Harmonia nem sempre é um bom sinal

Edição XXVIII | 01 - Jan . 2024
   Se você é empresário, gestor ou mesmo gerente em alguma empresa provavelmente deve ter como um dos objetivos empresariais a harmonia da equipe e o alinhamento de propósitos. Seria natural imaginar esse como o melhor dos mundos, não é? Mas não é bem assim. Também há aspectos perniciosos desse cenário.
Claro que um ambiente de trabalho onde todos se dão bem, as decisões são tomadas em consenso e as relações interpessoais são cordiais pode ser uma fonte de conforto. No entanto, essa busca constante pela harmonia nem sempre é benéfica. Na verdade, o lado ruim da harmonia nas empresas é muitas vezes negligenciado e subestimado.

   Conflito, Criatividade e Inovação
   A palavra que suscita atenção nesse ambiente é inovação. A harmonia no local de trabalho pode, paradoxalmente, levar à estagnação e à falta de novas ideias e novos projetos. Quando todos concordam o tempo todo, a diversidade de perspectivas e ideias criativas tende a ser menor.

   A criatividade muitas vezes floresce em meio ao conflito, quando diferentes pontos de vista colidem e desafiam o status quo. A falta de dissidência pode criar um ambiente onde as vozes discordantes sejam silenciadas, levando a um pensamento de grupo e à reprodução das mesmas soluções de sempre. O famoso mais do mesmo.

   Além disso, a busca constante pela harmonia pode criar uma cultura de leniência e conformidade, quando muitos têm medo de expressar opiniões impopulares. Isso normalmente é ruim, dado que as melhores ideias muitas vezes surgem justamente de opiniões discordantes.

   Nesse sentido, a segurança psicológica é fundamental, uma vez que sem um espaço seguro para a expressão de opiniões divergentes, as empresas perdem a oportunidade de inovar e se adaptar às mudanças do mercado.

   Outro problema decorrente da busca exagerada pela harmonia é a complacência. Quando todos estão satisfeitos e ninguém está disposto a desafiar o que está posto, a empresa pode cair em uma armadilha de autocontentamento ou morrer por inanição, levando a uma falta de motivação para melhorar e crescer, o que é prejudicial num ambiente de negócios competitivo.

   Desconforto e Desenvolvimento
   A falta de desconforto no ambiente de trabalho também pode ser um obstáculo para o desenvolvimento de habilidades interpessoais da própria equipe. A resolução de conflitos de forma construtiva é uma habilidade crucial que funcionários e gestores precisam desenvolver continuamente.

   Quando o conflito é evitado a todo custo em nome da harmonia, as pessoas não aprendem a lidar com desacordos de maneira produtiva. Isso pode levar a conflitos latentes e ressentimentos que, eventualmente, sendo acumulados, acabam ‘estourando’ em um determinado momento e desencadeando crises graves.

   Manter as aparências nunca é a melhor opção. Por isso, a busca pela harmonia também pode mascarar problemas organizacionais subjacentes, quando as pessoas se concentram em manter a harmonia de modo aparente, ignorando os problemas reais ou mesmo negligenciando-os. Isso, no longo prazo, pode gerar problemas insolúveis.

   O Equilíbrio, sempre ele
   Obviamente que a harmonia no ambiente de trabalho não é algo ruim. Na verdade, um ambiente de trabalho harmonioso pode aumentar a satisfação dos funcionários e melhorar a moral. No entanto, é importante encontrar um equilíbrio entre a harmonia e a capacidade de ‘manter a corda esticada’ num misto entre equilíbrio e desconforto.

   Para evitar esses efeitos negativos da busca excessiva pela harmonia, é importante que as empresas adotem algumas práticas saudáveis. Uma delas é encorajar a diversidade de perspectivas e a expressão de opiniões discordantes. As empresas podem criar um ambiente onde o conflito é visto como uma oportunidade para o crescimento e a inovação, em vez de um obstáculo para a harmonia.

   O silêncio pode ser um problema

    À propósito, todos sabem que a comunicação é a espinha dorsal do sucesso quando o tema é clima organizacional, por isso, o silêncio dos colaboradores, embora possa dar a falsa impressão de que tudo está bem, na verdade deve soar como um sinal de alerta preocupante. A ausência de questionamentos, reclamações ou sugestões deve ser interpretada como um sinal claro de desconexão com os propósitos da empresa.

   Sempre que tudo parecer muito ajustado é hora de os líderes olharem além das aparências. Os colaboradores que se abstém de expressar suas opiniões podem estar emitindo uma mensagem subliminar de que sua conexão emocional e profissional com a organização está desgastada.

   Aliás, o “pai da Administração moderna”, Peter Drucker, tinha uma frase célebre nesse sentido: o mais importante na comunicação é ouvir o que não foi dito. E parece que isso faz cada vez mais sentido.

   Por isso, o silêncio dos colaboradores deve ser interpretado como um chamado à ação. Os líderes têm a responsabilidade de criar um ambiente com segurança emocional, além de, nesses casos, sondar, compreender e abordar as causas subliminares e subjacentes a esse silêncio. Ignorar certamente nunca é a melhor opção.

   Inclusive entre sócios
   Importante lembrar que isso não se restringe apenas entre colaboradores. Na prática, diz respeito a qualquer pessoa, seja na vida pessoal, com o cônjuge, assim como na profissional, com pares, liderados ou líderes. 

   Por consequência, se estende, inclusive, aos sócios nas empresas. Muitas vezes, busca-se a harmonia na relação e procura-se erradicar os atritos ou as discordâncias. Minha experiência me mostrou que cada vez que isso ocorre é prenúncio de um grande atrito ou de uma ruptura societária.

   Portanto, em um ambiente onde o silêncio prevalece, é hora de todos observarem mais atentamente os sentimentos, dando mais atenção ao alinhamento de propósitos e a segurança psicológica além da visão de futuro. 

   Onde não há voz que revele a identidade da pluralidade, pode haver um sentimento de leniência ou de falta de expectativas. O silêncio, longe de ser tranquilidade, pode ser o prognóstico de uma tempestade organizacional iminente.

   Até a próxima!
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