O novo Coronavírus (SARS-CoV-2) teve seu primeiro caso notificado em dezembro de 2019. Em março de 2020, ouvíamos o anúncio da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que se tratava de uma nova pandemia causando a COVID-19. Diante da velocidade dos acontecimentos e de todas as incertezas que nos afligem, há uma lição a ser aprendida: sem ciência não há futuro.
Profissionais de diversas áreas têm buscado soluções. Entre médicos, enfermeiros, engenheiros e muitos outros, é com base na ciência que estes profissionais/cientistas vêm gerando modelos epidemiológicos que auxiliam nas estratégias de controle. É através do conhecimento científico que desenvolvem pesquisas e estudos clínicos na busca por fármacos, vacinas e equipamentos que salvarão milhões de vidas.
A Biotecnologia assume papel de destaque neste momento, pois é essencial em várias frentes. A começar pelo sequenciamento do genoma do vírus no Brasil feito em 48h por pesquisadoras da USP. Informação crucial no conhecimento de como o vírus age, como está mudando, além de base no desenvolvimento rápido de medicamentos e vacinas.
O diagnóstico laboratorial do coronavírus também depende da biotecnologia, pois é baseado na detecção do genoma viral por técnicas como o RT-PCR, ou em testes com fitas imunocromatográficas (teste rápido), que detectam anticorpos gerados no organismo humano. Ambos os testes são comumente empregados em estudos de diversas espécies, incluindo plantas. Diante da escassez de testes no País, Universidades, e vários Centros de Pesquisa nacionais, como os da Embrapa, buscam formas de contribuir nessa frente, a fim de expandir a capacidade de análise, sob a orientação da Fiocruz e do Ministério da Saúde.
As técnicas do DNA recombinante utilizadas na produção de plantas transgênicas, são as mesmas técnicas usadas na produção de vacinas há décadas. As primeiras vacinas hoje sendo feitas contra o coronavírus usam essas técnicas biotecnológicas. A transgenia certamente auxiliará no controle dessa pandemia, onde, até mesmo aqueles que fazem parte do movimento anti-transgênicos, se renderam aos benefícios que a ciência pode nos proporcionar.
Da mesma forma que uma pandemia ameaça a nossa vida, as doenças vegetais também são uma ameaça à agricultura e podem resultar em prejuízos enormes a toda a sociedade. Um exemplo clássico ensinado nos cursos de agronomia, que levou fome, miséria, e morte de milhares de pessoas no Século XVIII é o da “requeima da batata”. Mais recentemente o surgimento da ferrugem asiática da soja tem trazido prejuízos enormes à sojicultura. A doença desafia os pesquisadores que atuam em várias frentes, que vão desde variedades resistentes, a estratégias de vazio sanitário, buscando o controle e a redução dos impactos da doença. Infelizmente, tanto os fungicidas, quanto as variedades comerciais com resistência sendo utilizadas têm perdido a eficiência frente à velocidade de adaptação do fungo. Se novas estratégias não forem desenvolvidas nos próximos anos, em breve a produção de soja no Brasil pode tornar-se inviável. Estratégias inovadoras que vão desde o uso de transgênicos, edição de genomas e uso de RNAi de aplicação tópica estão sendo trabalhadas no mundo, inclusive no Brasil, embora infelizmente, de forma muito tímida. Outros desafios e ameaças à produção agrícola brasileira são constantes. Os impactos das mudanças climáticas nas culturas de grãos do Brasil têm aumentado nas últimas três décadas, onde nesta safra 2019/20, se estima que o Rio Grande do Sul irá perder em torno de 50% e 30% das produções de soja e milho, respectivamente. O surgimento de novas pragas e doenças também deve aumentar com o aumento das temperaturas do globo, tudo isso associado ao crescimento da população e ao aumento na demanda por alimentos.
O mundo vive grandes revoluções tecnológicas, talvez as duas mais importantes sejam as da era digital e a da genética. Enquanto a revolução digital todos nós vivenciamos diariamente, a da genética ocorre de forma mais sutil. Inovações no sequenciamento e na edição de genomas, o uso dessas informações na seleção assistida ao melhoramento genético, o uso de moléculas biológicas no controle de pragas e doenças, entre outras inovações, têm recebido cada vez mais investimentos. Nos próximos anos e décadas veremos soluções tecnológicas oriundas destes investimentos, vindo principalmente de empresas de países desenvolvidos, que continuarão influenciando as relações de troca no nosso agronegócio. É primordial que o Brasil, tanto no setor público, como no setor privado, aumente o investimento em ciência, principalmente em parcerias público-privadas. Somente assim, será possível viabilizar que os ganhos econômicos e sociais do avanço tecnológico no agronegócio brasileiro fiquem em sua maior parte no Brasil.
Na crise do coronavírus estamos vendo a dependência que temos do exterior em tecnologias, insumos e equipamentos. O agronegócio é a base da economia nacional e tem sustentado a balança comercial há décadas. Somos o único país no mundo com a capacidade de ter até três safras na mesma área ao ano, dominando a agricultura tropical. Não podemos ficar dependentes de sermos somente receptores de tecnologias de ponta, principalmente na área da genética. Os ganhos em produtividade nos últimos 50 anos, nunca retornaram para a pesquisa das grandes commodities. O investimento em pesquisa básica tem que ser hoje, para que daqui a 10 ou 20 anos tenhamos as soluções tecnológicas inovadoras. É preciso entender que em algumas áreas, como na da genética, o tempo de maturação de uma tecnologia é maior do que, por exemplo, no desenvolvimento de algoritmos de inteligência artificial que auxiliam produtores rurais na tomada de decisão. É importante lembrar que o avanço da ciência depende da formação de profissionais capacitados, da manutenção da infraestrutura de laboratórios e do desenvolvimento e da compra de insumos e que, para que os resultados sejam alcançados, são necessários investimentos constantes, não somente no momento da pandemia.