Marketing e as sementes de plantas de cobertura

Edição XXVIII | 01 - Jan . 2024
Jean Carlo Possenti-jpossenti@utfpr.edu.br
   É importante para quem atua no agronegócio, independentemente de sua atividade, um mínimo conhecimento dos conceitos de marketing. Todos eles. Marketing deve ser feito todos os dias e, para tal, precisa ser entendido. Principalmente no agronegócio. Caso o agronegócio brasileiro tivesse, desde os idos dos anos 1980 e 1990, quando ainda éramos importadores de carne e outras commodities alimentares, investido um pouco mais em marketing, atualmente, com certeza, sofreria menos ataques infundados por toda a sorte de críticos.

   A indústria sementeira, de modo geral, vive às voltas com o fantasma das sementes ilegais e das sementes salvas, pois, dependendo da cultura, estas ocupam importante fatia no mercado, diminuindo, assim, a taxa de utilização de sementes (TUS). 

   Se, por um lado, a prática de salvar sementes foi o que propiciou o desenvolvimento da agricultura para a humanidade, em tempos atuais, é danosa para a indústria sementeira (melhoramento e produção) e para a própria qualidade e para os preços dos alimentos produzidos.

   A prática de salvar sementes está alicerçada nos usos e costumes dos agricultores brasileiros. Em algumas culturas, como espécies de forrageiras temperadas e plantas de cobertura, por exemplo, embora escassos, os números não revelam perspectivas animadoras para investimentos de obtentores privados e, da mesma forma, para produtores de sementes.

   Soma-se a isto a possibilidade legal de multiplicação de sementes nas categorias S1 e S2, sem a necessidade de comprovação genética do material de reprodução. Embora seja necessário e importante para muitas espécies, concorre para que haja a multiplicação indefinida de cultivares conhecidas como “comuns”.

   A Portaria MAPA 538, de 20/12/2022, trouxe de forma mais clara o regramento para a prática de salvar sementes de forma legal. Ocorre, entretanto, que as sementes que são multiplicadas fora do sistema legal, muito embora gerem penalidades previstas para tal prática, ainda continuam a ser ofertadas no mercado. Sementes de espécies forrageiras temperadas e as chamadas plantas de cobertura ou adubação verde frequentemente trocam de mão no mercado, como grão comercial.

   A título de exemplo, para as espécies como as crotalárias, ervilhacas e nabo forrageiro, ocorre a falta de sementes certificadas para suprir a necessidade do mercado, como também a grande erosão genética, fruto do salvamento das sementes e multiplicação sem observar inspeções de campo e controle de gerações. Estes são apenas alguns exemplos de espécies. 

   Se a prática de salvar sementes ou produção de grão comercial, por um lado favorece para o agricultor a semeadura e plantio dos campos, por outro, dificulta o surgimento de novos cultivares. A atratividade do retorno financeiro de investimentos privados na obtenção de germoplasmas para posterior licenciamento fica fragilizada. 

   Desta maneira, com cultivares antigas e de baixa qualidade genética, este segmento é comprometido pela multiplicação sem o rigor do controle de gerações e sem a purificação dos materiais na produção sementes genéticas. Quem acaba perdendo mesmo é o próprio agricultor. 

   Torna-se necessário ressaltar que estamos vivendo mudanças com a adoção em larga escala de produtos fitossanitários e promotores de crescimento, com origem ou base conhecida por biológica. E nesta “cesta” de recomendação técnica, entram as espécies de plantas que são capazes de promover a chamada regeneração, como descompactar solo, produzir matéria orgânica, reciclar nutrientes, quebrar ciclos de patógenos etc.

   Porém, o mercado consumidor composto por agricultores e profissionais preocupados com estas importantes práticas, e que, diga-se de passagem, é muito exigente, vê-se à frente da escassez de sementes certificadas de tais espécies.

   Mas o título e o preâmbulo deste ensaio referem-se a marketing. Qual a correlação, afinal, com a produção sementeira principalmente das espécies citadas?
Quando uma empresa adota os conceitos de marketing, está orientada para o cliente. Marketing nada mais é do que uma orientação visando satisfazer as suas necessidades. E uma empresa que está orientada para o cliente busca, em primeiro lugar, conhecê-lo e saber quais são as suas exigências, procurando satisfazê-las da melhor maneira. E quando o cliente fica satisfeito, estabelece-se uma relação de troca, com o consequente retorno financeiro para empresa. 

   Os caminhos de marketing, que já são muito bem trilhados por obtentores e produtores de sementes das grandes culturas, precisam ser melhor apresentados ao setor das forrageiras temperadas e adubação verde. Principalmente agora, quando a pegada pela agricultura regenerativa e de baixo impacto ambiental está forte.

   Da parte dos obtentores e produtores de sementes, torna-se então necessário adotar os conceitos de marketing, com a segmentação desta fatia de mercado, identificando a clientela e de forma customizada e um melhor posicionamento frente à produção fora do sistema legal. 

   Dada a grande atratividade do mercado, este procedimento já é amplamente usado pelos obtentores e produtores de sementes das grandes culturas. Podemos como exemplo citar a espécie do feijão, com novos players apostando fortemente nesta fatia e que, de forma gradual, estão mudando os conceitos do agricultor no sentido de fazer a semeadura da cultura com grão comercial.

   Obtentores e produtores de sementes de espécies classificadas como plantas de cobertura devem atentar para como estão se comunicando com o mercado. Como seus clientes os enxergam? Para isto, os conceitos de marketing devem ser levados em consideração e aproveitados na sua totalidade.
 
   Ainda há de se considerar que é importante a política setorial do setor regulado, que, por meio das suas entidades representativas, devem atuar junto ao setor regulador para que o processo de revisão dos dispositivos legais, principalmente no tocante a espécies destes grupos de cultura, esteja no radar revisional e de adequação frente ao qual o mercado estiver praticando.

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