Avaliação da qualidade de sementes

Edição V | 03 - Mai . 2001
Ana Dionisia da Luz Coelho Novembre-adlcnove@esalq.usp.br

    A necessidade de determinar a qualidade das sementes surgiu, na Europa, como conseqüência de problemas constatados na sua comercialização. Assim, em 1869, na Alemanha, foi organizado o primeiro laboratório de sementes e, em 1876, publicado o primeiro Manual de Análise de Sementes.

    Paralelamente, na América, procedimentos iniciais para a realização dos testes de pureza e de germinação deram origem às primeiras Regras para Análise de Sementes, em 1897. 
    Com o desenvolvimento da análise de sementes, tornou-se fundamental estabelecer e padronizar os métodos e os procedimentos; assim, em 1908, uma organização composta por analistas de sementes fundou a Associação de Analistas Oficiais de Sementes da América do Norte, atual Associação Oficial de Analistas de Sementes – AOSA, iniciando a regulamentação do comércio de sementes nos Estados Unidos e Canadá. Em 1917, foi publicada a primeira versão das Regras para Análise de Sementes dessa associação. Atualmente, a AOSA revisa periodicamente suas regras para análise, contribui para modificar as indicações destas regras e, para os procedimentos das demais análises, garante a padronização de conduta entre analistas e laboratórios e dá suporte para o estabelecimento da legislação vigente. 
    De forma similar, na Europa, foi fundada a Associação Internacional de Análise de Sementes – ISTA, em 1924. Os principais objetivos dessa associação, direcionados, principalmente, para o comércio internacional de sementes, são os de desenvolver, estabelecer e publicar procedimentos padrões para a amostragem e para a análise de sementes, promover a aplicação uniforme destes procedimentos para a avaliação de sementes, participar no desenvolvimento da pesquisa na área de tecnologia de sementes, estimular a certificação de cultivares, participar de conferências e de cursos de treinamento e manter contato com outras organizações ligadas à área de sementes. As Regras para Análise de Sementes da ISTA, publicadas e atualizadas desde 1928, são adotadas atualmente em 73 países. 
    No Brasil, as primeiras normas para análise de sementes foram publicadas em 1956. Posteriormente, em 1967, com base nas regras da ISTA e da AOSA, o Ministério da Agricultura editou as primeiras Regras para Análise de Sementes (RAS) brasileiras; foram feitas revisões e a última edição saiu em 1992. Por decisão desse órgão, a partir de 1997, as análises de sementes, para o comércio nacional e internacional, devem ser realizadas de acordo com as regras da ISTA. Para o Mercosul, também devem ser adotadas as RAS da ISTA. A elaboração das RAS conta com o apoio de segmentos das iniciativas privada e oficial, principalmente os direcionados para a pesquisa, como as universidades e instituições de pesquisa. A Associação Brasileira de Tecnologia de Sementes – ABRATES, fundada em 1970, com abrangência nacional, congrega indivíduos e organizações e tem contribuído para a publicação de trabalhos técnicos, a realização de congressos e indicado a padronização de procedimentos para análise, através de comitês técnicos. 
    Hoje, aproximadamente, 90% da produção brasileira de sementes é feita sob o Sistema de Fiscalização. Nesse sistema, o produtor de sementes assume a responsabilidade técnica da produção e a análise das sementes pode ser realizada em laboratórios credenciados, da própria empresa ou particular; as análises das fiscalizações da produção e do comércio são feitas em laboratório oficial. Existe, no país, um número significativo de laboratórios, proporcional à distribuição física das empresas produtoras de sementes. 
    As Regras para Análise de Sementes, independentemente de sua origem, contêm os procedimentos básicos exigidos para a obtenção de amostras, para os métodos de avaliação, para a interpretação e indicação de resultados de análise de lotes de sementes para a produção e o comércio. A utilização dessas regras possibilita a padronização de procedimentos entre analistas.
    As regras internacionais, em algumas situações, são inadequadas ou não travadas  em áreas tropicais ou que têm importância localizada, como, por exemplo, sementes de café, de Brachiaria brizantha e de maracujá. Nesse sentido, merecem destaque as pesquisas direcionadas para o estudo de sementes de espécies nativas, que têm possibilitado o estabelecimento de métodos para a avaliação da qualidade dessas sementes. Por outro lado, é primordial que se estabeleça um procedimento único para o comércio internacional. 
    A principal finalidade da análise de sementes é a de determinar a qualidade de um lote de sementes e, conseqüentemente, o seu valor para a semeadura. A análise é caracterizada pelo exame pormenorizado e crítico de uma amostra, com o objetivo de avaliar sua qualidade. Seus resultados são utilizados para a emissão de etiqueta, que acompanha a embalagem de sementes, para a fiscalização do comércio e a normatização da produção, para estabelecer as bases para o beneficiamento, a comercialização, o armazenamento e a distribuição das sementes. A análise, ainda, é utilizada em trabalhos de pesquisa e na identificação de problemas de qualidade e suas causas. Assim, para a obtenção de sementes com um nível de qualidade proposto, é importante manter a produção sob controle e, desta forma, a análise se constitui em instrumento imprescindível.
    No processo de produção de sementes, a análise é realizada com dois objetivos principais: atender às exigências para a comercialização das sementes e controle de qualidade da produção. Nas RAS brasileiras estão indicados os procedimentos padrões para a obtenção de amostras e para a execução dos testes de pureza física, de verificação de espécies e cultivares, o exame de sementes nocivas, de germinação, de tetrazólio, de determinação do grau de umidade, de sanidade de sementes e outros, além das tolerâncias. 
    As sementes são mantidas em unidades denominadas lotes. Como toda análise é realizada em uma amostra, sua obtenção é fundamental para que os resultados possam, efetivamente, indicar a qualidade do lote de sementes. Assim, além dos procedimentos gerais, é necessário seguir as indicações das RAS com relação aos equipamentos, a freqüência e intensidade da amostragem, a homogeneização, o peso das amostras, a embalagem e a identificação. Quando as análises objetivam o comércio internacional, a coleta de amostra tem que ser feita por pessoa credenciada (amostrador), associada ou não a um laboratório. Do lote são retiradas amostras simples, para o laboratório é enviada a amostra média e, para as análises, são obtidas as amostras de trabalho; também, é necessário manter uma amostra de arquivo. A retirada de amostras representativas, especialmente para sementes de gramíneas forrageiras tropicais, é ainda um problema, devido à quantidade de material inerte que acompanha as sementes comerciais; assim os cuidados para a obtenção de amostras dessas espécies devem ser maiores. 
    A pureza física determina a composição da amostra e a proporção em que os componentes estão presentes; a indicação das sementes fisicamente puras é expressa em porcentagem pelo peso da amostra. Nas RAS atuais, para a caracterização da semente pura considera-se apenas a espécie, a identificação de cultivares é feita em análise separada. Outras informações que podem ser obtidas a partir da análise de pureza física são: as condições de produção, a presença de sementes de plantas invasoras, inferir sobre a ocorrência de doenças, pragas e danos mecânicos, direcionar o beneficiamento, estabelecer preço das sementes, indicar causas de descarte de lotes, obter subsídios para estabelecer padrões e auxiliar na fiscalização do comércio.
    O exame de sementes silvestres nocivas indica o número de sementes dessas espécies encontradas na amostra. A relação de sementes nocivas é definida pela legislação. As principais implicações da presença dessas sementes em um lote são: impedir a sua comercialização, introduzir ou aumentar a incidência dessas espécies em áreas de produção, promover a disseminação de microrganismos e aumentar o custo na produção de grãos.
    A partir das sementes fisicamente puras, será determinada a porcentagem de germinação das sementes, que representa a quantidade de plântulas que têm condições de se estabelecer em campo sob condições favoráveis de ambiente. Esse resultado servirá de base para o cálculo da quantidade de sementes para a semeadura e também para estabelecer o valor do lote para a comercialização. Para o comércio de sementes, o resultado do teste de germinação é o principal indicativo do potencial fisiológico da semente. 
    Nas RAS, os procedimentos indicados no teste de tetrazólio permitem determinar a viabilidade das sementes de uma amostra. Embora as condições para a realização desse teste estejam estipuladas nas regras, a sua utilização, para a comercialização de sementes, é restrita. A principal vantagem desse teste é a rapidez de execução e obtenção de resultados, o que confere agilidade às decisões tomadas no processo produtivo. Apesar das vantagens verificadas na sua utilização, não deve ser considerado como um substituto para o teste de germinação, pois os seus resultados não caracterizam as anormalidades e outros distúrbios das plântulas, a presença de microrganismos e a dormência das sementes. 
    Amostras de sementes podem ser submetidas à análise de identificação de cultivares para determinar a identidade do cultivar e o grau de pureza genética de um determinado lote. A identificação de espécies e de cultivares é necessária, pois com a multiplicação das sementes podem ocorrer polinização indesejada, mistura mecânica, identificação incorreta de embalagens e outros eventos capazes de comprometer a identidade da semente desenvolvida pelo melhorista. É um parâmetro indicado pelo número de sementes por peso da amostra. Os testes disponíveis apresentam limitações, pois detectam a presença de mistura mas não as identificam. Esse problema decorre, principalmente, do lançamento de cultivares que apresentam características muito semelhantes. Essa análise deverá ganhar maior destaque com o lançamento de cultivares melhorados através da biotecnologia e o uso de sementes transgênicas, o que torna primordial o estabelecimento de testes que identifiquem esses materiais. 
    Durante a produção, geralmente, o controle do teor de água das sementes começa a ser realizado na fase de colheita. É em função do grau de umidade das sementes que se define o momento da colheita, a regulagem de máquinas, a necessidade de secagem, o tipo de embalagem e a manutenção da qualidade das sementes durante o beneficiamento, o armazenamento e a comercialização. O método utilizado para a determinação do teor de água das sementes (estufa a 105 ± 3°C), pela maioria dos laboratórios nacionais, não é indicado pelas regras internacionais. As recomendações destas regras prevêem a moagem da amostra, em função do teor de água das sementes e da espécie. 
    A análise de sanidade permite identificar e quantificar os microrganismos associados às sementes – os fungos representam o maior grupo, seguido pelo das bactérias e, em menor proporção, pelo dos vírus e dos nematóides. Esses microrganismos podem ser transportados aderidos à superfície da semente, no seu interior ou como parte do “material inerte” (em fragmentos vegetais, sementes de plantas invasoras, partículas do solo). A semente desempenha papel muito importante para a sobrevivência de patógenos. A avaliação sanitária possibilita a identificação  de problemas ocorridos durante as fases de campo e de armazenamento, estabelecer métodos de controle, fornecer subsídios para a fixação de padrões e a fiscalização do comércio. Existe um número reduzido de laboratórios nacionais para a realização dessa análise e nem todos estão credenciados. Uma das maiores dificuldades é o estabelecimento de padrões. 
    Os resultados das análises realizadas para o comércio de sementes devem ser indicados em boletins (certificados) específicos. Para o comércio internacional, a ISTA emite os Certificados Laranja e Verde, ambos para lote de sementes, e o Azul, para amostra de sementes. Para o Mercosul, a Instrução Normativa n° 7 (02/02/2001) estabeleceu, para a análise de lotes, o certificado de cor amarela e, para a de amostras, cor rosa. Os dados devem atender aos padrões de laboratório, que estipulam os valores, mínimos ou máximos, admissíveis para as diferentes características das sementes de um lote (Tabela 3). Nos sistemas brasileiros de produção de sementes, os padrões nacionais são definidos pelo Ministério da Agricultura e, os regionais, pelas Entidades Certificadoras e/ou Fiscalizadoras com o auxílio das Comissões Estaduais de Sementes e Mudas – CESM. Os valores podem variar de acordo com a espécie, com a classe de sementes, com a região de produção e, também, com a disponibilidade de sementes em determinado ano agrícola. No estabelecimento do padrão deve-se assegurar que os níveis propostos sejam compatíveis com a tecnologia de produção e condições do meio ambiente, para serem evitados colapsos na produção e na distribuição das sementes. 
    Além das análises essenciais para a comercialização das sementes, outros testes estão disponíveis para complementar a avaliação da qualidade das sementes, cujos métodos de análise não constam nas RAS. Desta forma, as empresas produtoras de sementes têm incorporado aos seus programas de controle  de qualidade a utilização de testes de vigor. Os objetivos básicos para a realização desses testes são os de avaliar ou detectar diferenças na qualidade fisiológica de lotes com germinação semelhante, distinguir lotes de alto e de baixo vigor, dentro dos limites de porcentagem de germinação estabelecidos para a comercialização, separar lotes em diferentes níveis de vigor, de maneira proporcional ao comportamento dos mesmos quanto à emergência das plântulas em campo e o potencial de armazenamento. 
    Há grande dificuldade para entender o significado do vigor de sementes. Para facilitar a compreensão, o vigor pode ser comparado ao conceito de saúde: é difícil definir saúde e nem é possível quantificá-la. A realização de vários testes, para avaliar diferentes características da semente, possibilita a obtenção de resultados que, reunidos, permitem estimar, com relativa precisão, o potencial de desempenho de lotes de sementes. A interpretação de resultados dos testes de vigor deve ser feita de forma comparativa entre lotes de um mesmo cultivar. 
    Uma das formas mais simples para avaliar o vigor de sementes deveria ser o uso de testes que se baseiam no desempenho das plântulas (velocidade de germinação ou de emergência de plântulas, primeira contagem do teste de germinação, peso da matéria verde ou seca, crescimento de plântulas ou de suas partes e classificação de vigor de plântula), pois não há restrição quanto à espécie da semente (exceto para casos de dormência), pela facilidade de execução, não há exigência de materiais e equipamentos especiais e nem representam aumento de custo. No entanto, estes testes são pouco empregados, porque seus resultados nem sempre são eficientes para a detecção de diferenças entre os lotes. No Brasil, há indicação para o uso dos testes de peso da matéria seca e de comprimento de plântula, em milho e soja, e para classificação de vigor de plântulas em algodão, amendoim, feijão e soja. 
    Os testes de vigor mais utilizados, no momento, são os de frio e envelhecimento acelerado, especialmente em sementes de milho e de soja, respectivamente. Atualmente, a ISTA e a AOSA estão aferindo os métodos disponíveis para estes testes, com o objetivo de propor a sua padronização e inclusão nas regras. Os testes de condutividade elétrica e de lixiviação de potássio estão  sendo indicados, principalmente, para sementes de leguminosas, embora haja estudos recentes para sementes de outras espécies. Nos últimos anos, principalmente, pesquisas brasileiras têm proposto critérios diferenciais para o teste de tetrazólio para estimar o vigor de sementes. Assim, estão disponíveis as indicações para sementes de algodão, amendoim, café, cenoura, feijão, milho e soja. 
    A análise de sementes já conta com os recursos de análise de imagens, geralmente associados ao computador, que consistem, basicamente, na captura de imagens de sementes, plântulas, microrganismos ou de suas partes, por meio de câmera fotográfica, filmadora, “scanner”, raio X, com a finalidade de identificá-las, verificar sua integridade ou os materiais associados a essas estruturas. Como essas técnicas não alteram a amostra, é possivel utilizá-la para outros testes; além disso, as imagens registradas poderão ser utilizadas como auxiliares para a definição de critérios de avaliação menos subjetivos, passíveis de padronização e que, provavelmente, permitirão maior precisão nos resultados obtidos. Já estão disponíveis programas para computador que identificam sementes e podem ser utilizados nos testes de pureza física, de identificação de cultivares e de sementes silvestres ou que permitem classificar as plântulas de um teste de germinação ou o tamanho de sementes; o uso do raio X é indicado para a verificação de danos mecânicos e o estado de formação das sementes. 
    Independentemente do sistema de produção, é preciso estabelecer a qualidade das sementes. No entanto, para ser eficiente, essa avaliação depende, principalmente, da obtenção de resultados comparáveis e, desta forma, é fundamental que a análise seja realizada em amostras representativas, por analistas qualificados e utilizando métodos padronizados. A análise de sementes deve ser vista como uma atividade dinâmica, que apresente evolução constante, tanto pelo aprimoramento dos meios disponíveis para a avaliação da qualidade das sementes como pela incorporação de novos métodos.
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