O valor da água na produção de sementes

Edição XXIV | 06 - Nov . 2020
Maria de Fátima Zorato-fatima@mfzorato.com.br
   As condições da natureza estão mudando ano a ano. Isso é um fato inegável, no entanto, uma situação temporária que está sujeita a mudanças ou alterações. Aqui, uma pausa para refletir sobre condições e situações. As condições podem influenciar, porém não são imutáveis. Já as situações podem exercer um efeito, mas não são os fatores determinantes. O que acontece determina ações. As ações de hoje prescrevem o futuro da agricultura, consequentemente da produção de sementes.

   Por que esta pausa? O geógrafo Laurence C. Smith em seu livro publicado em 2010 “O mundo em 2050” traz postulados sobre as forças que vêm moldando o mundo e, no contexto encaixam as tendências de riscos aos recursos naturais, referindo-se tanto aos ativos finitos, quanto aos recursos renováveis. 

   Como o cultivo de produtos agrícolas exige água e, nos apontamentos desse estudo a utilização é de 70%, ou seja, a maior quantidade captada em rios, lagos e aquíferos é destinada à agricultura, vamos nos ater no que ser refere a molécula da vida.

   A água é um recurso circulante, seja por reciclagem constante por meio do ciclo hidrológico, repetições infinitas da chuva, escoamento, evaporação e outros. Apesar de sua infinita recirculação, existem partes do ciclo hidrológico que apontam para a redução de um recurso natural finito, de maneira especial no que diz respeito a fontes subterrâneas.

   O autor descreve trabalho realizado por hidrologistas que compararam modelos climáticos e hidrológicos com as tendências populacionais e de consumo de água de longo prazo. Como parte do estudo foram publicados três mapas coloridos que mostravam as projeções da demanda de água para 2025. Um dos mapas é bastante assustador, pois mostra os efeitos combinados das tendências climáticas e populacionais sobre as pressões de fornecimento de água à humanidade. Grande parte do mundo está em vermelho,indicando menor disponibilidade de água. O mapa sugere que em 2025, logo ali, grande parte do suprimento de água do mundo estará mudando para pior, seja por decorrência do crescimento populacional, da mudança climática ou de ambos. 

   Retornando o mundo da produção de sementes, no aqui e agora, alterações metabólicas e complexas respostas aos estresses são verificadas quando existe déficit hídrico. Diante dessa realidade, faz-se necessário entender o básico e reavivar conceitos bioquímicos e fisiológicos de estudos elucidativos.

   A água é o composto mais abundante nos organismos vivos. Dois átomos de hidrogênio e um átomo de oxigênio (H2O), constitui mais da metade de toda a matéria viva e mais de 90% do peso da maioria dos tecidos vegetais.
A água não é apenas o solvente no qual ocorrem as reações metabólicas, ela participa diretamente de muitas das reações, incluindo reações de hidrólise e de condensação. Ou seja, é importante substrato em muitas reações.

   As moléculas de água apresentam uma enorme capacidade de coesão, devido à sua polaridade, isto é, a diferença nas cargas elétricas entre uma e outra extremidade. Explicando, o oxigênio é mais eletronegativo do que o hidrogênio e tende a atrair os elétrons da ligação covalente. Essa atração resulta em uma carga parcial negativa na extremidade da molécula formada pelo oxigênio e em uma carga parcial positiva em cada hidrogênio, tornando a água polar. Em razão dessa diferença nas cargas elétricas, as moléculas de água podem aderir a superfícies carregadas, tanto positiva quanto negativa.

   A adesão de moléculas de água é também responsável pelo fenômeno biologicamente importante chamado embebição.

   Embebição significa o movimento de moléculas de água para o interior da semente, que incha em resposta a pressão desenvolvida pelo acúmulo de moléculas de água, sendo um processo essencial para a germinação da semente. É um tipo de difusão que ocorre quando a semente absorve água. Essa absorção de água inicia uma série de processos físicos, fisiológicos e bioquímicos no interior da semente, que na ausência de outro fator limitante, resulta na emergência da plântula.

   Apesar da semente conter uma miniatura de planta, o embrião, com potencial de crescer e de se desenvolver, esse desenvolvimento é suspenso pelo processo de desidratação. No estado desidratado, a semente desprende-se da planta-mãe, tornando-se unidade de dispersão e, em condições favoráveis, retoma seu crescimento.

   O embrião desidratado é um organismo complexo com grau de umidade bem variado e, dependendo das condições pode impactar fortemente no momento de semeadura. Neste sentido, o potencial hídrico de substrato, seja papel, areia ou solo pode ter implicações com o grau de umidade da semente. Uma embebição prolongada sob baixos potenciais hídricos, apresenta uma influência bastante acentuada na velocidade, sincronia e porcentagem de germinação das sementes.

   Em condição de umidade de substrato apenas para iniciar o processo, poderá ocorrer a germinação, porém, se não houver umidade suficiente para a continuidade, a semente pode sucumbir. Em contrapartida, com excesso de umidade de substrato, a semente mais desidratada pode absorver água de forma muito rápida e isso, provocar desestruturação do sistema de membrana celular, extravasar íons, açúcares e metabólitos ou ainda apresentar ruptura em seus tecidos.

   E quanto à responsividade da qualidade da semente?
   Sabe-se que sementes de mais elevado vigor, via de regra, apresentam germinação e emergência mais rápidas e uniformidade, sendo assim, capazes de suportar melhor as adversidades do ambiente. Portanto, a velocidade de emergência é influenciada pelo potencial fisiológico da semente, de modo que lotes de sementes mais vigorosos vencerão, com mais facilidade o estresse imposto por uma eventual falta de umidade ou ainda por temperaturas fora de faixa ideal da cultura.

   Comentário final
   O processo de germinação da semente pode ser afetado por diversos fatores, constituindo uma fase crítica e que necessita um conjunto de circunstâncias para que seja realizado de maneira satisfatória. A velocidade da reidratação da semente, varia entre espécies, permeabilidade de tegumento, disponibilidade hídrica de solo, temperatura, pressão hidrostática, área de contato semente/água, forças intermoleculares, composição química e condição fisiológica.  

   Sempre existe a possibilidade de ocorrer algum fator que tem o poder de afetar a transformação da semente em plântula e o desenvolvimento dessa plântula em planta e causar impacto na totalidade da vida dessa semente que seria expressar sua produtividade intrínseca.  

   De todos os recursos que a semente, a plântula ou ainda a planta necessitam para seu crescimento e funcionamento, a água é o mais abundante e, frequentemente o mais limitante. A sua escassez pode alterar todo o cenário agrícola. Qual o valor desse insumo na produção de sementes? 
Compartilhar