Produção de semente genética em tempos de OGMs

Edição XXI | 03 - Mai . 2017
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br
Fabricio Becker Peske-fabricio@seednews.inf.br

    O comércio das sementes pode ser considerado a última etapa de um processo que começa com a criação e desenvolvimento de uma cultivar com atributos superiores. É através das sementes que o agricultor recebe as inovações tecnológicas advindas do melhoramento vegetal, quer seja convencional ou não, assim como a ferramenta que os obtentores utilizam para o ressarcimento de seus investimentos.

    Dependendo de como uma cultivar foi criada e desenvolvida, as sementes oriundas do processo terão maior ou menor proteção, podendo inclusive não ter nenhuma proteção.  Assim, quando uma cultivar for obtida apenas por seleção, sem envolvimento de hibridação, esta, mesmo podendo ser registrada para o comércio de sementes, de acordo com a legislação brasileira, não pode ser protegida, sendo comum em espécies utilizadas para gramados.  

    Por outro lado, no caso de uma cultivar ter sido obtida através do melhoramento vegetal convencional, ou seja, obtida do cruzamento entre duas flores de duas cultivares distintas e posterior seleção, a proteção é através da lei de proteção de cultivares (LPC), que consiste basicamente em outorgar direito de propriedade ao obtentor sobre a cultivar, por 15 anos (Brasil). Este direito, na prática, é exercido no comércio de sementes em que o obtentor da cultivar recebe um percentual do valor da semente comercializada (chamado royalty) por um produtor de sementes (que deve ser licenciado para tal pelo obtentor). Caso o agricultor decida utilizar os grãos salvos de uma cultivar protegida pela LPC como semente, não há a devida coleta do “royalty” perante o respectivo obtentor do material, quebrando o círculo virtuoso de fomento ao investimento em pesquisa e desenvolvimento.

    O direito do obtentor, no caso da LPC, começa após a obtenção dos dados de Distinguibilidade, Homogeneidade e Estabilidade (Testes de DHE), obtidos com a cultivar e submetidos para proteção no Serviço Nacional de Proteção de Cultivares (SNPC) do MAPA. Com o direito de propriedade em mãos, a empresa passa a estruturar-se para acessar o mercado de sementes e ressarcir-se de todos os investimentos realizados, após o registro da mesma no Registo Nacional de Cultivares (RNC), e após gerar os dados de Valor, Cultivo e Uso (VCU). 

    No caso de acessar o mercado através de produtores de sementes, deverá ter sementes de categoria superior para distribuição, que podem ser a categoria genética, básica ou certificada 1, no caso de o comércio ser realizado através do sistema de semente certificada. Quando o sistema de acesso ao mercado é principalmente de semente da classe não certificada, o produtor de sementes, em geral, recebe semente da categoria S1 para produzir e comercializar a categoria S2. Qualquer que seja a classe ou categoria de semente que esteja sendo comercializada, os procedimentos de produção de sementes, pelo obtentor, devem ser contemplados para atender a demanda. No texto foi incluída uma tabela para visualização da necessidade de sementes por categoria para atender uma determinada demanda de semente da categoria C2 da classe certificada.

    A proteção, no caso de organismos geneticamente modificados (OGMs), é do evento, pois o que se protege são diversos elementos e os processos com suas várias etapas para obtenção das cultivares de uma determinada espécie possuindo um determinado evento, denominadas OGM. Este processo no Brasil é patenteado. Assim, a proteção por patente vai até o grão, ou seja, caso o agricultor queira utilizar seu grão como semente de uma cultivar com evento patenteado, deverá pagar algo para o dono da patente, denominada taxa tecnológica (TT).  A patente possui validade de 20 anos e começa a contar desde o momento em que os documentos são submetidos para análise e aprovação no órgão competente (INPI). 

    Este tempo de proteção merece consideração especial, pois envolve vários processos antes que as sementes estejam disponíveis aos agricultores para sua utilização. Normalmente, uma empresa obtentora de uma patente no Brasil possui menos de dez anos para usufruir da proteção (veja tabela no texto).



    Tempo, em gerações, para as distintas etapas no processo de criação de uma cultivar e produção de semente comercial

    *Nos OGMs há necessidade de inserção via processos biotecnológicos dos eventos antes de hibridação para criação das cultivares.

    Neste artigo, será enfatizada a produção de semente genética de uma cultivar sendo lançada para comercialização.

    Necessidade de semente genética
    A avaliação do desempenho agronômico de uma cultivar é realizada em dezenas de locais por diversos anos, pois este resultado é função da carga genética da cultivar e do ambiente em que é cultivada. Para isso, sementes são necessárias, e como a cultivar ainda não possui registro para comercialização, a categoria genética é utilizada, requerendo por parte do obtentor a produção de uma quantia razoável de sementes para abastecer a demanda de pesquisa.   
    Outra necessidade de semente, principalmente da categoria genética, é para ações de promoção da cultivar que os produtores de sementes realizam em centenas de locais todos os anos. Nos últimos anos, dentre os 33 milhões de hectares cultivados com soja, por exemplo, estima-se que em torno de dez cultivares ocupavam próximos de 50% da área cultivada. Entretanto, dos mais de 200 produtores de sementes de soja, que o país possui, praticamente todos eles possuem em seu portfólio mais de 12 cultivares. Este grande número de cultivares é explicado pela necessidade de atender as diferentes regiões edafo-climáticas do país e promover os novos materiais em dias de campo e visitas técnicas. Os produtores de sementes são os principais agentes promocionais das novas e melhores cultivares.
    Uma pequena quantidade de semente genética também é necessária para a amostra viva da cultivar que se irá proteger para comercialização, com o objetivo de se verificar os atributos de distinção, homogeneidade e estabilidade que toda cultivar deve apresentar. No Brasil, esta amostra é administrada pelo SNPC, que possui um laboratório para armazenar as sementes no Cenargen (Embrapa).
    Toda cultivar possui uma tendência de utilização que vai crescendo nos primeiros anos de lançamento, atingindo um máximo para depois decrescer lentamente, até praticamente desaparecer do mercado, chamando-se isso de vida útil de uma cultivar. Em soja, até os anos 2000, era comum uma cultivar permanecer com um bom percentual de utilização por mais 10 anos. A cultivar Cristalina, por exemplo, criada e desenvolvida pelo pesquisador Francisco Terasawa, permaneceu no mercado por mais de 15 anos. Entretanto, nos últimos 10 anos, a mudança da preferência dos agricultores está sendo muito mais rápida. Por exemplo, utilizando a preferência dos cooperados da cooperativa C.Vale, que comercializa 35.000 toneladas de sementes de soja por ano, constatou-se, no ano agrícola 2006/07, que das 12 cultivares que mais vendiam semente neste ano, apenas uma se manteve em 2016/17. Isto evidencia que os agricultores estão tendo acesso a cultivares com atributos agronômicos cada vez melhores, diminuindo a vida útil das cultivares.




    Os programas de melhoramento são cada vez mais efetivos, lançando anualmente no mercado cultivares com atributos superiores, quer sejam agronômicos, industriais ou de outra natureza. Programas que não conseguem estes objetivos tendem a desaparecerem do sistema.  
    A tendência, em relação à vida útil das cultivares, faz com que os produtores de sementes acessem o mercado com quantias maiores de sementes para atender e aproveitar a demanda, enquanto esta estiver em alta. Isto significa que o obtentor deve estar preparado com sementes de categorias superiores, cuja planificação é realizada com mais de um ano de antecedência. Como isto não é ciência exata, estimativas, em geral, são sempre otimistas, de forma a não faltar semente.

    O comércio internacional e os OGMs
    No caso dos OGMs, que são exportados em grande quantidade, como é o caso de soja e milho, as sementes das cultivares ou híbridos somente são colocados à venda pelos obtentores após haver aprovação do país consumidor. Exemplo deste procedimento é o caso da soja INTACTA, cujas sementes somente foram colocadas para comercialização após a aprovação dos chineses e da comunidade europeia.




    O processo de aprovação de um OGM pode requerer anos, pois envolve, em geral, estudos de impacto ambiental, segurança alimentar e aspectos políticos de oportunidade e conveniência. Assim, o obtentor de um OGM, além dos árduos trabalhos do processo de criação e desenvolvimento dos materiais, também deve preparar-se para disponibilizar oportunamente as sementes para o agricultor, pois pode ocorrer que um material já tenha inclusive semente genética suficiente para os estágios iniciais de lançamento no mercado, enquanto que o país importador não tenha ainda aprovado o material.
    Quando isto ocorre, os inconvenientes são enormes para o obtentor, sendo principalmente: o tempo de proteção, pela lei de patente, continua a correr independente da aprovação e; a produção de semente genética deverá ser multiplicada por mais vezes, acarretando altos custos de produção, pois envolve procedimentos especiais de descontaminação e manutenção da pureza varietal (ver tabela no texto). Felizmente, a categoria de semente genética é considerada de forma diferente pelos programas nacionais de sementes em que sua qualidade fisiológica não é padronizada, assim como seu volume de produção.
    O maior atributo de qualidade da semente genética é sua pureza varietal e esta possui protocolos bem definidos para serem observados, e praticamente independem das condições climáticas. Assim, caso seja necessário produzir mais semente genética, o maior inconveniente é o aumento no custo de produção, pois envolverá mais gente para percorrer os campos de produção. 




    Mesmo sendo a pureza varietal o atributo de qualidade mais importante da semente genética, deve-se considerar que, no processo de avaliação dos atributos agronômicos da cultivar, sementes de alta qualidade fisiológica (avaliadas pelo vigor) possibilitam a maximização do potencial genético de rendimento, podendo alcançar mais de 20% quando comparado com semente não certificada. Enfatiza-se que os fitomelhoristas consideram-se bem-sucedidos quando conseguem colocar no mercado uma cultivar com potencial de rendimento 5% superior à mais produtiva do momento. 




    Algumas peculiaridades da semente genética
    Considerando o melhoramento vegetal convencional após o cruzamento inicial entre as flores, são necessárias praticamente seis gerações de autofecundação para obter-se um material com características fenotípicas estáveis e homogêneas. Assim, como são milhares de cruzamentos, cada um resultando numa semente e, esta em dezenas de sementes por geração, a demanda de análises e avaliações dos materiais produzidos é significativamente alta. Como consequência, muito material é descartado no processo, por diversos motivos (em geral por baixo desempenho), permanecendo algumas famílias de potenciais materiais no conjunto. Neste processo de purificação e avaliação dos materiais, utiliza-se o processo de seleção de indivíduos puros e representativos do DHE da cultivar para iniciar a multiplicação de semente genética de alto grau de pureza, percorrendo as pequenas parcelas ao redor de quatro a seis vezes durante o ciclo vegetativo da cultura. No final, das milhares de pequenas parcelas advindas do programa de melhoramento, apenas algumas poucas são levadas para produção de sementes genética. Entretanto, considerando que são necessárias várias gerações para produzir uma quantidade adequada de sementes com pureza das linhagens selecionadas, o trabalho é volumoso. Todo este processo é realizado anualmente.   
    A semente genética é a primeira categoria de sementes da classe certificada, sendo utilizada pelos produtores de sementes; após algumas gerações, obtém-se a semente comercial (C2 no Brasil) para colocar à venda aos agricultores. Há necessidade de multiplicar as sementes mais vezes para obter-se quantidade, evidentemente utilizando-se de processos para manter a qualidade.




    Outro aspecto da semente genética é que, no processo de multiplicação das sementes, busca-se a produção por planta e, em segundo plano, a produção por área. Assim, no caso de soja, arroz, trigo, entre outras culturas, a densidade de semeadura para produção de semente genética é geralmente inferior à utilizada para a produção de semente certificada. Esta menor densidade também favorece os processos de descontaminação dos campos de produção.
    Com exceção das sementes genéticas, no Brasil, todas as categorias devem seguir obrigações para inscrição dos campos de multiplicação, com seus respectivos mapas de produção e estar disponíveis para fiscalização.
    Já em termos de identificação das sementes, incluindo a categoria genética, é necessário conter o nome da espécie, cultivar e categoria, identificação do lote, padrão de qualidade, ano, peso, entre outros.
    Assim, no caso da categoria de semente genética, compreende-se que, devido à sua importância, não há coerência em estabelecer padrões mínimos de qualidade, pois a semente genética da cultivar deve expressar as suas características fenotípicas que representem suas caraterísticas genéticas, em especial as características monogênicas ou morfológicas. Portanto, os padrões de qualidade e pureza para a semente genética de uma cultivar não toleram qualquer variação nestas características, sendo que o padrão para “outras cultivares” é zero na semente genética, por exemplo. Porém, devido à dinâmica do mercado e pela efemeridade da vida útil de uma cultivar, a necessidade de um grande volume de produção de sementes genéticas mudou drasticamente nos últimos anos, para atender o lançamento mais contínuo de novas cultivares com uma vida útil mais curta. 


    Portanto, o fator relevante da semente genética é sua pureza e qualidade e não o seu volume produzido, o qual não deve ter valores de volumes máximos de produção estabelecidos. Os obtentores deverão se adequar a esta nova dinâmica se quiserem que suas cultivares tenham um rápido conhecimento e familiaridade pelos produtores de semente e pelos agricultores, e materializar um efetivo ganho genético em produtividade tão importante para o país.  
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