A determinação da pureza genética e a identificação de cultivares ainda constituem um desafio para os Laboratórios de Análise de Sementes (LAS), considerando que para muitas espécies economicamente importantes não existem descritores morfológicos capazes de responder com segurança à identidade genética de uma determinada cultivar. Neste texto discutiremos o caso da soja, cultura na qual há maior preocupação em relação a esse problema.
Hoje, as alternativas disponíveis para controle de qualidade interno são o teste de peroxidase, associado às variações nas características do tegumento e do hilo, distinções de formato, tonalidade, brilho e coloração, além da cor do hipocótilo. Embora úteis, essas ferramentas apresentam limitações, e por essa razão não são mais consideradas oficiais pela legislação. Devido ao grande número de cultivares disponíveis no mercado, essas características por si só não são suficientes para determinar a identidade genética de uma cultivar. Além disso, alguns desses descritores podem sofrer influência do ambiente, gerando confundimento aos analistas – é o caso da cor do hilo, por exemplo.
Nesse sentindo, os marcadores moleculares baseados no DNA tornam-se uma ferramenta importante, tendo em vista que o DNA é uma molécula estável e, portanto, não é alterado em função das condições ambientais. Cada cultivar possui uma impressão digital do DNA, também conhecida por DNA “fingerprint”, ou seja, um perfil genético único que permite diferenciar as cultivares entre si. Na literatura, diversos trabalhos já foram publicados mostrando a aplicabilidade dessa ferramenta na análise de sementes. Diante disso, vem então a pergunta: por que esses marcadores ainda não são utilizados para esse fim?
No caso da identificação de cultivares, uma das dificuldades está na definição de quais marcadores devem ser usados para distingui-las entre si, considerando que, devido ao alto grau de parentesco, é necessária a utilização de vários marcadores para a correta distinção. Embora existam diferenças no DNA de cada cultivar, essas variações precisam ser previamente definidas, para que, a partir dessa informação, sejam gerados os marcadores. São necessários estudos específicos para esse fim. No passado, houve iniciativas visando definir marcadores moleculares, principalmente da classe dos microssatélites, para identificação de cultivares em soja e em outras espécies. Hoje, já existem classe de marcadores mais eficientes que os microssatélites, como os SNPs (Polimorfismo de nucleotídeo único), por exemplo, que poderiam ser utilizados com essa finalidade. O avanço nas tecnologias de sequenciamento de genomas permite identificar os milhares de marcadores SNPs presentes em uma cultivar, a um custo acessível. Além disso, para muitas espécies vegetais existem Chips de DNA com marcadores SNPs que cobrem todo o genoma da planta e, dessa forma, permitem determinar as variações entre cultivares de forma eficiente.
Embora essas tecnologias tenham evoluído e se tornado mais baratas, devido ao grande número de cultivares disponibilizadas anualmente no mercado, ainda há um custo muito elevado para caracterizar todas as cultivares que hoje estão depositadas no Registro Nacional de Cultivares (RNC). É necessário, então, criar uma organização, a fim de definir os direitos e deveres de cada elo do setor. Por exemplo: quem arcaria com o custo para caracterização genética dessas cultivares já depositadas? Hoje, o obtentor não tem obrigatoriedade de depositar as informações sobre os marcadores no momento do registro da cultivar. Essa informação deveria passar a ser obrigatória? Além disso, quem atuaria como curador dessas informações e como seria liberado o acesso a essas informações? E os marcadores morfológicos que ainda são obrigatórios no momento do registro da cultivar, devemos descartá-los ou adotar modelo de avaliação morfo-molecular, como a Argentina?
Para que essa ferramenta seja implementada na rotina, no controle de qualidade de sementes, ainda há outros pontos que dificultam, como adequação da infraestrutura dos LAS, capacitação da mão de obra, e o custo, que precisa reduzir ainda mais para que essa análise se torne viável. Mas, no momento, os marcadores moleculares podem ser uma ferramenta útil em questões judiciais, como por exemplo, quando o agricultor ou comprador identifica problemas com mistura genética nas sementes adquiridas e necessita de comprovação. Ou mesmo para o obtentor, em casos de pirataria. Nesse caso, é essencial que essa discussão evolua entre os elos do setor, a fim de que a tecnologia se torne disponível.