O impacto dos acordos comerciais no equilíbrio do agronegócio

Edição XXIV | 02 - Mar . 2020
Equipe SEEDnews-seednews@seednews.inf.br
   Acordos são da natureza humana, especialmente os comerciais, permitindo a evolução e crescimento das sociedades há milhares de anos, envolvendo todos os diferentes impérios e civilizações que já existiram ou dominaram o nosso planeta.
   A rota da seda, por exemplo, foi responsável por importantíssimas trocas de informações dentre os povos da Ásia e Europa, acelerando drasticamente o crescimento e expansão de todos aqueles que cruzaram por seu caminho.
   Ao longo dos milênios, o comércio de muitos produtos agrícolas foram sempre grandes catalisadores de mudanças e avanços econômicos e sociais.
   O sal, por exemplo, era muito valorizado e serviu como balizador de comércio e moeda em vários momentos e lugares. Rações especiais de sal dadas aos primeiros soldados romanos eram conhecidas como “salarium argentum” (por isto a palavra “salário” é derivada da palavra “sal”), sendo até mesmo motivo de conflitos na antiguidade.
   Como um bem precioso e portátil, o sal sempre foi uma pedra angular das economias ao longo dos anos, sendo que muitos pesquisadores alegam que a civilização começou ao longo das margens do deserto por causa dos depósitos naturais de sal encontrados lá, os quais são provavelmente a causa de uma das primeiras guerras registradas na história, travada perto da antiga cidade de Essalt, no rio Jordão.
   Não precisamos nos esforçar muito para perceber o impacto do comércio na nossa cultura. A própria América, de norte a sul, foi descoberta graças aos esforços de outras nações em estender suas rotas de comércio, seja de portugueses e espanhóis buscando especiarias na Índia ou, até mesmo, vikings explorando os mares gelados da América do Norte.
   Hoje, o mundo está amplamente conectado e globalizado pela fluidez dos meios de comunicação físicas e digitais. Porém as demandas de cada nação, isoladamente ou em grupos de interesse, apoiado no ímpeto do ser humano em criar vantagens competitivas, continua a forçar a criação e evolução do comércio internacional. Nesse sentido, atritos e batalhas por produtos e serviços relevantes ao desenvolvimento da espécie humana, continuam a exercer grande impacto em nossa sociedade.
   Os principais produtos exportados no mundo já não são mais a seda, o sal e/ou especiarias vindas da Ásia e nordeste da África para a Europa (como canela, cássia, cardamomo, gengibre, pimenta e açafrão).
   Quando se trata dos alimentos básicos para alimentar o mundo, produtos florestais, derivados do complexo da soja, cereais, café e proteínas animais atravessam as fronteiras em volumes significantemente superiores à qualquer outro produto, sendo que o Brasil vem se consolidando como uma das nações proeminentes em termos de exportação, embora haja ainda muito espaço para expansão da produção no território nacional e por consequência, a sua definitiva ascensão como player desta nessa arena global.
   Sendo grande importador de alimentos durante a década de 1970, o Brasil se transformou nos últimos 25 anos em uma das maiores potências agrícolas mundiais. De acordo com a FAO, o Brasil deverá assumir a liderança mundial na exportação de produtos agrícolas já em 2025.
  Segundo o próprio governo brasileiro em estudo amplo, realizado pela Secretaria de Política Agrícola do MAPA e a EMBRAPA, sobre a realidade do agronegócio e projeções dos próximos 10 anos (2028/2029), prevê que a área total plantada com lavouras no país passará de 75,4 milhões de hectares para 85,68 milhões, num acréscimo de 10,3 milhões de hectares em dez anos, representando um incremento de 13,63% em relação a safra 2018/2019.
   Esse incremento de área plantada, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), é resultado prático do avanço da produção agrícola sobre áreas de pecuária degradada, áreas de abertura (primeiro plantio) e principalmente através do aumento do plantio de safrinha no Centro-Oeste e no MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
   Grande parte do crescimento desta área plantada se dará nas culturas de cana-de-açúcar (+37%), do algodão (+35%) e das oleaginosas, especialmente soja (+23%), segundo demonstra o relatório da FAO no capítulo sobre Perspectivas Agrícolas para a próxima década.
   Esta perspectiva apenas acompanha o crescimento vertiginoso da demanda por produtos agrícolas nas últimas décadas ao redor do mundo. O forte crescimento econômico, aliado a mudanças nos padrões de consumo em países emergentes (como Brasil, China, Índia, Indonésia e Russia), impulsionou a demanda por produtos agrícolas. Desde o início do século, o comércio agrícola mundial aumentou mais de três vezes em valor, chegando a US $ 1,6 trilhão em 2017, ante US $ 570 bilhões em 2000.
   No entanto, o amadurecimento das cadeias agrícolas mundiais ainda expõe setores que necessitam de amadurecimento. Seja para fomentar crescimento interno ou apenas para proteção econômica, dado que diferentes políticas governamentais estabelecidas em cada país acabam sempre por desequilibrar a balança de importantes mercados.
   A recente guerra comercial entre China e EUA, culminou em um aumento significativo do prêmio remunerado de cada saca de soja embarcada pelos agricultores brasileiros nos últimos dois anos, além de favorecer significantemente os volumes de exportação à China. Esta, por sua vez, sofreu pesadas tarifas comerciais impostas pelos EUA, as quais somaram mais de US$250 bilhões desde 2018.
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   O relacionamento entre países desenvolvidos e em desenvolvimento ainda causa forte pressão, centrando interesses próprios e na rede de relacionamentos que impactam a balança econômica do mercado de exportação.
   Durante o período de alta de preços entre 2008 e 2011, as medidas de liberalização de importações superaram amplamente as restrições de importação, à medida que os governos lutavam para fornecer alimentos acessíveis a seus consumidores, removendo temporariamente as barreiras comerciais. No entanto, houve um crescimento significativo do uso de restrições à importação após 2012, principalmente na forma de aumento de tarifas ou restrições quantitativas por parte de muitos países ao redor do mundo. As medidas restritivas à importação mais do que triplicaram, de 25 para 80 após o ano de 2012.
   Devido à elevada crise econômica e dívida acima de 300 bilhões de dólares (mais de 90% do PIB nacional), a Argentina por exemplo, decidiu recentemente elevar o imposto de exportação de produtos agrícolas. Algo que já foi praticado por aqui e sabemos, de resultado desastroso.
   Assim, as taxas sob as vendas de grãos como milho e trigo para o exterior terão um valor fixo de 12%. Já no caso da soja, na qual o país está entre os 5 maiores exportadores do mundo, esse índice se somará aos 18% que já eram pagos, o qual implicará num total de 30% sobre seu preço.
   A medida busca levantar recursos financeiros para aliviar a crise econômica que assola o país há décadas. No entanto, já causa revolta entre os produtores agrícolas argentinos, os quais possuem ainda menor motivação financeira para o cultivo de soja, principalmente.
   Por outro lado, e em uma situação completamente diferente de muitos países em desenvolvimento, o apoio e atenção à situação dos agricultores em forma de subsídios, em muitos países desenvolvidos, também trouxe significativos desequilíbrios no âmbito do mercado global de exportação de produtos agrícolas, sendo uma grande fonte de preocupação ao longo dos anos para todos os demais players.
   O café, como produto de grande importância para o Brasil, serve de alerta para os perigos existentes em fomentar e subsidiar produtos em níveis insustentáveis no médio prazo. A título de exemplo, no início do século XX (há quase 100 anos), houve uma avassaladora crise do café devido ao contínuo, descontrolado e excessivo aumento da safra, a qual chegava aos espantosos 21 milhões de sacas, para um consumo mundial de apenas 22 milhões.
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   O mercado sofreu a primeira grande intervenção do governo motivada pelos preços baixos que mal cobriam os custos da colheita, a qual foi implementada em 1906, quando os governantes de São Paulo e Minas Gerais assinaram o “Convênio de Taubaté”, fixando um preço mínimo do café e a proibição do plantio de novas lavouras.
Crises financeiras e constantes renegociações de dívidas (funding loans) causaram prejuízos significativos à economia nacional. Com isto, queimas de estoques foram implementadas em 1932 devido à superprodução. Porém, os estoques continuaram excessivamente altos devido à baixa demanda e concorrência com demais países produtores, fazendo com que mais de 78 milhões de sacas fossem incineradas até 1944, além da proibição do plantio de novas lavouras.
   Os sucessivos subsídios aos cafeicultores causaram enormes atrasos ao crescimento econômico do Brasil. Enquanto que muitos países estavam realizando massivos investimentos em industrialização e alcançando grande evolução, os brasileiros ainda buscavam manter a sustentação da cafeicultura, negligenciando o surgimento da grande onda de industrialização ao redor do mundo.
   Durante a década de 90, os subsídios aos agricultores ainda representavam uma grande fonte de desequilíbrio na balança internacional. No entanto, graças a negociações extensivas e ao pacote Nairobi, o volume de subsídios foi reduzido em impressionantes 96% desde então, os quais ultrapassavam a marca de 17 bilhões anuais em suporte doméstico aos agricultores nos EUA, por exemplo.
   Os aumentos nos preços dos alimentos combinados com os baixos preços das commodities agrícolas aumentaram a pressão governamental para remover as políticas protecionistas que distorcem o comércio que podem, por sua vez, não ser capturadas apenas pelas medidas tradicionais de desembolso de subsídios à exportação.
   Os subsídios à exportação estão entre os instrumentos políticos que mais distorcem o comércio. Esses subsídios foram originalmente destinados a ajudar produtores domésticos e agricultores em áreas onde os custos de produção agrícola eram altos e garantir a produção de alimentos suficientes para atender às necessidades domésticas. Eles protegem os produtores da concorrência internacional no mercado; ou seja, economias em que os custos de produção, como mão-de-obra ou terra, são mais baratos.
   Assim, os subsídios podem ter muitos efeitos colaterais para a economia global, onde podem exacerbar a volatilidade dos preços e os aumentos nos preços dos alimentos. Eles permitem que os exportadores obtenham participação de mercado sem eficiências que devem acompanhar esse crescimento.
   Após a Conferência Ministerial de Nairóbi de 2015, os membros da “OMC” tomaram medidas para eliminar progressivamente os direitos de subsídios à exportação, a fim de nivelar o campo de atuação entre as economias desenvolvidas e em desenvolvimento.
   Hoje, segundo dados da FAO, os subsídios à exportação constituem apenas 2% dos instrumentos políticos empregados no mercado agrícola, com tarifas de importação e cotas de exportação representando 42% e 10% das intervenções prejudiciais nos mercados agrícolas, respectivamente.
   De meados de outubro de 2015 a meados de maio de 2016, 154 medidas comerciais restritivas foram aplicadas pelos membros da OMC - a maior média mensal desde 2011. Além disso, um quinto de todas as medidas comerciais implementadas entre 2012 e 2015 visava produtos agrícolas.
   Seja qual for a forma de intervenção do governo, medidas protecionistas trazem prejuízos domésticos e internacionais no longo prazo, causando atritos e desequilíbrios no delicado relacionamento comercial entre nações com ampla diversidade social, política e econômica.


   Sementes
   O movimento de sementes entre países e regiões sempre foi grande, pois as espécies possuem centro de origem, como o milho da América Central, a soja da Ásia, a batata da região andina e o trigo da Ásia, podendo ser cultivadas no mundo inteiro. Inicialmente as sementes eram importadas/exportadas praticamente sem restrições, entretanto com o passar dos anos houve necessidade da avaliação da qualidade das sementes tanto quanto a germinação e pureza como quanto a patologia, isto para evitar a disseminação de doenças e de sementes de plantas daninhas. 
   Atualmente o comércio de sementes entre países e regiões é também regulado quanto a proteção de cultivares (convenção da UPOV de 1978 ou 1991) entre outros aspectos como acesso ao germoplasma nativo. Esta regulamentação permite que as sementes sejam produzidas num país e comercializadas em outro, cujo comércio internacional de sementes supera 15 bilhões de dólares anuais.
   A crescente cooperação entre o governo (autoridade nacional), iniciativa privada e as organizações internacionais de sementes são importantes para minimizar as preocupações das barreiras não alfandegárias ao comércio internacional de sementes. Cada país com suas leis, instituições e relações comerciais, segue seu próprio caminho. Entretanto, a multiplicidade de processos e enfoque deve permanecer consistente entre importador e exportador. Com isto, o esquema de certificação, acordos e entendimentos além das fronteiras permanece como a base para o sistema legal em nível internacional. 
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