O poder da biotecnologia sintética

Edição XXIV | 02 - Mar . 2020
Alexandre Nepomuceno-alexandre.nepomuceno@embrapa.br
   A biologia sintética é a ciência que permite reprogramar organismos vivos de forma que esses passem a produzir substancias do nosso interesse. Quando falamos em reprogramar, não estamos nos referindo apenas a inserção de um ou de poucos genes como ocorre na transgenia, mas sim da criação de organismos com modificações de rotas metabólicas completas, por meio da alteração de circuitos de genes, cromossomos inteiros ou até mesmo, pela produção de genomas artificiais.
   É uma ciência que integra diversas áreas da biologia e da engenharia, e utiliza genes e proteínas para criar novos tipos de células, permitindo modificar organismos para fazer algo que eles não fariam naturalmente. 
   A biologia sintética ganhou notoriedade a partir de 2010, quando o cientista americano John Craig Venter criou a primeira “vida artificial” em laboratório. Nas últimas décadas com a evolução das tecnologias para o sequenciamento do DNA tornou-se possível desvendar o código genético de diversos organismos vivos, informações essas que ficam disponíveis em bancos de dados.
   O que o cientista fez foi utilizar esses dados digitais para sintetizar quimicamente, “imprimir o DNA”, da bactéria Mycoplasma mycoides. Assim foi criada uma bactéria com capacidade de se multiplicar cujo DNA foi totalmente produzido em laboratório. Na época o cientista comemorou a conquista afirmando se tratar do primeiro organismo vivo cujo pai é o computador.
Apesar de parecer uma realidade distante, produtos da biologia sintética já estão disponíveis ao consumidor. A empresa Bolt Treads por exemplo, possui uma linha de produtos produzidos de forma sustentável por meio da biologia sintética. É o caso da proteína da seda fabricada a partir de microrganismos bioengenheirados. 
   A tecnologia partiu de estudos realizados em aranhas, que buscavam entender quais dos genes presentes no DNA desses organismos eram responsáveis pela produção das proteínas da seda. A partir disso foram produzidas leveduras bioengenheiradas, que por conterem em seu DNA informações copiadas do DNA das aranhas, tornaram-se capazes de produzir as proteínas da seda utilizando apenas açúcar e água. Essas leveduras são facilmente multiplicadas em laboratório permitindo a produção de compostos em larga escala. 
   Outro exemplo é a companhia Perfect Day, anteriormente conhecida como Muufri, que produz leite de vaca a partir de leveduras geneticamente modificadas por meio da introdução dos genes da vaca responsáveis pela produção de leite. Assim, a partir da combinação de açúcares, ácidos graxos e água, as leveduras tornaram-se capazes de produzir um leite artificial, que diferente do leite de soja, possui o mesmo sabor e composição que o leite original.

" Apesar dos avanços nos últimos anos, ainda há muito a ser descoberto. Para isso, cientistas do mundo todo, inclusive do Brasil, estão se movendo na direção do uso da biologia sintética como estratégia para desenvolver novas biotecnologias."

   A substituição de produtos como o plástico originado a partir de combustíveis fósseis, pelo bioplástico, produzido a partir de fontes de energia renovável como o amido da batata, do milho, entre outros, também já é realidade. Apesar dos avanços nos últimos anos, ainda há muito a ser descoberto. Para isso, cientistas do mundo todo, inclusive do Brasil, estão se movendo na direção do uso da biologia sintética como estratégia para desenvolver novas biotecnologias.
   As possibilidades de aplicações da biologia sintética são diversas e incluem a criação de microrganismos capazes de detectar e degradar poluentes, geração de biocombustíveis a partir de resíduos vegetais, produção de medicamentos e vacinas, além de muitas outras. Na agricultura a biologia sintética também poderá trazer contribuições importantes, como alterar rotas metabólicas em plantas a fim de aumentar a eficiência fotossintética e o rendimento de grãos, expandir a maquinaria da fixação biológica de nitrogênio para outras espécies vegetais além das leguminosas, alterar rotas metabólicas relacionadas a produção de metabólitos secundários que possam tornar as plantas mais tolerantes aos estresses bióticos e abióticos.
   No Brasil possuímos algumas iniciativas que envolvem o desenvolvimento desta tecnologia como a do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Biologia Sintética (https://www.inctbiosyn.com), coordenado pela pesquisador da Embrapa Elibio Rech cujo objetivo é estudar e prospectar recursos biológicos de plantas e microrganismos para produzir uma base de dados integrados e dinâmicos para construção de peças, circuitos e caminhos metabólicos para engenharia de sistemas biológicos e geração de plataformas tecnológicas de ativos de biodiversidade. 
   Com a biologia sintética muitos produtos hoje extraídos da natureza poderão ser produzidos de maneira artificial, contribuindo para preservação do meio ambiente. Como toda tecnologia recente, há controvérsias, enquanto muitos vislumbram que essa ciência trará as soluções para os grandes problemas da humanidade, há também desconfiança por parte de outros. A legislação de biossegurança tem acompanhado os avanços na ciência, a fim de estabelecer as normas e obrigações para liberação desses produtos de forma segura, permitindo o avanço da ciência ao mesmo tempo em que é preservada a biossegurança do ecossistema e da vida humana.
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