A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), em sua 270ª reunião ordinária, ocorrida em abril deste ano e com base em sua Resolução Normativa nº 16 (RN16), considerou como não transgênico o primeiro suíno com genoma editado submetido para análise da comissão.
Desenvolvido com o uso de Tecnologias Inovadoras de Melhoramento Genético (TIMPs) por meio da técnica CRISPR (Conjunto de Repetições Palindrômicas Curtas Regularmente Espaçadas; do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats), foi feita uma pequena deleção de 414 pb (pares de base de DNA) que corresponde ao local onde o vírus da Síndrome Respiratória e Reprodutiva dos Suínos (PRRS, do inglês Porcine Reproductive and Respiratory Syndrome), a qual se liga para penetrar na célula do animal. Com isso, os animais ficam imunes ao ataque do vírus causador da PRRS. A única função conhecida até hoje desta região, que foi deletada pela ferramenta CRISPR, é de ser o ponto de ligação do vírus causador da PRRS para penetrar na membrana celular, infectar a célula animal e causar a doença.
Apesar de não ser frequente a variabilidade genética para resistência a PRRS em suínos, a região que foi eliminada do DNA do suíno com genoma editado tem sido correlacionada em estudos genéticos com a resistência à doença. Esta informação pode ser utilizada em programas de melhoramento genético clássico de suínos para resistência à PRRS. Entretanto, por meio da identificação exata do ponto de entrada do vírus na célula e da eliminação direta desta porta de entrada, pode-se economizar anos de melhoramento genético convencional.
A introdução de mutações que ocorrem na diversidade genética de uma espécie tem sido a base dos programas de melhoramento genético de plantas e animais desde que Gregor Johann Mendel estabeleceu as primeiras leis da genética. A técnica CRISPR de modificação de DNA, que deu o Nobel de Química em 2020 para Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, permite que estas mutações que ocorrem ou que podem ocorrer naturalmente sejam introduzidas de forma mais direta, acelerando o desenvolvimento de variedades de plantas, animais e microrganismos com maior produtividade, resistentes a doenças e pragas, que tolerem mais as mudanças climáticas globais ou mesmo que melhorem a qualidade dos produtos agrícolas.
PRRS é relatada como uma das doenças de maior impacto econômico na suinocultura moderna em todo o mundo. Felizmente, ainda não chegou no Brasil; entretanto, já foi detectada na Argentina e no Uruguai. Sendo o Brasil o quarto maior produtor de carne suína no mundo, é estratégico que tenhamos em nosso arsenal de defesa sanitária animal inovações como esta apresentada neste artigo.
Uma legislação mais assertiva em vários países, em especial no Brasil, com a RN16 da CTNBio, tem assegurado a biossegurança, mas também permitindo que a biotecnologia seja utilizada em mais espécies e em uma maior diversidade de características de interesse. E, não menos importante, tem assegurado a participação de mais players (ex: universidades públicas e privadas, institutos de pesquisa, pequenas e médias empresas) fazendo pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), trazendo soluções rápidas para diferentes setores, diferentemente do que ocorreu com os transgênicos na agricultura.
O suíno com genoma editado pela técnica CRISPR não foi o primeiro produto desenvolvido com o uso desta tecnologia analisado no Brasil. Em fevereiro de 2019, uma nova linhagem de tilápia, com maior produção de carne por animal, foi considerada não transgênica pela CTNBio com base na mesma RN16. A análise feita pela comissão considerou vários aspectos técnicos e de biossegurança, levando menos de um ano para emitir seu parecer.
Um paralelo pode ser feito com a liberação do salmão transgênico para consumo humano. O salmão desenvolvido para crescer mais rápido levou 25 anos para finalmente ser liberado para consumo humano nos EUA e Canadá em 2017; no Brasil, em 2021. O Brasil como líder mundial na produção de alimentos, fibras e biocombustíveis não pode prescindir do uso de metodologias de edição de genomas, como a técnica CRISPR. Entretanto, somente com alto investimento em PD&I o país poderá usufruir plenamente desta revolução tecnológica na área da genética que estamos presenciando no mundo.