, como ocorre em programas de melhoramento genético, ou causados por produtos químicos/radiação, ou mesmo na diferenciação natural de germoplasma de uma espécie coletado em diferentes locais. O principal fator diferenciador em considerar produtos obtidos por sistemas SDN2 como Não OGM tem sido a presença ou não de DNA de fora do pool genético primário ou secundário da espécie alvo.  

   Já sistemas SDN3, pela complexidade dos elementos genéticos introduzidos, normalmente se enquadram como OGM, dependendo sempre de uma análise caso-a-caso, e da origem do DNA utilizado. 

   Diferentemente da Lei de Biossegurança brasileira que exclui Mutagênese do escopo de OGM, em decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o tema, foi estabelecido que na União Europeia a Diretiva 2001/18/CE, sobre análise de risco de OGM, aplica-se a produtos obtidos pelas “novas técnicas de mutagênese”, ou seja, sistemas SDN.

   As inovações na área da genética devem ser feitas respeitando os princípios básicos da biossegurança. Entretanto, a legislação não pode barrar o desenvolvimento tecnológico, ou deixar com poucas instituições e empresas a possibilidade de desenvolver produtos de base biotecnológica como ocorreu no caso dos transgênicos tendo-se em vista processos dispendiosos e demorados de aprovação criados por cada país.   

   Como os sistemas SDN1 e SDN2 simulam/imitam mecanismos de indução de variabilidade genética que ocorrem de forma constante e frequente na natureza, sua detecção em produtos que tiveram seu genoma editado é praticamente impossível, se não for conhecido o local onde as mutações foram feitas. A própria União Européia no relatório “Detecção de alimentos e rações vegetais obtidos por novas técnicas de mutagênese” reconhece que produtos cujo genoma foi editado podem ser indistinguíveis de produtos alterados por processos naturais ou por técnicas convencionais de reprodução.   

   É importante que a União Européia rreveja a decisão do seu Tribunal de Justiça, como aparentemente a EFSA tem feito em bases científicas. O desenvolvimento equilibrado no agronegócio mundial depende da harmonização da legislação dos países membros da OMS nas leis de biossegurança. 
Países exportadores e importadores de alimentos devem ter leis que reflitam e acolham o progresso tecnológico, mantendo a qualidade e segurança dos alimentos, mas que também permitam uma maior diversificação dos participantes da cadeia produtiva.  
Compartilhar