Dono de uma das maiores extensões territoriais do mundo e composto por uma população rural expressiva, o Brasil de até poucas décadas atrás ainda mantinha uma posição de importador de alimentos. Foi necessário o esforço articulado de líderes de governos, dirigentes de empresas públicas e privadas, produtores primários e pesquisadores, entre tantos outros atores, para que esse quadro pudesse ser revertido.
O trabalho desse grande contingente de pessoas provou-se um acerto. Nosso país chega à atualidade como o grande celeiro do planeta, deixando o papel de comprador de alimentos para estar entre os principais exportadores. A agricultura brasileira, agora, alimenta o mundo.
Papel fundamental nesse processo desempenhou o setor sementeiro. Entre as iniciativas que proporcionaram esse crescimento na produção brasileira, esteve a criação de um plano nacional de sementes, permitindo que chegassem aos campos as inovações preconizadas pela ciência. A cada pequena semente que chegava ao campo safra após safra, acontecia uma pequena revolução.
Além das laboriosas mãos que lidam com o dia-a-dia do cultivo, foram necessários olhos que mirassem o futuro e traçassem caminhos que levariam a esse processo. Nesta edição da Revista SEEDnews, conheceremos a trajetória de cinco desses nomes que lideraram o setor sementeiro em seu papel fundamental para essa revolução na agricultura brasileira e o legado que deixaram graças à sua atuação.
O pioneirismo da semente “Todo esse crescimento começou com a semente”, define Ywao Miyamoto. Ouvir seu relato é quase como acompanhar o passo-a-passo do florescimento dessa trajetória: vindo de uma tradicional região cafeeira, o norte do Paraná, Miyamoto, conforme se define, nasceu na terra. Entretanto, atento às possibilidades trazidas por esse despertar para uma nova agricultura brasileira, acabou tomando parte em diversos capítulos que a fizeram acontecer.
Graduado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), passou a atuar além da propriedade familiar. Tomou parte da ocupação do Cerrado, na região de São Gotardo (MG). Para abastecer de sementes essa iniciativa, começou, em Mauá da Serra (PR), um plantio de sementes de soja, que viria a ser o pontapé inicial da Sementes Mauá. “Fomos a primeira empresa com instalações adequadas para semente”, conta. O pioneirismo também permitiu que a Mauá fosse a primeira com sementes certificadas no estado, além de também ter sido precursora no sistema de Plantio Direto.
No entanto, todo o conhecimento e experiência acumulados por esse pioneirismo e trabalho bem-sucedido não foram guardados para si: Miyamoto considera que a doação de tempo para o coletivo de sua classe é fundamental. “Todo o homem tem que doar parte de seu tempo e conhecimento para a sociedade”, comenta. Envolvido intensamente na articulação do setor do agronegócio, foi, por quatro mandatos, presidente da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (ABRASEM).
Enquanto esteve à frente da entidade, pautas de grande vulto contaram com a articulação da instituição. Uma delas foi a aprovação dos transgênicos para cultivo no país. Miyamoto relata que as discussões no período foram tumultuadas, tendo ele buscado o apaziguamento das diferenças para que se pudesse chegar a uma conclusão. “A introdução dos transgênicos foi um fator que permitiu o salto de produtividade no país”. No mesmo campo, foi a ABRASEM o grande espaço de negociação da cobrança dos royalties sobre essa tecnologia.
Consolidando a associação como o grande espaço de debate para o setor sementeiro, reunindo setores técnico, político e econômico, também em sua gestão foi finalizada a proposta para uma nova Lei de Sementes. Como meta estava a articulação para que fosse redigida uma proposta que contemplasse todos os envolvidos. “Conseguimos aprovar”, recorda Ywao.
Uma voz erguida pelo setor A luta pela preservação de todo o setor de sementes é uma das marcas da trajetória pessoal de Narciso Barison Neto. Além de sua dedicação de quase 50 anos à atividade de produção sementeira, especialmente à frente da APASSUL (Associação dos Produtores de Sementes do Rio Grande do Sul) e da NBN Sementes, em quase metade desse período, ele esteve dedicado a sua classe. Foi participando da APASSUL que falou em nome desse grupo no processo de aprovação dos organismos geneticamente modificados no Brasil. Barison assistiu de camarote um dos fatos que marcou o período de indecisão encampado por legisladores brasileiros enquanto não definiam os rumos a serem adotados pelo país sobre o tema dos transgênicos: pelas fronteiras de seu Rio Grande do Sul que entraram as primeiras sementes piratas contendo transgenia. Vindas da Argentina, acabaram sendo chamadas “Maradona”.
No entanto, sua decisão foi por preservar o segmento: “Seguimos produzindo sementes legais, enquanto lutávamos pelos OGM”. A luta, segundo Barison, foi muito forte, pois os produtores eram conscientes dos ganhos que iriam ter pela adoção da tecnologia em termos de conforto e segurança. “Esse processo me marcou de forma indelével”, conta. Por ter se mantido na legalidade, o grupo liderado pela APASSUL permitiu o ganho da credibilidade perante à opinião pública, o que permitiu o fortalecimento do setor para superar os obstáculos impostos: “Fizemos nosso papel”.
Seu papel à frente da associação de produtores levou-o a compor a diretoria da ABRASEM, na qualidade de vice-presidente e, depois, na presidência. Em sua opinião, é em ambientes assim que se obtém a união para os avanços: “É um espaço comum, onde se respeitam as divergências e se comungam interesses”. Pensando nessa visão, no período em que esteve à frente do grupo, foram trazidos para a associação as empresas que desenvolvem biotecnologia: “Não é possível a sobrevivência do produtor sem o obtentor, é preciso essa simbiose”.
Outro ponto alto, lembrado por Barison, foi o fortalecimento do marco regulatório do setor, composto pelas Leis de Sementes, de Proteção de Cultivares e de Biotecnologia. “Isso permitiu a quantidade de empresas investindo no Brasil que temos hoje”, pondera.
Inovação em busca da qualidade À medida em que os desejados avanços ocorriam, novos desafios se descortinavam aos produtores de sementes. Um dos principais era a busca por mais altos padrões de qualidade, de forma que fossem alcançados outros saltos de produtividade na mesma área cultivada.
Um dos nomes que presenciou essa mudança de paradigma foi Celito Missio. “Nos meus primeiros anos, minha preocupação era não ter feijão-miúdo na semente”, lembra. Após deixar seu estado natal, o Rio Grande do Sul, para rumar ao Cerrado para a implantação de um programa de sementes em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, sua primeira tentativa foi considerada insatisfatória, pelas diferenças climáticas. A solução foi buscar conhecimento: na volta de um treinamento, no qual teve contato com novas tecnologias de produção, já no ano de 1983 em Rondonópolis, fez uma semente, conta ele, que valeria hoje em dia.
Daí em diante, o empenho pela qualidade foi uma constante. Após deixar seu legado nos campos de sementes de Mato Grosso, Missio somou-se aos cunhados (Irmãos Gatto) no oeste da Bahia, onde estes já forneciam sementes a locais próximos, para perseguir esse propósito. Assim nasceu a Oilema, que décadas mais tarde tornar-se-ia uma das principais empresas sementeiras do Brasil.
Para chegar a tal resultado, a palavra de ordem foi inovação. Pela primeira vez, uma empresa colocava no mercado sementes de soja com índice de germinação acima de 95%, beneficiadas e tratadas de forma industrial e com inoculação longa vida. As mudanças também chegaram ao método de venda e entrega: a logística proporcionada pela Oilema permitia a chegada da semente no momento certo na propriedade, esta que havia sido vendida não por peso, mas por número, o que permitia uma precisão na negociação e no planejamento do agricultor. Para que essa novidade fosse adotada, o relacionamento também passou a ser uma tônica: “Nosso cliente precisava saber que tinha um produto tão bom”, pondera Missio.
Essa visão se deu, segundo Celito, pois, além de produtores de sementes, ele e seus cunhados também eram produtores rurais: “Não basta fazer a melhor semente; a empresa só é completa se fizer o bem para o agricultor”. Assim, seu pensamento sempre foi o de contribuir para agricultura como um todo, o que motivou que ele se tornasse uma grande liderança do setor na região do Matopiba da qual foi fundador da Associação dos Produtores de Sementes dos Estados do Matopiba (APROSEM), bem como da Associação Brasileira dos Produtores de Sementes de Soja (ABRASS). “Sempre o propósito é de ser útil”, pontua.
A tônica do trabalho coletivo De fato, as iniciativas de associação entre os atores da cadeia produtiva de sementes, provou-se mais que um simples consórcio, senão uma necessidade. “Eram – e são – muitas as dificuldades... Como iríamos brigar com elas sozinhos?”, questiona Carlos Augustin, gaúcho que há mais de 40 anos produz sementes na Serra da Petrovina (MT).
Ele conta que, quando chegou ao estado para iniciar sua produção, muitas eram as carências: de estradas e infraestrutura, mas também de financiamento e até mesmo compradores. Dessas carências, duas foram as atitudes; a primeira delas, a inovação; a segunda, a luta coletiva por melhorias.
Se quando Augustin iniciou sua trajetória profissional a movimentação de sacarias ainda era feita na cabeça, conforme conta, foi ao procurar novos processos e tecnologias que encontrou pioneirismo no uso dos pallets e das empilhadeiras na armazenagem de suas sementes. O produtor também conta que foi um dos primeiros no Mato Grosso a realizar a classificação de sementes por tamanho, além de ter adotado a contagem por unidade, em projeto em que teve a participação no desenvolvimento. “Nunca fiquei parado”, diz.
Entretanto, foi sua atuação junto às instâncias coletivas que marcou o nome de Carlos Augustin no âmbito do agronegócio. Para buscar defender os interesses da classe, sempre esteve engajado nas atividades da Associação de Produtores de Sementes do MT (Aprosmat), entidade que foi o embrião para diversas outras organizações do gênero no país e que hoje protagoniza um novo passo para a promoção da qualidade de sementes: a partir da próxima safra, toda a semente comercializada por produtores mato-grossenses associados à Aprosmat deverá ter 90% de índice de germinação. “Queremos puxar o Brasil inteiro com essa iniciativa”, declara.
Consciente também que a política poderia ser um grande indutor de melhorias, segundo suas próprias palavras, esteve à frente da criação e articulação da Frente Parlamentar da Agricultura, que, hoje, congrega entre 200 e 300 deputados e senadores que visam o bem do agronegócio nacional.
Graças a tais atuações, atualmente é assessor especial do Ministério da Agricultura e Pecuária, de onde foi indicado para ser Presidente do Conselho de Administração da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “É um orgulho grande ver que isso aconteceu em todos esses anos”, considera Augustin.