A tecnologia nossa de cada dia

Edição XXII | 05 - Set . 2018

    Refletir sempre é necessário. Procurar entender como chegamos até aqui, e quais foram os fatores preponderantes, deveria ser um exercício diário de quem labuta no agronegócio. Nesse sentido, embora não seja unanimidade e muito ainda se necessite fazer, boa parte dos brasileiros já reconhecem que o agronegócio é vital para a economia e o desenvolvimento do país. Que emprega muita gente, representa um terço do produto interno bruto (PIB) e tem sustentado a balança comercial ao longo de décadas. Esses sempre são argumentos robustos em prol do setor e amplamente utilizados. Há dados indiscutíveis ao alcance de um click.

    Também é sabido que o modelo da matriz econômica brasileira, com forte alicerce no agro, é deficitário no processo de distribuição de renda, e fica longe de ser a cesta ideal  em que efetivamente devemos, ou mesmo possamos, colocar todos os ovos para tornarmo-nos um país desenvolvido. Desse modo, o país, embora referência na área, não é capaz de fazer com que seus cidadãos usufruam plenamente da merecida qualidade de vida, alcançada por outros países que definiram uma matriz diferente.

    Por outro lado, mesmo que a composição não seja a ideal, é um setor que precisa do merecido reconhecimento, mas principalmente por dois aspectos em especial, garantindo, eles por si só, a capacidade de emprestar a devida contribuição para o país, revelando-se um dos mais competitivos do planeta: o intenso desenvolvimento tecnológico, e mais recentemente, o maciço investimento na capacitação dos recursos humanos. Vamos falar primeiro das inovações tecnológicas.


    Memória histórica

    Muitas vezes os próprios atores do sistema sequer percebem ou têm a devida noção do que efetivamente os trouxe até aqui, o que é perigoso do ponto de vista estratégico. Muitos não percebem a dimensão da saga que o país protagonizou saindo de um patamar ridículo de produtividade e produção na maioria dos produtos, para um nível em que hoje somos players respeitados no jogo econômico mundial.

    Estamos falando de percentuais estratosféricos de aumento nos últimos 40 anos, como os quase 700% na produção de soja e os mais de 100% em produtividade, considerando frequentes exemplos em lavouras comerciais. Apenas para ficar no exemplo de um produto. Mas isso apenas se tornou possível em função das recorrentes e amplas inovações tecnológicas que foram decisivamente adotadas nesse período.

    Aliás, quem conhece a fundo sabe que poucos setores da economia brasileira (e provavelmente mundial) possuem tanta inovação tecnológica inserida nos seus sistemas de produção quanto o agronegócio. Especialmente a agricultura, como parte óbvia e basilar do sistema, tem se revelado um dos mais receptivos às inovações tecnológicas do planeta.

    Ocorre que inovação tecnológica eficaz não é algo simples e tampouco barata de ser incorporada ao processo produtivo. Normalmente, requer investimento alto, tanto nos aspectos financeiros propriamente ditos, quanto naqueles capazes de transformar o processo inovativo em resultados: os recursos humanos.

    Mas precisamos ser capazes de compreender os cenários e lançar mão da memória histórica para entendermos que foi exatamente essa capacidade de adotar tecnologia, que fez de nós um setor capaz de competir (não apenas concorrer) com as principais cadeias do mundo.


    A Inovação Embarcada e suas tipologias

    A produção primária vive notadamente um ambiente cercado de inovação. As mais diversas aplicações estão visíveis diariamente e não param de serem testadas. Pode-se citar as tecnologias de imagem, utilização de drones e monitoramento praticamente em tempo real a milhares de quilômetros de distância, dentre outros.

    Também não é mais novidade a utilização de máquinas cada vez mais autônomas que começam a pulular em maior ou menor intensidade pelos campos afora e, por consequência, as utilidades decorrentes. Uma tecnologia criada para determinada aplicação normalmente tem seu emprego expandido assim que o domínio sobre ela cresce. Os drones são apenas uma pequena mostra disso.

    Contudo, muita tecnologia não é prontamente visível e se encontra embarcada em sementes, fertilizantes e defensivos, por exemplo. Talvez o juízo de valor (para saber se determinada tecnologia é cara ou barata) esteja atrelado exatamente ao fato de entender e perceber quanto há de pesquisa e recursos investida nela. Além, obviamente, dos incrementos nos resultados que ela é capaz de gerar.

    Pedagogicamente, podemos dividir as inovações em ‘Inovações de Produto’, que são aquelas em que fazemos modificações nos atributos do produto, com mudança na forma como ele é percebido pelos consumidores. O desenvolvimento de marcas premium na área de sementes, o rastreamento e as garantias de prazos logísticos são exemplos dessa natureza.

    A agricultura, além da utilização interna das inovações de produtos de seus fornecedores, tem se valido reiterada e continuamente das ‘Inovações de Processo’, dado que se referem às mudanças no processo de produção do produto ou serviço. 

    Essa tipologia de inovação não gera necessariamente impacto no produto final, mas produz benefícios no processo de produção, geralmente com aumentos de produtividade, redução de custos ou de tempo de produção, o que pode ainda redundar em melhor eficiência no uso dos recursos, dentre eles os naturais, obviamente. Nessa área, são exemplos a utilização de agricultura de precisão, de drones para aplicações e monitoramento, bem como as tecnologias de redução dos ciclos das culturas.

    Por fim, encontram-se as ‘Inovações de Modelo de Negócio’, que não implicam necessariamente em mudanças no produto ou mesmo no processo de produção, mas na forma como ele é levado ao mercado. O uso das mídias sociais tem sido um grande alavancador de negócios (sim, no agronegócio também) dessa natureza. 


    Sem ela, não há futuro que agrade

    Custo ou investimento. É o começo de tudo. Isso parece conversa de quem quer vender algo, mas não é o caso. Sempre que o produtor analisar os gastos decorrentes de tecnologias ou de inovações sob a ótica de custos, terá dificuldade em perceber os benefícios; logo, estará relutante e, por consequência, corre o risco de ser alijado do processo.

    Não é necessário ser muito inteligente para entender que colocar dinheiro em tecnologia e inovação é uma questão de investimento. Adicionalmente é fator decisivo na capacidade da empresa em se manter na atividade.

    Vamos por partes. Se formos capazes de analisar a inovação sob a ótica do investimento, obviamente ficará mais simples avaliar a sua necessidade, bem como os possíveis benefícios decorrentes. Dito de outro modo, ficará mais obvio, e por consequência, mais fácil avaliar o retorno desse recurso. Notem que não estou falando de capacidade de investimento, e sim da viabilidade.

    Mas, por outro lado, é justamente ela que mantém a competitividade das organizações rurais. Mais que isso, torna competitiva a cadeia como um todo e, isso sim, é decisivo. A lógica é simples: não são produtores isolados que fazem o setor, e sim a cadeia como um todo que é capaz de se tornar competitiva frente a cadeias ou setores localizados em outros países.

    Ademais, a longevidade das tecnologias é também cada vez menor dada a rapidez com que as inovações se tornam obsoletas. Não porque elas se deterioram, mas porque outras surgem no seu lugar, melhores e mais eficientes. Desse modo, é cada vez mais fácil ficar para trás.

    Por consequência, ser competitivo significa que toda a cadeia de um determinado produto precisa ser capaz de acompanhar as inovações. Não é difícil entender que os agentes dessa cadeia (os produtores, por exemplo) são selecionados (e excluídos) sistematicamente pela elevação constante do nível de competitividade em que essa cadeia atua ou nas quais procura se inserir.

    A famosa frase de que a corrente é tão forte quanto seu elo mais fraco nunca foi tão presente, e é ela que talvez justifique exatamente nossa capacidade de enfrentar a concorrência mundo afora, pautada na indissociável necessidade de investir permanentemente em inovações tecnológicas, sempre como um investimento capaz de trazer retornos satisfatórios.


    No próximo artigo vamos falar dos investimentos na gestão, mas principalmente das pessoas.

    Até a próxima.

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