As inovações na agricultura são essenciais para atender à crescente demanda por alimentos decorrente do aumento na população global. Associadas a isso, as mudanças climáticas globais apontam para um cenário em que a ocorrência de condições climáticas adversas, como episódios de temperaturas extremas, secas e alagamentos devem ser mais frequentes, trazendo consequências graves para a agricultura.
Dentre esses estresses abióticos, a seca é o que tem chamado maior atenção, uma vez que este é um problema atual e recorrente na agricultura. Em dados publicados pela Embrapa em 2023, na grande seca que tivemos recentemente no sul do Brasil, na safra 2021/22, foram deixados de colher nos três estados do Sul somados ao Mato Grosso do Sul mais de 15 bilhões de dólares somente na cultura da soja.
Entre as estratégias para o enfrentamento da seca na agricultura, está o uso de genótipos mais tolerantes. Embora não seja possível desenvolver uma planta que produza na ausência de água, algumas ferramentas genéticas podem ser utilizadas para torná-las mais resilientes à falta de água, de forma que tolerem melhor períodos de escassez hídrica.
Na Embrapa Soja, pesquisadores vêm desenvolvendo estudos de longa data em parceria com o Jircas (Japan International Research Center for Agricultural Sciences, em livre tradução, Centro Internacional de Pesquisas para Ciências Agrárias do Japão), visando o desenvolvimento de plantas de soja tolerantes à seca. A estratégia é baseada na inserção de genes regulatórios, chamados fatores de transcrição, que controlam a expressão de um grande número de genes. É possível, dessa forma, obter indivíduos mais adaptados a esses estresses e que possam ser utilizados no desenvolvimento de linhagens com características complexas de tolerância a estresses abióticos.
Apesar de o processo de obtenção de plantas transgênicas com tolerância à seca ser de grande complexidade, sementes de milho geneticamente modificadas (GM) com tal propósito, como o evento Genuity® DroughtGard® (desenvolvidos pela Monsanto, atualmente Bayer), já são comercializadas no mercado norte-americano. No Brasil, a soja transgênica tolerante à seca, a HB4, cuja tecnologia foi desenvolvida pela empresa americana Verdeca, joint venture entre a Arcadia Biosciences e Bioceres Crop Solutions, foi aprovada pela CTNBio em 2019 e está sendo desenvolvida no Brasil pela Tropical Melhoramento & Genética (TMG), que também foi a responsável pela desregulamentação da tecnologia no País.
Por meio de melhoramento genético clássico também foi possível obter variedades que apresentam melhor estabilidade de produção mesmo sob condições climáticas adversas. Recentemente, a empresa Corteva anunciou no mercado a tecnologia Optimum AQUAmax, híbridos de milho que, sob de déficit hídrico, apresentam produtividade maior que outros produtos. Essa tecnologia foi desenvolvida por meio de melhoramento genético clássico e já vem sendo utilizada nos Estados Unidos.
Tecnologias surgidas na revolução tecnológica que vivemos, na área da genética, têm trazido ferramentas importantes para auxiliar no desenvolvimento de soluções de mitigação aos problemas advindos das mudanças climáticas na agricultura. Ferramentas como o sequenciamento genético de alta performance tem permitido, por exemplo, sequenciar o DNA e identificar todos os genes presentes em plantas, animais e microrganismos, uma ferramenta incrível para prospectar a biodiversidade brasileira. Aliada a isso, a técnica CRISPR, desenvolvida nos últimos anos, que concedeu o Prêmio Nobel de Química em 2021 a suas descobridoras, Jennifer A. Doudna e Emmanuelle Charpentier, vem permitindo que se façam alterações pontuais no genoma de espécies de interesse econômico.
Espécies de importância econômica possuem variabilidade genética para diversas características de interesse agronômico, as quais muitas vezes são difíceis de serem transmitidas para as variedades mais produtivas através do melhoramento genético clássico. A técnica CRISPR tem auxiliado os programas de melhoramento de plantas a acelerar este processo. Características que às vezes levavam anos para serem transferidas podem ser agora introduzidas de forma mais rápida e precisa em variedades comerciais modernas de alta produtividade.
A aplicação de CRISPR no desenvolvimento de plantas mais tolerantes a estresses abióticos já faz parte da estratégia de diversas empresas de melhoramento de plantas. Estudos recentes publicados por pesquisadores da Corteva mostraram que foi possível melhorar a tolerância à seca em milho a partir da edição do gene ARGOS8, um inibidor da resposta ao etileno, que normalmente é expresso em baixas quantidades. A estratégia de edição do genoma de milho via CRISPR, por recombinação homóloga, foi utilizada para aumentar a expressão desse gene. Como resultado, as linhagens desenvolvidas sobreviveram mais e apresentaram maior produtividade em condições de seca.
Na cultura da soja, pesquisadores da Embrapa Soja modificaram genes da própria espécie visando obter uma soja editada com tolerância à seca, a qual passou pela avaliação da CTNBio e foi considerada como não OGM (não transgênica). Agora essa soja poderá ser testada no campo, a fim de comprovar a efetividade da característica introduzida. Essa mesma estratégia foi adotada pela empresa GDM, que também desenvolveu uma soja editada par tal característica.
Esses exemplos mostram como as ferramentas biotecnológicas podem contribuir para permitir que culturas importantes para a agricultura brasileira passem a tolerar melhor problemas advindos das mudanças climáticas globais, gerando soluções e agregação de valor para a agricultura nacional.