O entendimento da mistura de sementes

Edição XXVIII | 03 - Mai . 2024
Jean Carlo Possenti-jpossenti@utfpr.edu.br
   Após a ampla adoção dos defensivos químicos, ocorrida na segunda metade do Século 20, pode-se afirmar que o Plantio Direto foi o alicerce da produção agrícola em larga escala que temos atualmente. Obviamente que os recordes de produção em volume das culturas atuais também se devem ao melhoramento vegetal. 

   Sobre o Plantio Direto, é correto dizer que a técnica surgiu, obviamente, por necessidade de se fazer a conservação dos solos, mas também que, por si só, ela veio quebrando padrões ou dogmas que tínhamos como verdadeiros com relação ao cultivo do solo. Muitos foram os entusiastas que chancelaram esta técnica, até que nacionalmente fosse conhecido e adotado nas suas mais diversas adaptações possíveis.

   No século atual, o Plantio Direto de forma natural possibilitou a vertente de uma produção agrícola mais sustentável abrindo portas para o surgimento da microbiologia como aliada na defesa e desempenho das plantas, possibilidade já conhecida ainda no século passado. Nesta esteira, surge também, visando uma produção mais ambientalmente sustentada, a recomendação maciça do uso de plantas de cobertura, que já eram nossas conhecidas desde as primeiras falas e recomendações relativas ao Plantio Direto.

   Houve, de tal sorte, uma complementação da vertente conservacionista na produção agrícola das grandes culturas no Brasil, somando-se aos benefícios do Plantio Direto, uso de bioinsumos e  plantas de cobertura, numa espécie de relação ganha-ganha.

   Dentre as recomendações técnicas das plantas de cobertura, passou a ter uma maior importância a mistura de sementes de diferentes espécies ou cultivares, a fim da criação de um pool de plantas na lavoura, aumentando assim o leque de benefícios entregues pela tecnologia.

   Surgiram em primeiro momento adaptações nas máquinas semeadoras com um compartimento extra para as diferentes sementes. Juntamente a isto, ou na sua sequência, o setor produtor de sementes passou a ofertar as misturas das sementes das plantas de cobertura, que de início chamou-se e ainda é conhecido por “mix”. O setor regulador precisou então regulamentar este mercado, o que havia sido feito na antiga IN 09 de 2 de junho de 2009, atualmente revogada.

   Entretanto, a mistura das sementes ganhou na Portaria MAPA 538 de Dezembro de 2022 um capítulo com 10 artigos, deixando esta atividade mais fácil de ser entendida, realizada e fiscalizada. Todo o setor ganhou.

   Verifica-se na Portaria 538 que para realizar misturas de sementes de espécies ou cultivares diferentes cada componente precisa estar de forma individual inscrito no Registro Nacional de Cultivares (RNC). Pode ser realizada por produtor que produza todos os componentes, que irá colocar na embalagem, ou então por um reembalador, também inscrito no RENASEM e que adquira os componentes de terceiros. 

   Contudo, se um produtor de sementes produza parte e adquira o restante de terceiros, também precisa ter sua inscrição no RENASEM como “reembalador”, pois, no momento em que na embalagem haja um ou mais componentes adquiridos de terceiros, as sementes passam a ser consideradas reembaladas.

   Para que sejam misturadas, as sementes devem ser oriundas de lotes individualmente aprovados, de acordo com os seus respectivos padrões estabelecidos pelo MAPA.
Assim, o produtor ou reembalador devem garantir que constem na identificação e documento do lote de mistura das sementes os padrões mínimos nacionais de germinação ou viabilidade, a proporção dos componentes na porção de sementes puras e, também, a pureza global padrão do lote da mistura das sementes.

   A fim da identificação e emissão dos documentos do lote de mistura de sementes, podem ser utilizados os resultados dos boletins originais, os quais sustentaram a aprovação dos lotes individuais ou, então, o boletim de análise do lote da mistura. Mas quando a mistura for realizada por reembalador, que adquire as sementes de terceiros, este deverá analisar os componentes da mistura de forma separada ou optar por realizar amostragem e análise do lote após a mistura dos componentes.

   Em caso de o lote conter sementes de difícil distinção entre elas ou mesmo no caso de diferentes cultivares da mesma espécie, os componentes da mistura devem ser coloridos.
Para a identificação de um lote com mistura de sementes, deve-se obedecer a ordem de preponderância das espécies e/ou cultivares contidas, em função do seu percentual na porção sementes puras, realizada por meio do teste de pureza. Quando não se discriminam as cultivares das espécies da mistura, a documentação deve conter a expressão “mistura de sementes de” seguida do nome científico ou comum das espécies. Acaso discrimine-se os cultivares, os nomes comuns ou científicos das espécies contidas na mistura, devem ser acompanhados das suas respectivas denominações de cultivares. Quando a mistura for de lotes de diferentes cultivares de uma mesma espécie, a identificação deverá trazer “mistura de cultivares”, seguida do nome comum ou científico da espécie, obviamente acompanhado das denominações das cultivares usadas.

   Para realizar reanálise com a finalidade de reavaliação do prazo de validade do teste de germinação ou se for o caso de viabilidade, aquele componente que tiver o menor prazo de revalidação estabelecido será o determinante para o limite do novo prazo destas características do lote.

   Importante ainda ressaltar que um lote contendo mistura de sementes, mesmo que de cultivares, não poderá ser utilizado para a reprodução, não podendo então ser objeto de implantação de campo de multiplicação de sementes.

   Obviamente que lotes de misturas de sementes deverão possuir toda a documentação pertinente além do boletim de análise, que são o certificado de sementes, em caso de sementes certificadas, termo de conformidade para as sementes não certificadas ou, ainda se for o caso, o termo aditivo.

   Temos vários exemplos práticos na atividade sementeira que a legislação aplicada está sempre sujeita a atualizações em função da evolução tecnológica que ocorre. Os setores regulado e regulador necessitam sempre trilhar caminhos no mesmo azimute.
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