Dias de Campo: O que analisar

Edição V | 02 - Mar . 2001

    Conferir se a  cerveja está gelada ou se o churrasco está no ponto, não devem ser as prioridades que o produtor deve ter no Dia de Campo, que normalmente é visto  como uma confraternização, quando na verdade, importantes observações devem ser realizadas.

    No Dia de Campo, o organizador do evento normalmente tem um produto para vender, e o produtor, por sua vez, é um comprador em potencial. 

    O vendedor quer vender e, quanto mais vender, melhor. Ocorre que nem sempre ele tem o controle de que o produto se encaixa na necessidade do comprador. Enquanto isso, este, motivado pelas aparentes vantagens do produto, quer utilizá-lo com a expectativa de auferir  lucros, mas nem sempre o produto se  adapta à sua realidade tecnológica e financeira. 

    Se esse produto for uma nova cultivar, por exemplo, o produtor deve observar não apenas o potencial produtivo deste novo material, mas ver como ele se comporta em relação a diferentes níveis tecnológicos, clima, época de semeadura, resistência a moléstias, etc. Deve verificar se  a nova cultivar se adapta às suas possibilidades de uso de tecnologia, por isso deve fazer uma série de observações: uma cultivar suscetível a doenças radiculares não pode ser cultivada em áreas com ausência de rotação de culturas; uma cultivar exigente em fertilidade não pode ser cultivada em solos com baixa ou média fertilidade; e, se a cultivar exigir baixa população, vai ser necessário possuir uma semeadeira de precisão. 

    Os avanços tecnológicos na área de novos cultivares como a resistência  a doenças e insetos, devem ser observados com muito carinho, pois envolvem dois aspectos muito importantes para o agricultor. O primeiro é obvio, pois quanto mais sadia a lavoura,  maior será a produção; e o segundo aspecto é a possibilidade da redução de aplicação de produtos químicos, os quais estão cada vez mais eficientes, entretanto, requerem época certa de aplicação na dosagem recomendada. Isso requer um acompanhamento especializado, exigindo um pouco mais do agricultor. Cultivares resistentes, desde que produzam o mesmo que as outras, devem ser as preferidas. 

    Outro comentário que gostaria de fazer é em relação à característica de uma cultivar ser  de ciclo precoce. Isso traz uma série de vantagens mercadológicas e a possibilidade de ter-se mais uma safra na mesma área de cultivo. Em geral, uma cultivar precoce produz menos, devido ao fato de ter menos tempo para enchimento do grão. Assim, o agricultor deverá considerar os benefícios e o inconveniente da produtividade menor. Especificamente em milho, gostaria de enfatizar que, às vezes, um híbrido ou variedade é tida como precoce, no entanto, leva muito tempo para secar, o que pode anular os benefícios da precocidade. 

    Considero um grande avanço o aspecto das cultivares apresentarem características qualitativas superiores (ex.: milho com mais óleo, soja com melhores óleos). Entretanto, o agricultor deverá fazer as contas, pois poderá ocorrer que na hora de vender o produto não obtenha um preço diferencial compensador. 

    Caso o produto apresentado no Dia de Campo seja um novo insumo ou uma nova tecnologia qualquer, o produtor precisa saber a relação custo/benefício que isso terá na sua lavoura. Um novo insumo ou nova tecnologia nem sempre produzem mesmos resultados para realidades diferentes. Quando a nova tecnologia requer um elevado investimento em máquinas ou equipamentos é provável que não seja uma boa  opção para um pequeno produtor, porque será  um equipamento que  ficará  ocioso por muito tempo, elevando o custo fixo da propriedade. 

    Outro aspecto a ser observado é o valor do desembolso, ou seja, o custo inicial para adoção da nova tecnologia. Para um produtor descapitalizado não se recomenda uma tecnologia cara, porque as linhas de crédito a juros acessíveis estão cada vez mais escassas e tomar dinheiro no mercado não tem sido uma boa opção para uma atividade com a rentabilidade da agricultura, como, por exemplo, podemos citar a excelente opção que representa para a região centro oeste a rotação da cultura da soja com a cultura do algodão. A rentabilidade do algodão tem sido 4 – 5 vezes superior a da soja e do milho. Ocorre, no entanto, que o custo desta lavoura em muitas regiões é superior ao valor da própria terra. Por isso, para produtores pequenos, descapitalizados e que não possuem um bom técnico na sua propriedade, talvez seja melhor realizar a rotação com milho ou arroz, mesmo sabendo que a rentabilidade será bem inferior. 

    Na verdade, o conservadorismo e a desconfiança que os produtores têm em relação às novas tecnologias tem ajudado a evitar muitos dissabores. Normalmente, o produtor não adota uma nova tecnologia em larga escala sem antes realizar o “teste de São Thomé” (ver para crer) em uma pequena  área em sua propriedade.

    Em síntese, os Dias de Campo são ótimos eventos para os produtores observarem novas tecnologias. Sua adoção, no entanto, não deve acontecer antes do produtor avaliar com profundidade os benefícios que vão ocorrer no seu próprio negócio.

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