Biotecnologia: muito além da transgenia

Edição XXII | 05 - Set . 2018
Alexandre Nepomuceno-alexandre.nepomuceno@embrapa.br
    Quando falamos em biotecnologia, sem sombra de dúvidas, a tecnologia mais lembrada por parte da maioria da população são as variedades transgênicas, tendo sido essa ciência objeto de discussões e polêmicas ao redor do mundo, gerando dúvidas e curiosidades sobre o assunto. O que poucos sabem é que a biotecnologia se faz presente em uma grande diversidade de tecnologias e processos que vão muito além da transgenia. Começando pela definição, a palavra biotecnologia tem origem grega, onde “bio” significa vida, “tecnos” técnica e “logos” quer dizer “conhecimento”. Assim, podemos considerar a biotecnologia como um conjunto de técnicas que envolvem a manipulação de organismos vivos para modificação de produtos. 
    Dentro desse conceito clássico, percebemos que a utilização da biotecnologia antecede a Era Cristã, quando microrganismos eram usados nos processos fermentativos para produção de bebidas alcoólicas e pães. Não podemos negar, no entanto, que, com os avanços na genética e na biologia molecular, essa ciência evoluiu e hoje vai muito além dos processos fermentativos, sendo amplamente aplicada na agropecuária e, também, em outras áreas, como a medicina, indústria e meio ambiente.
    Na agricultura, temos exemplos de sucesso de tecnologias oriundas da biotecnologia clássica, como o uso de microrganismos em associação com leguminosas para fixação biológica de nitrogênio, ou ainda, bactérias promotoras de crescimento utilizadas em associação com diversas espécies vegetais. No cenário da biotecnologia moderna, temos as recentes descobertas das ferramentas de edição gênica, como a tecnologia CRISPR, já discutidas em edições anteriores, as quais permitem alterar genomas de forma rápida e precisa. Plantas e animais com genoma modificado por essas ferramentas já estão sendo desenvolvidos e, num futuro próximo, essas tecnologias serão disponibilizadas para o produtor.  
    No melhoramento de plantas, são diversas as aplicações dessa ciência. Os avanços nas tecnologias para o sequenciamento de genomas permitiram que muitas regiões do DNA associadas a características de interesse agronômico fossem decifradas. A partir da identificação dessas regiões, foi possível desenvolver marcadores moleculares associados a diversas características de interesse. Esses marcadores se constituem em “marcas no DNA”, as quais permitem selecionar em laboratório os genótipos que contêm os genes associados a característica de interesse. Como exemplo prático, podemos citar o uso de um marcador de DNA relacionado a um gene que confere resistência a uma determinada doença. Esse marcador permite que o melhorista determine em laboratório quais são as linhagens que contêm o gene de resistência, reduzindo o número de genótipos a serem testados no campo. Trata-se de uma ferramenta presente na rotina da maioria dos programas de melhoramento genético, que permite aumentar a velocidade dos processos e a eficácia de seleção, com impacto significativo na redução de custos para geração das novas variedades. 
    No sistema de produção e controle de qualidade em sementes, os marcadores moleculares são úteis tanto na determinação da qualidade sanitária, como também para determinar a pureza genética dos lotes de sementes. Alguns patógenos podem ser difíceis de serem detectados pelos métodos tradicionalmente utilizados na análise sanitária, podendo essa análise ser realizada através do DNA. No que se refere à qualidade genética, muitos dos descritores morfológicos utilizados para determinar a mistura de cultivares em um lote sementes, ou mesmo a identidade genética de uma cultivar, podem sofrer influência do ambiente, dificultando o processo de identificação. Pela análise do DNA, essa interferência ambiental é eliminada, permitindo determinar com segurança a identidade de uma cultivar, o que é útil para o rastreamento dos materiais por parte dos obtentores ao longo da cadeia produtiva. 

Os marcadores moleculares se constituem em “marcas no DNA”, permitindo selecionar em laboratório os genótipos que contêm os genes associados a característica de interesse




    Análogo ao que ocorre no melhoramento de plantas, o uso da biotecnologia também se faz presente no melhoramento animal. Técnicas como a inseminação artificial, a transferência de embriões, ou ainda a fecundação in vitro associada ao uso de marcadores moleculares têm possibilitado inúmeras vantagens na reprodução e no melhoramento animal. Pela inseminação artificial, diferente da reprodução natural, é possível maximizar o uso daqueles reprodutores que são geneticamente superiores, resultando em descendentes com melhores características. Assim, poucos pais são requeridos para produzir o mesmo número de animais. 
    A transferência de embriões é outra tecnologia que garante eficiência na reprodução animal.  A técnica baseia-se na utilização de hormônios para induzir a ovulação em fêmeas geneticamente superiores, seguida do processo de inseminação artificial. Os embriões gerados no útero desse animal elite são então retirados e implantados em outra fêmea, onde será completada a gestação. Essa técnica permite que uma única vaca de genética superior chegue a gerar 50 embriões em um ano. 
    Na sanidade animal, a biotecnologia também se faz presente na diagnose de doenças, por meio de técnicas da biotecnologia como a PCR (Reação da polimerase) ou ainda, na produção de vacinas. 
    A biotecnologia pode também ser utilizada em prol da preservação ambiental, focada na conservação das espécies. Por permitirem determinar a variabilidade genética das espécies, as ferramentas da biotecnologia possibilitam discriminar quais espécies estão ameaçadas de extinção, auxiliando na definição de estratégias para a preservação. Ainda no aspecto ambiental, pode-se citar o papel da biotecnologia na produção de biocombustíveis, por meio do aproveitamento dos resíduos agrícolas, como o bagaço de cana. O desenvolvimento de leveduras geneticamente modificadas que são capazes de processar o açúcar presente nesses resíduos constitui uma ferramenta importante para a transformação desses resíduos em etanol.
    Esses são apenas alguns dos exemplos de como essa ciência se faz presente no dia a dia da nossa agropecuária, fazendo com que a população se beneficie dessas tecnologias, na forma de alimentos mais baratos e de melhor qualidade. 

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