Criação de cultivares: o trabalho de Milton Alberico Rocha

Edição XXIV | 02 - Mar . 2020
Equipe SEEDnews-seednews@seednews.inf.br
   A evolução da agricultura brasileira deve-se a vários fatores, entre eles está a criação de novas e melhores cultivares por pesquisadores abnegados que foram buscar conhecimento  e materiais genéticos nos melhores bancos de germoplasma do mundo para aplicar em seu importante trabalho. Neste sentido, a SEEDnews entrevistou a Milton Alberico Rocha que muito contribuiu (e contribui) para o sucesso da criação de cultivares no Brasil e em consequência com o negócio de sementes.
   Milton é Engenheiro Agrônomo formado pela Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel (FAEM) em 1950, local em que atuou como professor de tempo parcial nas disciplinas de agricultura geral, genética vegetal e estatística, assim como desenvolveu atividades junto ao Instituto Agronômico do Sul ( IAS), hoje Embrapa, que se situa praticamente junto a FAEM. 
No seu trabalho junto ao IAS, teve oportunidade de realizar trabalhos de melhoramento de milho, mostrando grande dedicação as atividades e desejo de maiores conhecimentos, razão pela qual foi indicado por seus superiores para uma bolsa de estudos oferecida pela Fundação Rockefeller para trabalhar um ano junto a uma grande equipe de técnicos de renome, denominada “Oficina de Estudios Especiales” (hoje Cimmyt – Centro internacional de melhoramento de milho e trigo) no México. Era uma iniciativa pioneira buscando aplicar os melhores conhecimentos da pesquisa agronômica para acelerar o desenvolvimento de um país de terceiro mundo.
   Viajou cerca de 70.000 km, realizando trabalhos de Melhoramento Genético do Milho, sob a liderança dos Drs. Edwin J. Wellhausen (Chefe do Programa, agraciado, pelo seu trabalho, com a mais alta condecoração mexicana - a Águia de Prata) e Sterling Wortman (depois Vice-Presidente da RF). Conheceu também o Dr. Norman Borlaug, Melhorista de Trigo da equipe, (pai da “Revolução Verde” e Premio Nobel da Paz, por seus trabalhos), acompanhando o seu trabalho em diversas oportunidades.
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   Trigo
   Como agricultor, Milton cultivava trigo em sua fazenda no município de Herval –RS, utilizando sementes de cultivares criadas pelo IAS, inclusive sendo escolhido como produtor de sementes da cultivar de trigo IAS 20 que era resistente a ferrugem do colmo, muito importante na época. Esta relação lhe despertou o interesse em criar novas cultivares de trigo, e para tal necessitava de um banco de germoplasma para iniciar seu programa. Assim, consultou seus contatos internacionais sobre as possibilidades de obtenção de germoplasma, em que foi atendido pelo Cimmyt com os materiais que estavam na Argentina na estação experimental de Marcos Juarez.  O trigo argentino se caracterizava pela qualidade industrial do grão, enquanto o trigo do Cimmyt pela produtividade, propiciando um bom mix.
   Assim, Milton iniciava a sua incessante busca por variedades que possuíssem a mais alta qualidade industrial e de consumo, aliada a elevada produtividade. Outros objetivos do melhoramento, como a obtenção de resistência a doenças e pragas, ainda que importantes e realizadas sempre que possível, seriam atendidos por trabalhos específicos posteriores, uma vez que tal resistência é preponderantemente devida a poucos genes, na maioria dominantes, que poderiam ser integrados rapidamente ao germoplasma por processos tecnológicos laboratoriais. Isto está sendo cada vez mais objeto de novos processos altamente eficientes.
   O programa de melhoramento de trigo de Milton, na metade da década de 1970, estava muito grande com cerca de 30.000 parcelas no campo, e a necessidade de recursos financeiros era muito grande para um homem só, apesar do apoio que encontrava no Banco do Brasil (CETRIN- compra estatal e apoio ao trigo nacional). Felizmente, na época havia um movimento para o país ter uma lei de proteção de cultivares com o objetivo de reconhecer, de forma pecuniária, o trabalho do melhorista, despertando o interesse da iniciativa privada em investir na criação de cultivares. Neste sentido, a empresa internacional IPB (ligada a Shell) em 1976, comprou o programa de melhoramento de trigo com a expectativa de se ressarcir com as sementes da cultivares protegidas por lei. Infelizmente a lei de proteção de cultivares foi aprovada no Brasil somente em 1997.
Salienta-se que o sistema brasileiro de sementes, foi organizado na década de 1960, tomando como referência a cultura do trigo, que até hoje apresenta uma das maiores taxas de utilização entre as espécies sendo de 70%.

   Arroz
   Com sua larga experiência como engenheiro agrônomo e melhorista, Milton incentivou a empresa Granjas 4 Irmãos e a JOSAPAR (Industria de arroz, líder de mercado) a realizar um trabalho de melhoramento genético do arroz. O setor privado é reconhecidamente mais ágil na tomada de decisões e acesso ao mercado, fatores primordiais quanto a adoção de materiais e consequentemente viabilidade econômica.
   O programa de melhoramento de arroz possuía dois objetivos principais, como em trigo: qualidade de grão e produtividade. Após vários anos de árduo trabalho, o programa colocou no mercado 3 cultivares: Supremo 1, Supremo 2 e Supremo 3 (na Argentina).
   A Josapar comercializava suas sementes de forma verticalizada, ou seja, criava e desenvolvia a cultivar e produzia as sementes, colocando-as no mercado. A tarefa era facilitada, pois a empresa também opera na compra e industrialização do grão.
   O sucesso do programa era notório, levando Milton a desenvolver trabalhos para incorporar resistência a herbicida em seus materiais de elite, despertando a atenção de empresas de agroquímicos. Em arroz, as plantas daninhas causam grandes prejuízos, assim práticas agronômicas que facilitam seu controle são bem vindas. Neste sentido, os trabalhos de incorporação de resistência já estavam bastante adiantados quando o programa foi vendido para uma empresa internacional, a qual terminou de realizar os trabalhos de seleção sob a liderança de Milton.
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   Braspov
Após vários anos discutindo os direitos dos melhoristas, o país aprovou, em 1997, a lei de proteção de cultivares (LPC) com o objetivo de ressarcir o melhorista de seu trabalho na criação de cultivares. Considera-se que a partir desta data o país possui uma plataforma legal para a iniciativa privada investir no melhoramento vegetal.
   Milton, com sua larga experiência na criação e desenvolvimento de cultivares na iniciativa privada, foi um dos fundadores da Associação Brasileira dos Obtentores Vegetais (Braspov), pois se identificou a necessidade de atuar junto ao MAPA no sentido de auxiliar o serviço nacional de proteção de cultivares (SNPC) para estabelecer as características agronômicas das variedades submetidas para proteção e assim determinar a conformidade se um material para proteção era distinto, homogêneo e estável (DHE).
   As empresas de fitomelhoramento colaboram com o MAPA com seus especialistas de diferentes áreas agronômicas sob o guarda chuva da BRASPOV. Perguntado sobre a efetividade da LPC após mais de 20 anos de funcionamento, Milton salienta que a lei poderia ser aperfeiçoada, pois com a possibilidade do agricultor poder fazer sua própria semente de uma cultivar protegida, restringe bastante as possibilidades de um melhorista ser ressarcido de seu trabalho. Também comenta que há uma tendência do agricultor de maior posse fazer maior uso de “sua própria semente” o que desvirtua ainda mais os objetivos da LPC.
   Para evitar as distorções da Lei, a UPOV cancelou a chamada cláusula do agricultor em sua convenção de 1991 - que lhe dava o direito de produzir a semente para seu próprio uso,  estando esta nova Convenção já aceita por grande número de países. O Brasil está em processo de discussão para aderir a convenção da UPOV de 1991.
Milton comenta que tem pensado a respeito dos direitos do melhorista e meios para ressarcir seu trabalho e com isso incentivar a criação de mais e melhores cultivares. Neste sentido, para algumas espécies como arroz e trigo, sugere que uma alternativa é utilizar marcas monovarietais, ou seja, a indústria coloca no mercado uma marca de arroz que é composta de apenas uma variedade, com DNA registrado. Isto é fácil de controlar e como a proteção da marca é no INPI, esta possui uma proteção robusta.  A articulação entre os atores de uma cadeia de grãos, possui muita força, facilitando acordos diversos.



   Comentários finais
   Sobre o sucesso da agricultura brasileira salienta que esta é principalmente função do agricultor brasileiro que é agressivo para as coisas que dependem dele, como a escolha de uma cultivar adequada para as suas condições, possuindo fome e entusiasmo por um novo material.
   Em seu trabalho Milton conheceu, foi conhecido e reconhecido pelos melhores melhoristas e pesquisadores de arroz, executando trabalhos de seleção de seus materiais na Argentina, Itália e Portugal, além de visitar os mais avançados programas de melhoramento, como do IRRI, CIAT, Louisiana, Texas, Itália.
   Milton possui um Programa de Melhoramento de Arroz com um bom número de novas linhagens prontas para a produção de sementes e com grãos da mais elevada qualidade, em três tipos de materiais: Grãos Longo Finos, Grãos Aromáticos do tipo Basmati e Grãos Negros Longo Finos e Aromáticos (uma inovação no Mercado). Tais materiais são iguais ou superiores aos melhores do mercado em qualidade e produtividade, estando apenas aguardando um bom parceiro para colocá-los no mercado, com exclusividade e garantia de valores adequados de “royalties” ou valor agregado, que permitam a remuneração adequada para tantos anos trabalho. 
   Milton está contatando o setor industrial para buscar um acordo de produção de sementes através do uso de “Marca” a ser registrada, com o uso exclusivo de uma única variedade, cujo DNA seria registrado. Com isto, o uso desta variedade ficaria protegido pelo Direito de Propriedade de Obtentor e, ainda, sua colocação no mercado de consumo, em “Marca” exclusiva, sujeitaria possíveis infratores a elevadas penalidades.
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