Os avanços da Lei de Biossegurança no Brasil

Edição XXIV | 06 - Nov . 2020
Alexandre Nepomuceno-alexandre.nepomuceno@embrapa.br
   A atual Lei de Biossegurança, Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, revogou a Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, que autorizou o plantio comercial da soja resistente ao herbicida glifosato (Soja RR) em 1998. A Lei nº 11.105 pôs fim à controvérsia legislativa em torno dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) no País. O objetivo dessa Lei é fornecer padrões de segurança e mecanismos de inspeção para qualquer atividade envolvendo OGMs, desde a pesquisa e desenvolvimento, como também o cultivo, produção, manuseio, transporte, importação, exportação, armazenamento e comercialização.  Qualquer pessoa interessada em realizar uma atividade que envolva OGMs deve solicitar permissão à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). 

   A implementação da Lei nº 11.105 permitiu avanços científicos na área da biotecnologia, garantindo o cumprimento do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente, da vida, da saúde humana, saúde animal e vegetal. Isso pode ser comprovado pelo número de tecnologias com aprovação comercial pela CTNBio ao longo desses anos, incluindo produtos com aplicações na agricultura, saúde humana, animal e indústria. Foram mais de 150 produtos aprovados entre 1998 e 2019, sendo que desse total, aproximadamente 60% corresponde a plantas transgênicas.  

   Apesar desses avanços significativos, a liberação comercial de um OGM requer o cumprimento de uma ampla lista de requisitos para avaliação de risco à saúde humana e animal e ao meio ambiente, os quais diferem de um país para outro. Como o Brasil é um grande exportador de alimentos, os OGMs com aplicação na agricultura precisam ser liberados para comercialização não só no país, mas também globalmente. Como consequência, temos um aumento considerável no custo e no tempo para desregulamentação dessas tecnologias, fazendo com que apenas algumas grandes empresas consigam gerar essas tecnologias.  

   Em 2005 quando a Lei nº 11.105 foi redigida, as Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão (TIMP), que incluem não apenas as ferramentas de edição de genomas como CRISPR, mas também, outras tecnologias, como o RNA interferente (RNAi), ainda estavam no início, e assim, não foram consideradas. A fim de que a legislação acompanhe esses avanços da ciência, em 2015 a CTNBio estabeleceu um grupo de especialistas entre seus membros para analisar e entender os produtos das TIMPs, e definir como esses produtos seriam enquadrados nas definições da Lei nº 11.105. Com base no relatório desse grupo de trabalho e nos regulamentos de outros países foi elaborada a Resolução Normativa nº 16 da CTNBio, publicada no Diário Oficial da União em 15 de janeiro de 2018.  

   Como a Lei Brasileira de Biossegurança considera organismos obtidos por cruzamentos via melhoramento clássico e por métodos de mutagênese como não-GM, o grupo de trabalho considerou que alguns produtos obtidos por meio de TIMPs poderiam ser excluídos do escopo da legislação sobre OGM, após uma análise caso a caso submetida à CTNBio. De uma forma prática, a designação de um produto como não-OGM é baseada na ausência de DNA/RNA recombinante, na inserção de modificações genéticas que poderiam ser introduzidas por cruzamento, ou ainda, presença de mutações que poderiam ocorrer naturalmente ou serem induzidas pela exposição à radiação ou agentes químicos. 

"Foram mais de 150 produtos aprovados entre 1998 e 2019, sendo que desse total, aproximadamente 60% corresponde a plantas transgênicas. "

   Ainda em 2018, a CTNBio avaliou a primeira consulta sobre liberação comercial de plantas geradas utilizando TIMPs. Trata-se de um milho com alteração na composição do amido presente no grão. O amido dos grãos de milho é composto por amilose e amilopectina. Por meio da ferramenta CRISPR/Cas9, a via metabólica para produção de amilose foi inativada, gerando genótipos com quase 100% de amilopectina, o que é interessante para diversas aplicações na indústria. A CTNBio concluiu que essa modificação poderia ter sido obtida por métodos de cruzamento ou induzida por outros mutagênicos, e dessa forma considerou o produto como não-OGM. Essa possibilidade de gerar produtos por meio de TIMPs que possam ser considerados como não-OGMs permitirá ampliar do número de empresas que participam desse mercado.  

   A legislação de biossegurança brasileira vem de encontro à legislação de vários países que consideram que alguns produtos obtidos por meio de TIMPs podem ser classificados como não-OGM. China e União Europeia por sua vez, enquadram os produtos da edição gênica como OGMs, independente das modificações introduzidas, mesmo contrariando o posicionamento da comunidade científica desses países. A União Europeia tem a legislação mais severa e restrita do mundo em relação ao cultivo e consumo de OGMs em seu território. Espera-se que esses países revejam essa decisão, pois o desenvolvimento equilibrado no agronegócio mundial depende da harmonização da legislação de biossegurança dos diferentes países exportadores e importadores de alimentos.  
Compartilhar