Reflexões sobre sustentabilidade

Edição XXIV | 02 - Mar . 2020
   Hoje vamos filosofar um pouco sobre um assunto que é muito caro para qualquer indivíduo, empresa, negócio ou mesmo para a humanidade. E é adicionalmente importante para quem milita diretamente no agronegócio: a sustentabilidade.
   O viés mais utilizado, desde que o tema surgiu como assunto relevante, é o da ideia de desenvolvimento sustentável, a partir do conceito de ecodesenvolvimento, proposto durante a primeira (e arrisco-me a dizer, mais importante) conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em Estocolmo, na Suécia, em 1972, com 113 países reunidos.
Nesse particular, necessito dizer que, para a realidade da época, o Brasil tomou uma posição de liderança muito interessante na conferência, à frente de 77 países, se opondo a ideia de “crescimento zero” defendido pelos países desenvolvidos e capitaneando uma alternativa que era totalmente contrária a esta: o conceito do “crescimento a qualquer custo”.
   Na ocasião, chegou-se a indelével manifestação do ministro brasileiro de meio ambiente, Costa Cavalcante, que declarou “Desenvolver primeiro e pagar os custos da poluição mais tarde”. Culminou com a famosa faixa estendida, com os dizeres: “Bem-vindos à poluição, estamos abertos a ela. O Brasil é um país que não tem restrições, temos várias cidades que receberiam de braços abertos a sua poluição, porque nós queremos empregos e dólares para o nosso desenvolvimento”.
   De lá para cá o mundo nunca mais seria o mesmo. O termo tornou-se recorrente e é praticamente presença obrigatória quando o assunto é crescimento e desenvolvimento socioeconômico. A partir daí a imaginação fértil foi o suficiente para a criação e desdobramento nos mais diferentes conceitos inter-relacionados, como sustentabilidade ecológica, ambiental, econômica, social, financeira e muitas outras. Ou pior, como a falácia da autossutentabilidade, já que ela apenas existe em tese, num ambiente fechado, e nunca em sistemas abertos como os econômicos, sociais ou ambientais.

   A origem
   Se iniciarmos a prosa lá na origem, veremos que sustentável advém do latim sustentare e está apoiado nas palavras sustentar, defender, favorecer, apoiar, conservar, cuidar, dentre outras. E ainda: que pode ser sustentado ou passível de sustentação.
Assim, o que interessa nisso tudo é entendermos que sustentável precisa ser encarado como algo que seja capaz de ser perpetuado. De outro modo, é assim que precisamos entender a nós mesmos e aos nossos negócios, identificando as ações temerárias a serem evitadas. Ocorre que é exatamente essa realidade que nos faz perceber o tamanho do desafio que temos em qualquer situação.

   Começando pela nossa existência
   Desde os primórdios, quando diferentes espécies de humanos, dentre eles o homo sapiens, perambulavam pelo planeta e começaram a fazer o uso do fogo diariamente, tudo mudou. Mas foi o hábito de cozinhar que efetivamente pode ter ampliado definitivamente a nossa capacidade de subsistir e evoluir como espécie no planeta.
   Como se acredita, o hábito de cozinhar auxiliou no encurtamento do trato intestinal e, por consequência, no crescimento do nosso cérebro. O restante não é difícil de entender. Tornamo-nos uma espécie em desenvolvimento ininterrupto, com potencial sustentável efetivo. Antes disso éramos apenas uma aposta da natureza.
   A teoria Malthusiana, de que não seríamos capazes de atender a nossa própria demanda por alimentos em função do crescimento descompassado entre produção e crescimento populacional está suplantado, graças ao emprego desse nosso cérebro avantajado. Mesmo assim, alguém nesse mundo tem certeza efetiva de que estamos seguros como espécie? Logo a sustentabilidade no longo prazo é no mínimo temerária.
   Então, passados algumas dezenas de milhares de anos da domesticação do fogo, estamos novamente discutindo nossa capacidade de mantermo-nos como espécie no planeta em função da nossa incapacidade latente de manter a estabilidade. E estamos certos em nos preocupar. Basta termos um pouco de memória histórica.

" O que parece relativamente confortante para o agro é o fato de que até o momento a importância praticamente vital do setor parece algo sustentável."


   O sistema em equilíbrio
   Se você que está lendo esse texto agora, e pensar um pouco no seu negócio e na sua própria existência vai entender rapidamente que o termo sustentabilidade é uma utopia a ser perseguida continuamente, mas nunca um ponto a ser encontrado. Assim como a frase atribuída a americana Margareth Lee Runbeck sobre a busca da felicidade quando ela afirma que: a felicidade não é uma estação de chegada, mas sim uma forma de viajar.
   Desse modo, é de se entender clara e facilmente a preocupação da humanidade em torno do assunto e especialmente a sua relevância para com o agronegócio, justificada pela íntima relação do setor com a sobrevivência da espécie em si, através da produção de alimentos, apenas para ficar num exemplo.
   O alimento, por exemplo, não pode faltar. Sua produção precisa ser sustentável principalmente do ponto de vista da continuidade da oferta, mas dentro de determinados limites de impacto da sua produção, mesmo diante do previsível aumento da demanda mundial. Chamamos isso de segurança alimentar. Mas como garantir isso se nossos impactos são indeléveis e pouco previsíveis? E alguns apenas nos curto e médio prazos?

   A questão central para você e os negócios
   Nós temos um negócio, por exemplo, que pode ser sustentável, mas basta algo no sistema se alterar como a entrada de um novo player, de um elemento novo, um acidente ou uma nova demanda, que o desequilíbrio pode gerar a insustentabilidade da atividade de imediato. A questão central é perceber isso.
   Mas, como o sistema normalmente é dinâmico e busca automaticamente a sobrevivência, tende a se autorregular até encontrar um novo equilíbrio, surgindo um novo modelo de sustentabilidade logo em seguida. Mas sempre haverá perdas e elas muitas vezes não são previsíveis.
   O que parece relativamente confortante para o agro é o fato de que até o momento a importância praticamente vital do setor parece algo sustentável. Ou seja, dito de outro modo, não há ainda no front algo que possa substituir o setor, garantindo a sustentabilidade da espécie. Mas iniciativas nesse sentido, para reduzir a dependência em alguns aspectos já estão a caminho.
   Então é melhor entender esse sistema rapidamente para não sermos ejetados dele de uma hora para outra.
   Até a próxima.
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