O trabalho de um headhunter no agronegócio brasileiro

Edição XXVII | 03 - Mai . 2023
Thiago Bergmann Araújo-redacao@seednews.inf.br
   Em um mercado multibilionário, como o do agronegócio, forte e pujante em todo o território nacional, a tarefa de encontrar o profissional certo para determinada vaga pode ser comparada quase que literalmente à de encontrar uma agulha em um palheiro, tamanho o grau de complexidade.

   Nesse cenário, entra em ação o profissional headhunter. Ele tem a missão de prospectar o mercado em busca de pessoas capacitadas para exercer as funções necessárias nas organizações que o demanda, mas sua atuação não para por aí: muitas vezes a própria posição proposta pela empresa é também alvo de sua influência (e a empresa como um todo também).

   Colaboradores de longa data da Revista SEEDnews, os hunters Eleri Hamer e Maicon Oliveira, sócios fundadores da GOJOB Brasil, concederam uma entrevista especial, onde explicaram seu fazer, contaram alguns casos de sucesso e mostraram a importância de colocar a pessoa certa no lugar certo para o sucesso dos negócios.

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   As perguntas e respostas desta entrevista foram editadas por razão de concisão e clareza.

   SN - Para iniciarmos nossa conversa, como podemos definir o que é um headhunter?
   E - A nossa missão é encontrar a pessoa certa para o lugar certo. Acho que essa é a grande missão do hunter. Só que, atrás disso, vem um conjunto de questões que o hunter faz, que é também mapear as reais necessidades da empresa e obviamente da vaga. Não é incomum um cliente chegar para nós com a demanda de um determinado perfil de colaborador, e suas atribuições, pronto; porém, quando eu e o Maicon, baseados na nossa experiência, não apenas de hunters, mas de gestão executiva, começamos a estudar e entender o modelo da empresa, como ela trabalha, como ela está estruturada e para onde quer ir, percebemos que o perfil que o contratante procura não é o ideal. Então o primeiro passo é identificar qual é o perfil real ou ideal que esse cliente precisa. O papel do hunter não é só caçar [trocadilho com a tradução da palavra hunter, que significa ‘caçador’]. É mapear esses dados, olhar as competências necessárias e, aí sim, buscar no mercado a pessoa que se encaixe nesse perfil.

   M - Muitas vezes, em nossos contatos com os gestores, percebemos que existem alguns pontos que são incertos dentro da própria empresa. Então, acabamos sentando com esses diretores e empresários para discutir a real necessidade que eles têm para aquela posição, para depois calibrar o processo de busca dos profissionais dentro do mercado. Usamos da nossa experiência pra encontrar a pessoa certa. Calibramos lá atrás o que a empresa precisa, cruzando com a experiência que temos, de formação de pessoas e de gestão de negócios, para daí ajustar a ferramenta e nossas atividades para partir para a busca de mercado.

   E – O trabalho do hunter então é esse: não só achar a pessoa; é, antes de procurar a pessoa, conhecer a empresa, a estrutura cultural, o projeto, o perfil, do contexto e do negócio e, com isso, usando o conhecimento, a rede, as ferramentas e mecanismos, buscar a pessoa certa para o lugar certo. Outra coisa que nós fazemos é auxiliar a empresa a pensar a estrutura de remuneração e meritocracia. Se a empresa não tem contratado nos últimos anos, talvez não tenha ideia das transformações pelas quais passou o mercado e nem a ideia desses valores.

   SN - E como é esse processo de trabalho? A empresa procura os candidatos para as vagas?
   E - Normalmente começa com a empresa nos procurando. Iniciamos com uma anamnese, uma discussão inicial. Feita essa parte inicial, sugerimos uma descrição da vaga, que já pode até vir pronta, com todos os detalhes pretendidos. Depois, fazemos uma reunião com a empresa para o alinhamento dessa descrição e validação. Essa reunião é muito importante; é quando se ajustam questões que muitas vezes são subliminares, tácitas; a descrição técnica já está posta, mas discutimos coisas, como quem não contratar. Às vezes, nessa reunião, até colocamos o dedo na ferida da empresa, ao perceber lacunas na estrutura já existente. Depois disso, é feita a proposta de contratação e, uma vez esta aceita, iniciamos o processo de divulgação da vaga e a busca objetiva.

   M- Essa etapa de polimento é importante, pois é nesse momento em que o trabalho do hunter se diferencia de fato. Por que não é você publicar um anúncio e ficar esperando que as pessoas venham através dele. Nesse processo de polimento e calibragem, conseguimos entender o que a empresa está realmente buscando. Já tivemos o caso de uma empresa que nos procurou em busca de um gerente financeiro; a partir dos processos de ajuste, percebemos que não era necessário um “gerentão”, mas sim dois analistas, que acabaram resolvendo o problema de uma maneira muito mais eficiente, inclusive.

   E- Voltando para a sequência, fechada a proposta de contrato, nós vamos para o mercado. Uma das grandes sacadas de se contratar um hunter é fazer essa busca, que o Maicon chama de hunter ativo. Em uma das nossas buscas recentes, eu fiz contato com 137 gestores de empresas para sondar se conheciam alguém com o perfil, sem contar os convites específicos. Feito esse processo todo, a gente coloca as candidaturas no que chamamos de funil de recrutamento: começa com o currículo, usando inteligência artificial para perceber a aderência e o escore do candidato naquilo que a vaga pede ou exige (construímos na GOJOB uma plataforma própria para isso); depois, vem a análise quantitativa, validação de experiências; passado isso, aplicamos um teste comportamental e uma ou várias entrevistas, de onde sai um relatório pormenorizado dos candidatos que tenham, ao menos, 90% de aderência à vaga. Após esse processo, chamamos o demandante para uma reunião com a finalidade de oferecer uma devolutiva do processo seletivo, apresentando os candidatos, relatando seus perfis, alavancas estratégicas, áreas de desconforto, soft skills, dentre outros. Depois dessa devolutiva, são marcadas entrevistas com aqueles que a empresa deseja conhecer especificamente.

   M – Quero fazer um parêntese. Pode parecer que esse processo descrito seja muito complexo e demorado. Mas uma das coisas que temos como prioridade é fazer com que essas etapas sejam bastante céleres, para manter o candidato do outro lado aquecido e informado. Temos que considerar que aquela pessoa está na expectativa de receber um retorno; então nossa ferramenta foi construída para que, em cada uma dessas etapas, o candidato seja informado de que o processo está andando, do que ele precisa fazer e quais serão os próximos passos, assim como a cronologia de cada uma destas ações. Chamamos isso de hunter humanizado, vendo o candidato como ser humano, não como número. Eu mesmo já participei de processos como esse, e como é desanimador lançar um currículo e nem saber se ele chegou do outro lado, nem receber um retorno. Consideramos que essa visão tem gerado recorrência e parcerias com nossos clientes: manter o candidato aquecido e o contratante sempre muito bem informado do que está acontecendo.

   SN - Então, qual é a média de duração desse processo?
   E – O nosso processo, conforme consta no contrato, tem uma média de 45 dias. Mas ele pode ser mais rápido como também mais lento. Ao mesmo tempo em que já finalizamos todo esse ciclo em uma semana, há um processo rodando há quatro meses, por exemplo, por ser uma vaga mais difícil.

   SN - Nas entrevistas e testes, que tipos de atividades se faz com o candidato?
   M – Os processos seletivos ganham seus direcionamentos lá no momento daquela conversa com os gestores para entender a necessidade. É lá que se entende, posiciona e cria a cadeira que a empresa está querendo e também já se imaginam quais serão as competências e necessidades que aquele profissional vai precisar ter. Para cada nível da escala hierárquica, acaba se tendo um nível de profundidade para se identificar aquele candidato. As cadeiras de gestão exigem um método e um processo de seleção diferente do que um assistente administrativo, por exemplo, assim como o conjunto de competências que se precisa avaliar também é diferente em cada um desses casos. Assim, nós fazemos uso de uma série de avaliações, de comportamento, de fala e dicção, de postura corporal; também fazemos uso de ferramentas de avaliação que nos dão direcionamentos para conseguirmos comparar perfis comportamentais. Aqui cabe salientar que há linha muito tênue entre a avaliação psicológica, que precisa ser feita por um psicólogo, e a avaliação comportamental, que pode ser feita por um profissional da área de recursos humanos, que é o que fazemos. A partir disso, podemos construir um perfil profissional desse candidato, para que possa se comparar com o mapa da vaga.

   Existe um conceito que chamamos de aderência, um conceito-chave no nosso processo. Fazendo uma comparação com o futebol: sabemos que o Neymar é um jogador com uma habilidade incrível; mas o time não é composto por 11 Neymares. Ele jogando como ponta esquerda, atacando naquele espaço, tem um nível de aderência gigantesco; mas é diferente se eu o colocar para jogar no gol. O Neymar é um bom futebolista? Claro! Mas ele vai desempenhar uma boa função no gol? Com certeza não. Ele pode se esforçar, aplicar sua energia, gastar seu talento ao máximo, mas ele não vai conseguir entregar resultado, vai estar subaproveitado na sua função. Por isso, precisamos perceber onde esse profissional tem maior aderência ou se tem a aderência necessária. Já tivemos casos de encontrar um profissional que muito acima do que se precisava para uma posição; estrategicamente, se entendeu que, se colocado em uma função em que ele tinha muito mais do que ele teria que oferecer, ele geraria, posteriormente, frustração, baixa auto-estima, ficando de olho no mercado em busca de outra oportunidade.

   E – A gente usa ferramentas, testes, sim, que servem de suporte. Mas nunca o trabalho do hunter se baseia em uma única ferramenta, uma única evidência, um único aspecto. É um conjunto de informações que são reunidas para a tomada de decisão. Às vezes, uma pessoa tem uma aderência comportamental maravilhosa, mas o modelo de trabalho dele não combina com aquela empresa, com a sua cultura com a sua estratégia.

   SN – Vocês falam em avaliar soft skills, hard skills e real skills: o que seriam cada uma dessas?

   E – Soft skills são as competências comportamentais. A gente fala que a gente contrata pelas competências técnicas e demite pelas comportamentais.
Hard skills são as competências técnicas, aquelas que vão ser aprendidas em cursos, treinamentos, na própria experiência prática. Escrever bem, por exemplo, é uma competência técnica; mas chegar atrasado ao trabalho é a falta de uma soft skill, é comportamental.

   Real skills são a capacidade de entregar resultados a partir dessas competências técnicas e comportamentais. É um ponto muito importante. É avaliar também as tomadas de decisão que o profissional toma a partir das suas características.

   M – Essa última é uma informação importante para o mercado. Quando fazemos a entrevista com o gestor contratante já observamos que ele frisa muito as hard skills. As soft skills vêm, geralmente, a partir de uma triagem que nós fazemos, dos diálogos com os gestores ou seus pares. Mas a grande maioria deles nem conhece as real skills, o que os profissionais deveriam entregar; até porque muitas vezes os processos estão mal mapeados, as atribuições mal definidas, mal distribuídas, a descrição do cargo não foi pensada em consonância com a estratégia ou com a missão e visão da companhia. Então nós acabamos por identificar esses processos para poder entender o que, como, quando e onde buscar.

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    SN - O que o trabalho do hunter no agro se diferencia das demais áreas? Se diferencia muito ou o trabalho é mais ou menos o mesmo do que vemos no mercado? Que características peculiares há?
    E – É importante perceber que o agronegócio não é uma ciência. É uma grande área de aplicação das diferentes ciências. E isso faz com que a visão sistêmica do hunter no agro seja muito maior que das outras áreas. Se formos pegar a própria formação da Agronomia, é um curso pra louco (risos). Em um bom curso, se sai de uma aula de Estatística e se vai para outra de Fisiologia Animal, estudar músculo, depois para outra de Gestão, aprender sobre elasticidade de renda. Então, no agro, vejo essa grande diferença. Atuar com o agronegócio pede que se tenha intimidade com essa área, uma visão sistêmica.

    M - O agronegócio cresceu de uma forma fenomenal nos últimos anos e ainda está se acostumando com esse crescimento. Antes, quando se pensava em agro, a lembrança era daquela propriedade tradicional, do avô, do tio. Hoje, o agronegócio é um CNPJ que deve, na vírgula, entregar resultado. Então a busca incessante por resultados positivos tornou a cadeia produtiva extremamente profissionalizada. E isso exige um conjunto de competências que torne esse profissional de alto desempenho, pois, se ele não for, não conseguirá sobreviver neste mercado.

    E – Um exemplo: se você fosse contratado pra ser zootecnista gerente de pecuária, preferiria morar na fazenda ou na cidade que é próxima? Isso aconteceu para nós há pouco... Uma empresa nos pediu ajuda para achar um profissional e fizemos essa pergunta para ele. A resposta foi imediata, de morar na fazenda. E isso já contou pontos, pois, nesse caso, morar na fazenda faz a diferença no monitoramento, no controle e na entrega dos resultados.

    M – Pode parecer um detalhe pequeno, mas é um detalhe que o dono do negócio presta atenção. Então, o nosso trabalho é perceber esse tipo de informação na entrevista, pois eu e o Eleri estamos inseridos nisso e temos intimidade com o agronegócio. São detalhes que talvez não fossem percebidos por um hunter com especialidade em outras áreas.

    SN – Nossa entrevista se encaminha para o final. Deixo um espaço para colocações livres por parte de vocês.
    M – A pandemia trouxe uma realidade de uso do ambiente virtual para o processo de seleção que foi uma ajuda fantástica. Com agenda presencial, só conseguiria fazer seis entrevistas diárias, com um maior risco de o profissional não comparecer; hoje eu consigo fazer no mesmo dia até 18 entrevistas, um ganho imenso de produtividade. Por outro lado, temos um contratante que já se habitou de maneira positiva com isso. O agro sempre foi tecnológico, mas havia uma resistência muito grande quanto a esses compromissos virtuais, pois sempre houve a crença no aperto de mão firme, olhando no olho. Mesmo entrando forçosamente, o virtual foi bem aceito; mas os grandes negócios importantes permanecem sendo fechados com a entrevista presencial. O café, o encontro pra conversar, faz muito sentido quando se trata de networking; mas realmente tivemos um ganho de agilidade e um vencimento de barreiras geográficas, de horizontes para os profissionais. Agora os profissionais conseguem olhar todo o território nacional como possibilidade. Isso foi um grande ganho na área de RH, fato é que temos atuado em todo o território nacional.

   E –
Eu colocaria algo sobre o porquê de contratar um hunter: porque cada um tem uma especialidade. O produtor rural é especialista em produzir; o financeiro, em cuidar das finanças; o RH, em cuidar as pessoas. O hunter é especialista em fazer a conexão da pessoa certa com o lugar certo dentro de uma empresa. Então, ao vermos a escassez de mão-de-obra qualificada no agro, por termos crescido muito, percebemos a necessidade de muita celeridade na contratação. O hunter dá essa noção de celeridade. Falamos muito isso com o gestor: quando encontrar a pessoa certa, não fique mascando freio (risos), esperando; tem que decidir, entrevistar, tocar, pois os profissionais qualificados estão com muitas ofertas de trabalho. Quando o empresário e gestor não entende isso, atrapalha a credibilidade da empresa e a nossa também. Nesse momento, o hunter vai ajudar o gestor, sendo um especialista que cuida disso; vai dar suporte para não tomar a decisão sozinho. O produtor conhece melhor que ninguém a sua empresa, o mercado, mas talvez o olhar de alguém de fora vai mostrar coisas que não se vai perceber de dentro.

    Eleri Hammer
    Nascido em Erval Seco (RS), é engenheiro agrônomo pela Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel da Universidade Federal de Pelotas (FAEM/UFPel). Sempre interessado na área de serviços e gestão no Agronegócio, iniciou seu primeiro negócio aos 18 anos. Desde então, gradou-se novamente em Administração e fez mestrado em Agronegócio. Prestou consultoria por muitos anos para o Sebrae, onde inseriu-se no campo da Educação.

    Após estabelecer-se no Mato Grosso, entrou definitivamente para a área do ensino, sendo professor e diretor de instituição. A presença na formação de pessoas abriu um novo campo: a prospecção de profissionais. A partir de uma conversa com o futuro sócio, Maicon, em 2019 fundaram a GOJOB, espaço no qual aprofunda seu afazer de headhunter.

    Maicon Oliveira
    Mato-grossense, entrou de cabeça no agronegócio desde novo: seu pai trabalhava como empreendedor rural, e Maicon seguiu sua formação nesse caminho, a partir de um curso técnico em Agropecuária, quando pode começar a entender a área. Após essa formação itinerante, retornou a Rondonópolis (MT), onde cursou Administração.
Após experiências em controladoria e gestão, tem se dedicado a formar e encontrar pessoas para o mercado profissional, focando a carreira no desenvolvimento humano. Há três anos, conduz, juntamente com Eleri, a GOJOB Brasil.
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