Superando a complexidade na produção de sementes de milho híbrido

Edição XXVIII | 01 - Jan . 2024
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br
Fabricio Becker Peske-fabricio@seednews.inf.br
   O milho possui fundamental função na alimentação de animais, participando com 66% da necessidade diária, além de sua importância na nossa nutrição, com vários produtos, entre outras tantas utilidades. Poderíamos escrever várias páginas sobre sua importância.

   No Brasil, são cultivados 22 milhões de hectares com milho. Em mais de 90% deles, o plantio é de materiais híbridos, que podem ser simples, triplos ou duplos. Entretanto, todos requerem técnicas especiais para produção de sementes, envolvendo linhas de macho e de fêmea, que servirão como pais na produção de híbridos.

   A grandeza do negócio
   Considerando uma densidade de semeadura de 20 kg/ha (70 mil plantas/ha), a demanda por sementes de milho híbrido no país é de 396 mil toneladas (18,8 mil ha x 0,02 t/ha). No entanto, em geral se produz ao redor de 10% a mais para haver uma margem de segurança; assim, pode-se considerar que arranjos de produção deverão ser no sentido de se obter 440 mil toneladas de sementes.

   Sendo a demanda uma vez definida, o passo seguinte é estimar a área a ser utilizada para a produção de sementes. Cabe lembrar que, para materiais híbridos, há uma área que não se colhe para sementes, sendo utilizada para a polinização (linha do macho). Esta área, dependendo do tipo de híbrido, pode variar de 25 a 50%, como, por exemplo, no caso do triplo, que normalmente é de 33%.

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   Desta maneira, como uma suposição, em uma empresa com fatia de mercado de 15% para seus híbridos de milho, a demanda será de 66 mil toneladas; considerando que todos os materiais sejam do tipo híbrido triplo, ou seja, cruzamento entre uma linha pura e um híbrido simples como mãe, a área a ser cultivada será de 66 mil toneladas / 8 t/ha, o que totaliza 8.250 ha. Considerou-se que um híbrido simples, sob irrigação, produz 12 t/ha e que, como a linha do macho ocupa 33% da área e não é colhida para semente, obtém-se a produtividade de 8 t/ha de sementes, utilizadas para o cálculo da necessidade de área para produção. 

   Caso o exemplo de produção de sementes fosse com um híbrido simples, em que ambos os pais são linha pura, a área para sementes seria bem maior, pois a produtividade de uma linha pura situa-se ao redor de 2 t/ha.

   A produção
   Pode-se considerar que as empresas, no comércio de sementes de milho híbrido, se utilizam de terceiros (cooperantes) para realizarem a produção de sementes. Isto se dá devido a algumas peculiaridades, como, principalmente:
1- necessidade de isolamento: o milho é uma planta de polinização cruzada, recomendando-se um isolamento de 200 m entre campos de produção;
2- Irrigação: o negócio de sementes de milho é superior a R$ 15 bilhões por ano, significando que uma perda de 1% na fatia de mercado seja de R$ 150 milhões, quantia essa que ninguém deseja perder por motivos que possam ser contornados; assim, todos os campos de produção de sementes de milho híbrido são conduzidos sob irrigação, utilizando-se de agricultores cooperantes.   

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   Assim, a figura do cooperante no processo de produção de milho híbrido é essencial pela disponibilidade de área com possibilidade de irrigação e o isolamento espacial entre campos de produção.

   Salienta-se que em milho, praticamente toda a produção de sementes é verticalizada, ou seja, a mesma empresa que realiza o melhoramento vegetal é a que realiza a produção e o comércio das sementes. Porém, como na produção de sementes se utilizam agricultores cooperantes, há o risco de “desvio” dos pais do híbrido a ser produzido, as empresas acabam “registrando” a linhagem utilizada na produção. O registro ocorre somente produção de sementes, em que se tem um contrato entre o cooperante e o produtor de sementes ou obtentor.

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   A relação entre o cooperante e o produtor de sementes de milho é bem mais ampla do que para outras espécies, pois contempla área de produção em vez de kg/ha para ajuste de contas, semeadura intercalada no espaço e, às vezes, no tempo, despendoamento envolvendo equipamento especial e repasse manual, colheita em espiga, entre outros aspectos.

   Em termos de semeadura, há uma relação entre o número de linhas de fêmeas e as de macho, variando de duas a quatro linhas de fêmeas para cada linha de macho. Também deve se observar a sincronização da liberação de pólen com a receptividade do estigma da fêmea, podendo requerer uma semeadura não sincronizada do macho, podendo alcançar algumas semanas.

   Por outro lado, o despendoamento é uma operação bastante crítica, em que as empresas de sementes de milho se utilizam de uma máquina especial para cortar o pendão, a qual é colocada à disposição do cooperante pelo produtor de sementes num sistema de comodato. Entretanto, mesmo assim, há necessidade de repasses manuais, pois a emissão do pendão não é simultânea em todas as plantas.

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   Merece registro que o carácter de macho-esterilidade já foi utilizado para a produção de sementes de milho híbrido, entretanto, estava ligado a doença, razão pela qual caiu em desuso. Por outro lado, há um novo mecanismo de macho-esterilidade obtido via biotecnologia, que algumas poucas empresas estão utilizando, em que não há necessidade do despendoamento da fêmea, facilitando o processo de polinização cruzada para obtenção de híbrido.

   O cooperante na produção de sementes de milho é especial e ele sabe disso, pois é disputado entre os produtores de sementes, razão pela qual, muitos se situam a mais de 200 km da sede da empresa do produtor de sementes, local em que as sementes, em espiga, são recebidas para o processo de secagem e beneficiamento.

  Tecnologia de pós-colheita
   O milho para semente é colhido em espiga com umidade entre 30 e 35%, ou seja, ao redor de seu ponto de maturidade fisiológica. Isto se deve, principalmente, às sementes estarem firmemente aderidas, entre si, na espiga, dificultando a passagem de ar entre elas para realizar a secagem natural das sementes no campo.

   Desta maneira, é normal levarem-se várias semanas para as sementes, na espiga, secarem de 30 para 13% de umidade no campo, estando, assim, sujeitas as condições adversas de clima que causarão deterioração das sementes. Salienta-se que as sementes de milho no centro da espiga são chatas por estarem aderidas umas às outras, enquanto as sementes nas extremidades da espiga são arredondadas por não estarem tão aderidas.

   Mesmo secando artificialmente as sementes em espiga, o processo de secagem requer ao redor de quatro dias para secar de 30 para 13% de umidade. A necessidade de secagem é estimada para atender 100% da produção, em que se utiliza um secador especial.

   Antes da secagem, há um processo de seleção das espigas, em que se separam as espigas atacadas por doenças e as espigas do macho que porventura tenha sido colhidas juntas. É um processo de pós-colheita, que está inovando com a utilização de máquinas selecionadoras ópticas em substituição parcial de pessoas com olhar treinado. 
As sementes, uma vez secas na espiga, são debulhadas, limpas e classificadas, principalmente quanto à largura e à espessura, sendo que algumas empresas também classificam por comprimento. Normalmente, se classifica por espessura obtendo as sementes redondas e chatas e cada uma delas em quatro larguras, envolvendo um processo minucioso para manter estas sementes segregadas. 

   Neste sentido, há um movimento entre as empresas para reduzir o número de classe de tamanho de sementes, sugerindo que sejam quatro classes, quais sejam redondas e chatas e estas em dois tamanhos cada uma. Isto evitaria o complexo trabalho de segregação das sementes no caso dos agricultores que utilizam semeadoras a vácuo (grande parte), pois para eles a forma e o tamanho não fazem diferença no processo de semeadura. A densidade de semeadura é estipulada em sementes por metro linear e não pela forma e tamanho das sementes.

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   As sementes, uma vez secas e beneficiadas, são imediatamente armazenadas em local climatizado com temperatura entre 12 e 15 °C, cujo sucesso serviu como exemplo para outras espécies principalmente para sementes de soja e algodão.

   Controle de qualidade
   As sementes de milho híbrido realmente produzem mais do que as de variedades, e o agricultor reconhece isto. Assim, se espera que a semente seja de alta qualidade, em quaisquer de seus aspectos, como genético, sanitário, físico ou fisiológico.

   Em relação ao aspecto genético, cuidados especiais são tomados para evitar a autopolinização ou a polinização por pólen estranho, da linha fêmea, sendo os principais cuidados o despendoamento da linha fêmea em várias ocasiões - em geral, três ou quatro vezes - e o isolamento do campo de produção no espaço, separados em 200 m, ou no tempo, com intervalo de 30 dias.

   Felizmente, em milho, o aspecto sanitário é minimizado pela colheita das sementes em espiga cerca do ponto de maturidade fisiológica; entretanto mesmo assim, as empresas de sementes capacitam seu pessoal ou ajustam seu equipamento para descartar as espigas que, porventura, apresentem aspectos de ataque de doenças.

   O agricultor não irá gostar de ver sementes de milho partidas ou danificadas entre suas sementes, pois, provavelmente, irá devolver a semente ou irá marcar a empresa para evitar comprar dela novamente. Neste sentido, as empresas contratam profissionais capacitados e se utilizam de equipamentos sofisticados para o beneficiamento das sementes, entre eles a mesa de gravidade e a selecionadora óptica.

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  As empresas de sementes de milho são reconhecidas por utilizarem vários processos para a obtenção e manutenção da qualidade fisiológica das sementes, sendo os principais a colheita em espiga, cerca do ponto de maturidade fisiológica, e o armazenamento em local climatizado. Inclusive, se utilizam de conhecimentos estratégicos para a produção de sementes “just in time”, ou seja, realizam a produção de sementes no verão para serem utilizadas na safrinha e produzem na safrinha para utilizar as sementes no cultivo de verão. 

   Esta semente produzida assim praticamente não apresenta deterioração pelo armazenamento, seja em campo ou em armazém.

   Também merece destaque por parte das empresas de sementes, o uso rotineiro de teste de vigor, além do teste obrigatório de germinação, para avaliação da qualidade fisiológica de seus lotes de sementes. Neste sentido, o teste de vigor, conhecido como teste de frio, é o referencial, utilizado por praticamente todas as empresas, sendo que algumas utilizam também outros testes, como o envelhecimento acelerado e o de tetrazólio. Algumas empresas também utilizam o teste de raios-x para verificação de fissuras internas na semente.

   A semente de milho híbrido é referência qualitativa para as outras espécies, tanto em termos de adoção de tecnologia para produção, como de qualidade fisiológica (germinação e vigor) e a comercialização por número, em que as sementes são normalmente disponibilizadas em embalagens contendo 60 mil unidades.

   A semente de milho híbrido é o resultado de um processo de produção que propicia uma maior produtividade de grão em relação ao milho convencional, envolvendo a parte de melhoramento vegetal e qualidade de semente. 

   Merece registro positivo a percepção de valor das sementes de milho híbrido para com as sementes de outras espécies, isto devido às técnicas de produção, colheita, beneficiamento, qualidade e comercialização, em que a estreita relação entre vigor e produtividade é primeiro detectada em sementes de milho.

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