Circunstâncias em que o vigor resulta maior que a germinação

Edição XXII | 05 - Set . 2018
Maria de Fátima Zorato-fatima@mfzorato.com.br

    Inúmeras contribuições da pesquisa científica e inovações em melhoramento genético para desenvolvimento de cultivares de soja, expressivamente produtivas e adaptadas às diferentes regiões brasileiras, têm sido relevantes para colocar o país num patamar de destaque mundial. No entanto, para a produção de sementes, alguns aspectos potenciais a perdas tradicionais, quando somados aos novos desafios, podem conduzir a qualidade das sementes a algumas frustrações. 

    Como existe dependência da genética e do clima, tudo tem que correr perfeito para a melhor responsividade da cultura. Ou seja, conta-se com o fator sorte, aliado às infraestruturas, corpo técnico especializado, além de tecnologias pós-colheita, as quais muito têm agregado ao setor sementeiro. Apesar de tantos esforços e investimentos, ano após ano, estamos sempre diante do desconhecido e complexo universo da semente, o qual atua como uma caixa de Pandora. 

    A literatura indica que a maior parte do território brasileiro encontra-se nas áreas de baixas latitudes, entre o Equador e o Trópico de Capricórnio. Por essa razão, predominam os climas quentes e úmidos, dois imbróglios para produção de sementes de soja. 

    Num passado não tão distante foi realizado um importante estudo de zoneamento para a produção de sementes de soja, sob a égide da Embrapa Soja. Não obstante, as inovações da tecnologia estão, de maneira gradual, mudando o contexto e implantações de tecnologias de resfriamento de sementes, e armazéns climatizados transformaram o impossível numa conjuntura viável e, a partir de então, a produção está tomando proporções gigantescas, tanto em áreas quanto em volumes produzidos. 

    Entretanto, dois cenários, desde há muito tempo, têm carreado as maiores dificuldades para produzir sementes de soja de qualidade: o primeiro, a alta umidade relativa do ar (orvalho e chuva) a partir de maturidade fisiológica no mercado; e o segundo, representando o inverso, períodos excessivamente secos em fases fundamentais de formação da qualidade. O que pode causar um e o outro? 

    Alta umidade propicia deterioração que cresce de forma exponencial e carrega microrganismos, principalmente os fungos. Dois são característicos de redutores de germinação em papel toalha:  Fusarium pallidoroseum (F. semitectum) e Phomópsis sp. A Embrapa Soja, desde 1980, contribui para entendimentos necessários e capacita técnicos no curso intitulado DIACOM, o qual envolve a realização conjunta dos testes de germinação, de emergência em areia, de tetrazólio e de patologia. Existe a possibilidade, através deste conjunto de testes, de diagnosticar se as sementes estão sob interferências do processo de infecção causados por fitopatógenos e, contudo, a qualidade fisiológica estar bem.


A contaminação por microrganismos e baixa umidade das sementes podem propiciar falsos resultados de germinação


     O teste de tetrazólio, além de fornecer vigor e viabilidade, ainda informa os possíveis tipos de danos que podem interferir e alterar resultados, a exemplo de danos mecânicos, deterioração por umidade e picadas de insetos. O tetrazólio não é afetado pela presença de microrganismos, diferentemente do teste de germinação que pode ser afetado e, desta forma, resultados discrepantes podem ocorrer. Geralmente, o que mais faz divergir resultados é amostra que tem Fusarium pallidoroseum e Phomopsis sp., em que o teste de envelhecimento acelerado, o vigor, resulta mais elevado do que a germinação, em razão de a temperatura elevada do teste (41°C) ser nociva aos dois fungos. 


    De outro modo, o clima seco ocasiona alguns aspectos físicos que têm impacto direto no vigor e na germinação. Entre os mais destacados estão as sementes esverdeadas, as depressões em cotilédones, sementes duras, além de provocar menor tamanho e formatos oblongos. Com clima muito seco durante as fases de produção e na pós-colheita, ou durante o armazenamento definitivo, tem se assistido uma perda  acentuada de água das sementes de soja. 

    Por que este episódio tem ocorrido? Amostras retiradas em fluxo são mais representativas que as denominadas “cangurus” (aquela amostra que fica no topo da pilha), que permanecem mais expostas e perdem água, mas de forma mais rápida em relação ao lote como um todo. No entanto, é em sementes desta amostra (canguru) que os testes são realizados. Verdade irrefutável atualmente, quando a maioria dos volumes estão sendo embalados em big-bags, prejudicando a coleta de sementes. E, após ter realizado a bateria de testes em amostras de sementes com grau de umidade abaixo de 11,0%,  novamente, surge a questão: por que a germinação ficou menor que o vigor? 

    Quanto mais baixo o grau de umidade, mais diferença poderá haver. É só pensar como é realizado o “teste de vigor” – referência do meio sementeiro ao teste de envelhecimento acelerado. As sementes são colocadas sobre telas em caixa plástica que contém água e permanecem por período que varia de 48 horas a 72 horas em condição de absorção de água de forma lenta, enquanto no processo de germinação as sementes desidratadas são colocadas diretamente no papel umedecido, fato que não favorece a reorganização do sistema de membranas no momento de embebição, propiciando anormalidades de plântulas – surge como  um estrangulamento abrupto na raiz principal e emissão de pequenas raízes na altura do dano. 

    Pode ser fácil confundir com dano mecânico obtido no teste de germinação, porém, quando realizado o pré-condicionamento da amostra em atmosfera úmida, atenua muito o resultado, e a técnica está preconizada nas Regras para Análise de Sementes (RAS, 2009), tratamento 70, p. 222. Contudo, se a amostra estiver com média de umidade abaixo de 9,0%, pode, ainda assim, depois do pré-condicionamento, o resultado de vigor ser maior que germinação, devido ao tempo de exposição à atmosfera úmida a que a semente é submetida por ocasião do teste de envelhecimento acelerado. 

    É perfeitamente factível a ocorrência das circunstâncias abordadas dentro do ano-safra. Com as nossas realidades de condições climáticas, devemos nos alertar tecnicamente às intempéries de cada ano para não ter surpresas ou deixar de ter respostas assertivas para os eventos que vêm sendo corrosivos aos cofres do setor sementeiro. E aqui vale a máxima de Kim e Mauborgne, de que é melhor enxergar a floresta toda do que apenas uma árvore.



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