Resistência de insetos a culturas BT:

Conceitos e estratégias de manejo

Edição XXI | 03 - Mai . 2017
Renato Assis de Carvalho-renato.a.carvalho@monsanto.com
Patrick Marques Dourado-patrick.m.dourado@monsanto.com
    Uso de plantas GM para manejo de insetos pragas

    A agricultura brasileira tem se intensificado ao longo dos últimos anos, e parte importante desse processo tem sido a adoção da biotecnologia. Diversos benefícios socioambientais e econômicos têm sido gerados por meio da utilização da biotecnologia agrícola nas culturas do algodão, do milho e da soja. Dentre as biotecnologias presentes na agricultura brasileira, destacam-se a tolerância a herbicidas e resistência a insetos, uma vez que em ambientes tropicais como o Brasil o manejo eficiente de plantas daninhas e insetos pragas são partes fundamentais para se atingir bons resultados na lavoura. 
    A maior proteção das plantas contra as pragas-alvo, conferida pelo uso das plantas transgênicas resistentes a insetos, tem resultado na preservação do potencial produtivo em diferentes culturas, além de promover a racionalização do uso de inseticidas químicos, o que favorece a manutenção de inimigos naturais e, finalmente, contribui para uma agricultura mais sustentável. No Brasil, no ano agrícola de 2005/2006, foi autorizado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) o uso comercial da primeira biotecnologia de resistência de insetos na cultura do algodão. Posteriormente, diversas tecnologias em milho e soja foram aprovadas para uso comercial no Brasil. 
    Na safra 2016/17, aproximadamente 85%, 60% e 60% do milho, algodão e soja cultivados no Brasil continham, respectivamente, tecnologia de resistência a insetos. A maior parte dos eventos atualmente disponíveis no campo possui proteínas específicas para o manejo de insetos da Ordem Lepidoptera, que compõe as principais lagartas que atacam as culturas da soja, milho e algodão. Há apenas uma tecnologia comercialmente disponível para o manejo de lepidópteros e coleópteros na cultura do milho (VTPRO3), que confere proteção também contra a larva alfinete (Diabrotica spp.). As proteínas com atividade inseticida expressas nas plantas geneticamente modificadas são oriundas da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt), por isso são normalmente denominadas como ‘plantas Bt’. 

"A evolução da resistência pode ser retardada (a) se os insetos 
homozigotos resistentes (RR)  se acasalarem com os insetos 
homozigotos suscetíveis (SS) da área de refúgio; e (b) se os insetos
heterozigotos (RS) resultantes do acasalamento forem mortos 
pela dose da proteína inseticida expressa na planta Bt."



Os desafios da resistência de insetos e estratégias de manejo

    Um dos grandes desafios do uso de plantas GM expressando proteínas Bt é a evolução da resistência nas populações de insetos pragas alvo da tecnologia, devido à pressão de seleção exercida pela expressão contínua das proteínas pelas plantas Bt. A resistência de um inseto a um inseticida ou a uma proteína Bt é uma característica genética do inseto em tolerar doses que são letais para maior parte dos indivíduos que formam uma população da praga. A resistência é, portanto, uma característica genética pré-adaptativa, ou seja, insetos resistentes podem estar presentes no ambiente antes mesmo da tecnologia ser utilizada. Assim, o Manejo da Resistência de Insetos é o conjunto de medidas que visam prevenir ou retardar a seleção de indivíduos resistentes (www.irac-br.org). As principais estratégias para retardar a evolução da resistência de insetos às tecnologias Bt estão listadas a seguir.
1- Plantas de alta dose e plantio de refúgio
    Com a  crescente área de cultivos Bt, tem aumentado as preocupações sobre a evolução da resistência de insetos a essas tecnologias. Apesar de ser um dos principais desafios para o uso de culturas Bt, há evidências de que a resistência pode ser manejada com sucesso. As estratégias de manejo da resistência objetivam prevenir ou retardar a seleção de insetos resistentes no campo. A estratégia mais efetiva tem sido a combinação da alta dose (discutida em detalhes a seguir) e as áreas de refúgio. O refúgio compreende uma área onde a praga não é exposta à pressão de seleção pela proteína Bt, na qual os indivíduos suscetíveis podem sobreviver, reproduzir e acasalar-se com os indivíduos resistentes sobreviventes da área Bt (Figura no texto). Assim, os descendentes desse cruzamento serão também suscetíveis (caso a resistência seja de caráter recessivo) e manejados pela tecnologia.




    Portanto, a evolução da resistência pode ser retardada (a) se os insetos homozigotos resistentes (RR), presentes em baixa frequência, que sobrevivem na cultura Bt se acasalarem com os insetos homozigotos suscetíveis (SS) da área de refúgio; e (b) se os insetos heterozigotos (RS) resultantes do acasalamento forem mortos pela dose da proteína inseticida expressa na planta Bt. O valor da área de refúgio para a manutenção da efetividade das culturas Bt tem sido demonstrado através de diversos modelos matemáticos e experimentos de campo.
    Os baixos índices de adoção às normas estipuladas para o plantio das áreas de refúgio vêm sendo apontados como fatores determinantes para os casos de evolução da resistência a culturas Bt até o momento. Alguns casos de perda da suscetibilidade às proteínas Bt expressas em plantas já foram identificados. Os principais casos registrados no campo são: Busseola fusca a Cry1Ab em milho, na África do Sul; Spodoptera frugiperda a Cry1F em milho, em Porto Rico e Brasil; Pectinophora gossypiella a Cry1Ac em algodão, na Índia; e Diabrotica virgifera virgifera a Cry3Bb1 em milho, nos Estados Unidos.
    No Brasil, a recomendação dos especialistas em manejo de resistência de insetos pragas (GTMR/MAPA – Grupo Técnico de Manejo de Resistência do Ministério da Agricultura) para as áreas de refúgio são de, no mínimo, 10% para a cultura do milho e 20% para as culturas da soja e algodão com tecnologias Bt.

2- Combinação de diferentes modos de ação - Piramidação 
    A piramidação de genes tem sido uma das opções mais eficazes para retardar a evolução da resistência. À medida que as tecnologias de resistência a insetos evoluem, produtos mais eficazes têm sido desenvolvidos expressando duas ou mais proteínas Bt. Uma vez que expressam diferentes modos de ação contra as pragas-alvos, esses produtos são caracterizados por serem mais robustos em relação à proteção de insetos, além de possuírem maior valor do ponto de vista de Manejo de Resistência de Insetos. A combinação de diferentes proteínas inseticidas para o controle da mesma praga-alvo pode retardar drasticamente a evolução da resistência, caso os insetos não sejam capazes de desenvolver um mecanismo único de resistência às diferentes proteínas Bt. 
    Além de estudos empíricos mostrando a efetividade de tal estratégia, modelagens matemáticas têm mostrado que a piramidação é a estratégia mais efetiva para retardar a evolução da resistência. Para que o sucesso dessa estratégia seja atingido, é importante que algumas condições sejam cumpridas, como a alta mortalidade dos insetos suscetíveis causadas pelas proteínas individualmente, a ausência de resistência cruzada entre as proteínas que compõem a pirâmide, e a baixa frequência dos alelos de resistência. Uma vez que cada proteína tenha, individualmente, alta eficácia contra determinada praga-alvo, obtém-se a chamada ‘mortalidade redundante’, no sentido de que a praga-alvo, que é suscetível às duas ou mais proteínas, é controlada por mais de um modo de ação.

    Fatores que afetam a evolução da resistência às culturas Bt



1- Dominância – o que é uma planta de alta dose?
    A compreensão da base genética da resistência às proteínas Bt pode ajudar a conceber estratégias de manejo mais adequadas para retardar a evolução da resistência em populações de insetos. Um dos parâmetros mais importantes para se entender a evolução da resistência é a dominância, que é determinada pela adaptação do inseto heterozigoto em relação aos homozigotos recessivo e dominante na cultura Bt. Baseado no conceito de dominância é que surge o conceito de alta dose e baixa dose. A resistência às proteínas Bt, assim como para os inseticidas, tem sido, na maioria dos casos, de caráter recessivo a incompletamente recessivo e de herança autossômica. Plantas Bt de alta dose são, portanto, definidas como as plantas Bt capazes de controlar não somente os insetos homozigotos suscetíveis (SS), mas também controlar todos (ou quase todos) os indivíduos heterozigotos (RS). 


"No caso de uma frequência do alelo de resistência de 0,001, em uma 
população de um milhão de insetos, na qual a resistência está ligada a um 
gene, 1 indivíduo seria homozigoto resistente (RR), 1.998 heterozigotos 
(RS),  998.001 suscetíveis (SS). Portanto, os indivíduos heterozigotos 
são os principais carregadores do alelo de resistência."




2- Frequência do alelo resistente
    A frequência do alelo resistente é o elemento-chave para prever a taxa de evolução da resistência. Um alelo é cada uma das várias formas alternativas do mesmo gene. Por exemplo, um gene que determina a resistência de um inseto a uma determinada estratégia de controle pode apresentar dois alelos, de resistência e de suscetibilidade. Os organismos diploides apresentam pares de cromossomos homólogos (2n) nas suas células somáticas, contendo, assim, duas cópias do mesmo gene (dois alelos), sendo um alelo oriundo da mãe e outro do pai. Um organismo em que estas duas cópias são iguais é chamado homozigoto para esse gene. Um organismo em que o mesmo gene é representado por alelos diferentes é um heterozigoto. 
    No caso de uma frequência do alelo de resistência de 0,001, em uma população de um milhão de insetos, na qual a resistência está ligada a um gene, 1 indivíduo seria homozigoto resistente (RR), 1.998 heterozigotos (RS), podendo ser fenotipicamente resistentes ou suscetíveis, conforme a dose expressa pela planta, e 998.001 suscetíveis (SS). Portanto, os indivíduos heterozigotos são os principais carregadores do alelo de resistência e por isso a vantagem de usar plantas de alta dose (que irão controlar a maioria desses heterozigotos). 

3- Sistemas de cultivo
    Além de fatores genéticos, a resistência pode ser favorecida por várias outras causas, como o sistema de cultivo, que pode possibilitar uma maior exposição das pragas-alvo à tecnologia. A agricultura brasileira é um sistema de produção muito intenso e diversificado, com diferentes sistemas de cultivo. Devido às condições de clima tropical, é possível ter pelo menos duas épocas de cultivo de culturas na maioria das regiões agrícolas brasileiras, sendo a principal estação semeada em outubro/novembro e a segunda temporada semeada em fevereiro/março. Em áreas com sistemas de irrigação, também podem ser cultivadas durante os períodos secos do inverno. No Sul do Brasil, apesar de invernos frios, as chuvas permitem a produção de culturas durante o inverno, que por sua vez permitem que algumas espécies iniciem com maiores densidades na temporada de verão. Nesse cenário de agricultura intensiva, o não cumprimento das estratégias de Manejo de Resistência de Insetos, como a implementação das áreas de refúgio, pode levar à perda das tecnologias Bt em um curto espaço de tempo. 





    Considerações finais
    As plantas com tecnologia Bt surgiram como uma nova ferramenta no manejo de pragas na agricultura nacional e a preservação desta tecnologia é de interesse de toda a cadeia produtora. Portanto, o manejo da resistência é de responsabilidade de todos os setores envolvidos. A regulamentação de medidas de manejo, como tamanho e disposição da área de refúgio e fiscalização, podem ser realizada por diferentes setores do governo e da iniciativa privada.
    Para que qualquer programa de manejo da resistência tenha sucesso, é necessário que ocorra o treinamento das pessoas envolvidas diretamente na cadeia produtiva, principalmente de produtores, para que esses possam entender o que fazer e o porquê da necessidade de cada ação. O treinamento inclui instruções sobre áreas de refúgio, manejo integrado de pragas e como ocorre a evolução da resistência no campo. A criação de boletins técnicos, publicação de artigos em revistas técnicas locais, palestras em dias de campo e guias de instrução junto com o lote de semente Bt são maneiras efetivas de educação. Além disso, o apoio de consultores, extensionistas e empresas é imprescindível para que seja realizado o processo de difusão do correto uso da tecnologia. É importante ressaltar que um programa efetivo de manejo integrado de pragas (MIP) é a base do sucesso do manejo da resistência de insetos, cuja implementação é possível apenas com o apoio de todos os setores e grupos ligados ao agronegócio.
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