Reflexões durante a jardinagem

Edição V | 03 - Mai . 2001
James Delouche-JCDelouche@aol.com
Invenções na agricultura 
    Na semana passada, fiquei muito tempo no jardim, apreciando a beleza das flores, arbustos, árvores, juntando folhas, podando, preparando sementeiras, plantando e adubando. Cuidar do jardim é trabalhoso, porém proporciona calma e solidão para realizar reflexões. 
    Fiquei refletindo que enquanto os jardins e os cultivos vêm da natureza, são igualmente, ou até mesmo mais, um produto da invenção e intervenção humanas. Parece a mim que grande parte das atuais controvérsias com relação aos organismos geneticamente modificados (OGMs), ativismo ambiental, preservação de sistemas ecológicos e assim por diante, surgiram porque ambientalistas e ecologistas bem intencionados parecem não estar conscientes deste fato. Eu lamento muito que tenhamos usado mal e esgotado desnecessariamente o meio ambiente, sendo absolutamente essencial que aceitemos o conceito e o objetivo da sustentabilidade hoje, em um grau que seja exeqüível e razoável. Porém, também reconheço que sustentabilidade não significa não mudar e não usar. A luta por sustentabilidade da humanidade é mais antiga do que a agricultura. Historicamente, foi formulada no famoso princípio Maltusiano, no qual o crescimento da população eventualmente iria exceder o suprimento de alimentos. A inventividade e intervenção humanas, contudo, aumentaram o suprimento de alimentos, através da expansão da área cultivada, irrigação, uso de fertilizantes nitrogenados e  introdução de novas culturas e cultivares melhoradas. Duas desta invenções, que se constituíram em marcos, ocorreram há apenas cerca de 100 anos. 
    Mendel criou os princípios da ciência genética em 1860. Suas descobertas, contudo, ficaram em dormência até serem “redescobertas” em 1900. Estas descobertas e seu potencial em “criar” novas variedades de plantas e animais, em uma época em que a Origem das Espécies de Darwin estava ainda sendo intensamente debatida, deve ter criado algumas dúvidas e gerado algumas controvérsias sobre as questões científicas e morais envolvidas. Tem o homem o direito moral de controlar a evolução por meio do melhoramento científico? Qual será o resultado da substituição das cultivares bem adaptadas, tradicionais, por cultivares novas, que podem interagir com algum componente do ambiente-ecossistema? Isto soa familiar? 
    A segunda invenção agrícola que se constituiu em um marco histórico foi a conversão do nitrogênio atmosférico em um fertilizante nitrogenado utilizável.

   "O homem também é um componente do meio ambiente que precisa ser sustentado."

   "A sustentabilidade não significa ausência de mudanças que possam beneficiar a humanidade."

    No final do século 19, foi reconhecida a importância crítica do suprimento de formas utilizáveis de nitrogênio para o desenvolvimento e reprodução das plantas cultivadas. Os rendimentos das lavouras estavam diminuindo devido à exaustão do nitrogênio do solo. A ciência veio em socorro da humanidade e foi inventado o processo de conversão do nitrogênio atmosférico para a forma utilizável de amônia. Esta invenção foi vista, contudo, como uma grande vitória na luta contra a fome ou como o início da exaustão de um importante componente atmosférico, ou ainda como um grande recurso geopolítico e bélico?
    Minhas reflexões sobre as conseqüências da invenção do fertilizante nitrogenado foram estimuladas por um artigo que comentava que enquanto a descoberta da conversão do nitrogênio atmosférico em fertilizantes havia tornado possível que o homem alimentasse multidões, havia outros aspectos com conseqüências muito sérias: confecção de explosivos baratos para uso de terroristas, poluição das águas com nitrato, contribuição com o efeito estufa, etc. A história do nitrogênio constitui-se assim em um grande paradoxo: não podemos produzir alimentos suficientes sem usar muito nitrogênio, e não podemos usar muito nitrogênio sem causar poluição ou armar terroristas. Existe solução para este paradoxo? Deve existir. A inventividade humana já enfrentou desafios antes. Uma lição da história do nitrogênio é a de que para a maioria dos grandes avanços na luta por segurança alimentar existe o lado negativo - o paradoxo. É igualmente errado, contudo, opor-se à pesquisa focalizando os prejuízos e ignorando os benefícios, assim como apoiar irrestrita pesquisa e exploração focalizando somente os benefícios sem preocupar-se com os prejuízos. Deve ser buscada uma posição razoável em que os avanços sejam cuidadosos, maximizando os benefícios e minimizando os prejuízos.
    Uma outra lição que pode ser retirada da história do nitrogênio é a necessidade crítica de analisar os efeitos da invenção ou avanço em detalhe para identificar tantas conseqüências quanto possível. Devemos considerar que as conseqüências da poluição com nitrato e o efeito estufa não eram conhecidos até há apenas alguns anos atrás. As análises que precedem a exploração de um avanço da ciência ou invenção, portanto, devem não somente ser detalhadas, como também devem contemplar uma visão de futuro distante. 
    Minhas reflexões enquanto cuido do jardim não são sempre assim tão profundas ou complexas. Porém, devo fazer mais uma especulação: não seria irônico se os problemas associados com o uso abundante dos fertilizantes nitrogenados fossem solucionados, em grande parte, através da transferência do sistema de fixação do nitrogênio de leguminosas para culturas de grãos por meio de engenharia genética?
Compartilhar