O globalizado comércio de alimentos é dependente de uma gama de elementos macro ambientais em constante variação, deixando instáveis os preços e o fluxo internacional de comodities. Nesta dinâmica já normalmente turbulenta, até um “simples” vírus de gripe, aparentemente inofensivo, pode afetar significativamente as relações de oferta e demanda de alimentos, fibras e energia no mundo todo. Para melhor exemplificar o problema e as perspectivas para o setor é necessário definir as variáveis macro ambientais que podem influenciar nas cadeias produtivas do agronegócio. Darei ênfase às variáveis Político-legais, Econômicas e Comportamentais e às principais consequências potenciais do COVID-19 para o Agronegócio Brasileiro, para isso, citarei alguns pontos destacados pelo professor Marcos Fava Neves (USP).
Político-legais: redução do fluxo de pessoas e de mercadorias. Mudança nos canais de distribuição de mercadorias em função da menor circulação de pessoas e do transporte. Restrição de produtos. Queda no consumo global, reduzindo o comércio internacional de alimentos. Aumento nos gastos com saúde. Menor disponibilidade de mercadorias. Insegurança alimentar.
Econômicas: impactos no setor de comércio e serviços. Redução no PIB mundial e Brasileiro. Fuga de capitais do Brasil. Menores investimentos estrangeiros. Insumos mais caros (associado também ao dólar elevado). Elevação do cambio. Desvalorização do real. Menores taxas de juros para incentivar a economia. Perda da confiança nos mercados. Gastos significativos na área da saúde. Queda do preço do petróleo e combustíveis derivados. Barreiras restritivas ao comércio internacional.
Comportamentais: aumento do consumo das famílias. Mudança dos hábitos pessoais. Estocagem de alimentos em casa. Aumento do consumo de produtos mais seguros e naturais. Maior higiene e limpeza das pessoas e instalações. Maior incentivo do ensino, reuniões e interações à distância. Trabalho em home office.
No Brasil nas primeiras semanas de disseminação do vírus o fluxo de alimentos ainda seguia relativamente normal, embora o setor FLV (Frutas, legumes e verduras) já sofra sérias consequências devido à perecibilidade dos produtos e à logística precária no país. Nesse setor cabe uma atenção especial aos produtores familiares que precisam ser assistidos por políticas públicas que garantam uma renda mínima e a compra de produtos via programa mais alimentos sob pena de terem prejuízos consideráveis comprometendo, assim, a produção. Esse grupo de produtores presta um serviço essencial na produção de FLV e flores, também garantindo cerca de 70% da cesta básica do brasileiro.
No chamado “dentro da porteira” os produtores do Brasil seguem incansavelmente seus trabalhos de colheita de grãos de soja, milho, arroz, manejo dos animais, colheita da videira, oliveira, semeadura da safrinha no Centro Oeste, dentre outros. Alguns profissionais do agronegócio apostam que em curto prazo há tendência da China de estocar produtos e com isso a demanda deve aumentar, favorecendo principalmente grandes produtores de soja como Brasil e EUA. No, entanto, em médio prazo, é possível que a demanda Chinesa seja menor, afetando países exportadores como o Brasil tanto na compra quanto no preço da mercadoria. Há ainda quem aposte que o problema sanitário causará desaceleração da economia asiática, reduzindo a importação de grãos e carnes. Por outro lado, considerando-se que a soja é uma comoditie inelástica, a crise Chinesa pouco afetaria a importação de grãos a curto e médio prazo. O país do dragão tem elevado e crescente consumo global do grão o que, mesmo em crises, costuma ter pouco efeito prático. Em relação às carnes a Associação Brasileira de Frigoríficos (ABRAFRIGO) prevê, inicialmente, pequeno impacto da crise do COVID-19 para a exportação de carnes brasileiras em curto e médio prazo. Porém analisando o copo meio vazio podem sim haver problemas importantes. Em matéria recente do site da revista Britânica The Guardian no dia 26 de março a ONU alerta para possível escassez de alimentos em nível global. Em função da crise sanitária muitos países estão adotando medidas protecionistas como aumento de tarifas e restrição às exportações. Para Maximo Toreo, economista chefe da FAO/ONU, o pior cenário é a falta de alimento, o que segundo ele é possível de ocorrer, caso sejam implementadas medidas protecionistas. Um exemplo citado por Toreo é a Rússia, terceiro maior exportador de trigo, que poderá restringir as exportações do cereal, como já foi feito em outras crises. Ao longo dos próximos meses deve haver falta de alimento para abastecimento da população mundial, o que poderá elevar os preços, e a fome, problema que já afetava cerca de 900 milhões de pessoas no mundo mesmo antes da crise. A consultoria internacional “Onstrategy” pesquisou stakeholders ao redor do mundo para identificar os segmentos empresariais globais que sofrerão impactos devido ao COVID-19. O levantamento foi dividido em três níveis de impactos, leve, moderado e elevado. O estudo mostrou que o agronegócio (alimentos, fibras e energia) sofrerá menos impactos que outros setores, conforme também tem sido demonstrado em outros levantamentos sobre os impactos da pandemia. “O agro não pode parar” não é apenas um bordão setorial, mas uma questão de ética e responsabilidade de um setor que faz a engrenagem do país girar, produzir alimentos em qualidade e quantidade, gerando emprego e renda bem como excedentes para exportação. A pandemia vai passar, mais cedo ou mais tarde, e a população mundial continuará a demandar mais produtos. Atender à segurança alimentar global é o que o Brasil tem feito e seguirá fazendo com muita competência, apesar das recorrentes crises. Sejamos otimistas, pois nosso trabalho é bem feito e não apenas o Brasil, mas o mundo mais do que nunca precisa de nós.