Acordos na área de sementes

A Criação de um Decreto

Edição XXIV | 06 - Nov . 2020
Equipe SEEDnews-seednews@seednews.inf.br
   As sementes dentro do agronegócio brasileiro possuem papel de destaque, como não poderia deixar de ser, e como negócio, o tema é regulamentado por praticamente 04 leis, a de produção e comércio, proteção de cultivares, patentes e a de biossegurança. Neste artigo iremos abordar a lei de produção e comércio, cuja regulamentação está sendo aperfeiçoada com um novo decreto. Para isso, foi utilizada entrevista com a coordenadora geral de sementes e mudas do Mapa, Virgínia Carpi. 

   O ambiente   
   O país produz anualmente mais de 3 milhões de toneladas de sementes, sendo a soja, com mais de 2,5 milhões, e o milho híbrido, perto de 250 mil, como as principais variedades. Ainda, trigo, arroz, sorgo, algodão, forrageiras, hortaliças, entre outros, apresentam boa quantidade.

   A produção das sementes envolve uma área considerável, superior a três milhões de hectares, além de tecnologias específicas, como no caso dos híbridos (utilização de dois ou mais pais), irrigação artificial (milho), colheita (equipamento e época), entre outros, requerendo assistência técnica especializada para adequada condução do processo de produção. 

   As sementes devem ser produzidas em quantidade e qualidade. No Brasil, a produção e o comércio envolve mais de 1000 produtores, sendo 700 associados a ABRASEM, que são atendidos por mais de 8000 eng. agrônomos, sendo a maioria responsáveis técnicos e uma outra parte consultores e assessores técnicos de venda.  Por outro lado, a avaliação da qualidade é realizada por mais 200 laboratórios de análise de sementes distribuídos pelo país, estimando-se em mais de 2000 análises anuais por laboratório.

   A lei de sementes visa, entre outros objetivos, proteger o agricultor no momento da aquisição, minimizando os inconvenientes de comprar uma semente de baixa qualidade (fisiológica, física, sanitária e genética). Outro aspecto a ser notado é que semente é um negócio que envolve fortes investimentos e a lei é a segurança jurídica para quem se dedica a produzir e comercializar sementes. No mundo de livre concorrência é essencial ter leis, normas, padrões, fiscalização e penalidades.   

   O Decreto de Sementes
   Em termos de dificuldade e complexidade, é mais fácil mudar um decreto sobre uma determinada lei do que a lei em si, pois o caminho do decreto vai só até a casa civil da presidência da república, enquanto uma lei tem que passar pelo congresso. Por outro lado, é preferível trabalhar num novo decreto do que realizar mudanças pontuais num já existente. Assim, Virgínia Carpi, como coordenadora geral de sementes e mudas do MAPA, montou um processo, para que no prazo de um ano, se obtivesse um novo decreto, atendendo a evolução e a dinâmica do programa de sementes no país.

   O decreto que regulamenta a lei de sementes sobre produção e comércio é o de nº 5153 de 2004, sendo que desde 2008 já se verificava que eram necessárias correções de rumo e, após numerosas tentativas, em 2019 iniciativas foram tomadas para melhorar o sistema.

   Desta maneira, Virgínia, que ocupa a coordenadoria desde 2016, montou um processo para elaboração de um novo decreto para a lei sobre produção e comércio de sementes e mudas. Primeiramente, identificou os atores da cadeia de sementes, os quais foram os agricultores, produtores de sementes, obtentores, pesquisa e governo. Assim, convidou: 1- as associações por cultivo e a CNA, entre outros, para contemplar os anseios dos agricultores; 2- ABRASEM e suas filiadas para contemplar os produtores de sementes; 3-  BRASPOV para contemplar os obtentores; 4- EMBRAPA  e instituições estaduais para representar  a pesquisa; e 5-Fiscais federais agropecuários para contemplar o governo. Também foram convidadas entidades de domínio conexo, como a Fundação Pró- Sementes, universidades, órgãos estaduais de defesa agropecuária e outros órgãos de governo.

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   Como pode ser observado, a composição dos atores revela que poderia haver conflito de interesse na elaboração do novo decreto, assim o papel da coordenadora de sementes do MAPA reveste-se de importância para contemplar todos os atores em suas reinvindicações. Assim, Virgínia teve uma tarefa “pesada” para manter as discussões profícuas em que todos se sentissem confortáveis, e isto a coordenadora conseguiu num prazo de 10 meses, realizando reuniões periódicas em diferentes regiões do país, com pauta bem específica.

   O decreto de sementes de 2004 possui 254 artigos e o atual, em vias de ser assinado pelo presidente da república, possui 188, isto revela a grandeza das mudanças. Os americanos possuem um ditado salientando que existem coisas que são “Over Regulated” (regulamentação demasiada) e este é o caso do decreto de 2004, enquanto o atual simplificou as coisas com uma linguagem clara e precisa. Várias foram as situações em que o consenso era difícil de se obter e para a pauta andar, a coordenação focou estritamente a discussão nos pontos pertinentes à Lei de Sementes e Mudas. Outra estratégia adotada foi a de contemplar temas específicos e detalhamentos operacionais em instruções normativas a serem discutidas futuramente, propiciando discussões focadas por assunto (as instruções normativas são assinadas pelo respectivo ministro).

   Algumas situações conflitantes 
   Várias foram as situações em que havia reinvindicação de um ator do SNSM (Sistema Nacional de Sementes e Mudas) que entrava em conflito com um outro(s), entre eles vamos destacar alguns:

   Semente para uso próprio – As novas cultivares possuem proteção por 15 anos, período em que os obtentores se ressarcem dos recursos investidos em pesquisa através da comercialização das sementes, recebendo um royalty por unidade comercializada. Entretanto, caso o agricultor produza sua própria semente de uma variedade protegida por lei, o referido royalty não é exercido em detrimento do obtentor. Assim, a semente para uso próprio é uma reinvindicação dos agricultores que conflita com o interesse dos obtentores e em menor escala com os desejos dos produtores de sementes. 

   Pode-se imaginar o calor das discussões. Entretanto, após horas de argumentações diversas, chegou-se a um consenso entre as partes, em que os agricultores aceitaram premissas de maior controle para área de cultivo com o uso de semente própria e os obtentores concordaram em tratar da cobrança de royalty por tal semente na legislação específica, que não é a de produção e comercialização.   

   Padrão de qualidade – Os avanços em ciência e tecnologia de sementes indicam que sementes de alta qualidade fisiológica produzem mais, acarretando que alguns obtentores estipulassem o royalty para os produtores de sementes em função da qualidade da semente acima de um determinado percentual. Entretanto, os agricultores desejavam que o percentual mínimo de germinação subisse 10 pp para as sementes de soja em especial. Também desejavam que as sementes fossem testadas quanto ao vigor.
 
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   Este pleito dos agricultores, apesar de ser reconhecidamente importante, é um tema demasiadamente específico para ser tratado no âmbito do Regulamento da Lei de Sementes e Mudas. O consenso foi deixar para incluir esta demanda em instrução normativa que trate de padrões. Atualmente já existe uma instrução normativa contemplando testes de vigor em que muitos produtores de sementes a utilizam para promoção.
   
   Auditoria – A produção e comércio de sementes é bastante regulamentada, envolvendo licenciamento de cultivares, origem da semente, inscrição de campos de produção, inspeção, estimativa de produção, beneficiamento, logística, avaliação da qualidade, entre outros itens. Há ocasiões, mesmo com pessoal preparado, que algum erro ocorra, pois a produção é realizada a céu aberto sujeita a muitas situações sem controle, assim, não conformidades podem ocorrer. 

   Desta maneira, os produtores de sementes pleitearam que ações de auditoria fossem contempladas no decreto, além da já existente fiscalização. Isto foi aceito pelos atores do sistema de sementes, considerando a complexidade para atender a legislação. A auditoria detecta o erro, enquanto para a fiscalização toda não conformidade é considerada dolo e passível de penalidade. 

   Pirataria – Este item não apresentou conflito entre os atores do SNSM, pois é realmente danoso e transmite uma mensagem que não ajuda.  Para o MAPA, semente pirata é toda aquela produzida e comercializada fora do SNSM: Sendo: a- Produtor de semente sem RENASEM, ou seja, sem o devido registro; b- Produtor de semente sem um responsável técnico (eng. agrônomo); c- Proveniente de campo não inscrito; d- Sem documentação da semente (NF, CS/TCS).

   Uma das novidades sobre pirataria é em relação as penalidades que aumentaram bastante, pois considerou-se o pirata como um produtor de sementes e como tal, a multa é elevada (até 250% do valor do produto), desencorajando o mal feito. Os produtores de sementes sabem disso.
Foco no Produto Final – Considerando a complexidade e a documentação necessária para os registros de todas as etapas do processo de produção de sementes, os produtores pleitearam que a fiscalização se concentrasse no produto terminado, ou seja, na pilha de sementes para ser comercializada. Algo similar é adotado nos EE. UU. conhecido como “True on Label” em que o produtor de sementes se responsabiliza pelos registros na etiqueta da embalagem.   

   Este pleito dos produtores de sementes não obteve sucesso, apesar de bem fundamentado, pois o mais importante é que o agricultor receba uma semente com garantia de qualidade e isto é contemplado pela fiscalização no produto final. Por outro lado, foi importante a discussão do pleito, pois revisões periódicas são necessárias para acompanhar a dinâmica do negócio de sementes, ocasiões em que o tema pode retornar. Além disso, foram incorporados conceitos que são importantes para o estabelecimento de sistemas de autocontrole, prática já comum no setor de sementes, que agora passará a ser parte dos temas normatizados.

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   Tratamento de Sementes – Os efeitos benéficos do tratamento de sementes são indiscutíveis, envolvendo aplicação de agroquímicos, produtos biológicos, estimulantes, polímeros, entre outros. Nas culturas da soja e do milho praticamente toda a semente é tratada. 

   Neste sentido, controles devem ser observados no sentido de:  dosagem e presença do produto, liberação de pó, viabilidade dos produtos biológicos, revestimento, entre outros. Desta maneira, este assunto, pela dinâmica de novos produtos e processos passíveis de serem utilizados, foi de consenso, deixado para ser contemplado em instrução normativa.

   COMENTÁRIO FINAL
   Merece reconhecimento da sociedade os acordos alcançados pela coordenação geral de sementes e mudas do MAPA, liderados por Virgínia Carpi, que reunindo os atores do SNSM, conseguiu montar um novo decreto de sementes. 

   O decreto está mais enxuto, reduziu em mais de 20% os artigos do decreto anterior, simplificando-os numa linguagem clara, concisa e direta. Várias atualizações e melhorias foram realizadas, destacando-se o processo de produção e utilização de sementes de uso próprio, medidas de combate à pirataria, padrão de sementes, auditoria, foco no produto final e tratamento de sementes.  

   Registra-se que há processos no negócio de sementes que não são contemplados em lei e sim em contratos entre as partes do setor privado, como o royalty sobre o germoplasma, a taxa tecnológica sobre material patenteado e o licenciamento de cultivares entre o obtentor e o produtor de sementes, entre outros. 

   O país está amadurecendo em termos de políticas setoriais, sendo com satisfação que se constata algo conseguido com participação de todos os atores do sistema de sementes, em que cada um sai com o sentimento de que conseguiu algo de bom para seu setor e para o TODO. Isto é obtido com liderança e comprometimento das pessoas. 

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