O potencial de armazenamento de cada semente

Edição XIII | 04 - Jul . 2009
Francisco Amaral Villela-francisco.villela@ufpel.edu.br
Nilson Lemos de Menezes-nmenezes@ccr.ufsm.br

    Acentuada importância assume o armazenamento de sementes no processo de produção, porque geralmente ocorre um intervalo de tempo entre a colheita da semente e a semeadura subsequente, que pode ser de alguns dias ou estender-se por vários meses, conforme espécie e cultivar, local de produção, condições ambientais prevalecentes e tecnologia de produção. A razão fundamental do armazenamento está vinculada à preservação da qualidade fisiológica e sanitária das sementes, pela redução da contaminação por pragas e da incidência de microorganismos e minimização da taxa de deterioração.

    Durante o armazenamento, a deterioração das sementes não pode ser impedida, todavia a velocidade do processo pode ser minimizada por meio de procedimentos adequados de produção, colheita, secagem, beneficiamento, transporte e armazenamento. O processo de deterioração em sementes compreende uma sequência de alterações bioquímicas e fisiológicas iniciadas logo após a maturidade fisiológica, que acarretam redução de vigor, culminando na perda da capacidade de germinação.

    Reduzir a velocidade e os efeitos da deterioração nas sementes são metas prioritárias do armazenamento, entretanto, é sabido que existe acentuada diversidade entre espécies  com relação ao potencial de armazenamento das sementes. Além disso, ocorre variabilidade entre lotes e entre sementes do lote, da mesma espécie e da mesma cultivar, submetidas a condições similares de armazenamento, visto que cada semente e cada lote possuem um histórico, determinado pelas condições de produção.

    A longevidade corresponde ao período máximo de tempo que as sementes permanecem vivas, quando armazenadas sob condições ambientais ideais, sendo que as espécies apresentam variabilidade natural.

    Conforme a longevidade, as sementes podem ser classificadas como de vida curta, média e longa. Em geral, as sementes de vida longa e média apresentam longevidade crescente, conforme diminuem a temperatura ambiente e o teor de água das sementes. A longevidade das sementes ortodoxas (aquelas que podem ser secadas) pode ser acentuadamente prolongada pela secagem até teores de água de 5 a 8% e acondicionamento em embalagens impermeáveis.

    As sementes de vida curta, por outro lado, possuem longevidade, em muitos casos, muito reduzida, que se estende por semanas ou meses. Também denominadas recalcitrantes, não apresentam tolerância à dessecação e/ou são suscetíveis a baixas temperaturas. 

    O potencial de armazenamento de sementes ortodoxas sofre influência de inúmeros fatores, além da longevidade, destacando-se a qualidade inicial, determinada pelas condições ambientais prevalecentes na fase de enchimento da semente e no período compreendido entre a maturidade fisiológica e a colheita, pelos danos mecânicos na colheita e no beneficiamento, especialmente em transportadores, e pelos danos térmicos na secagem. Os danos mecânicos constituem-se em sérios problemas, capazes de reduzir a qualidade das sementes. Como consequência, observa-se  redução do vigor, diminuição na germinação, aumento da infecção e proliferação de patógenos e  menor potencial de armazenamento. As sementes partidas podem ser facilmente eliminadas durante o beneficiamento. No entanto, sementes com pequenas trincas ou amassamentos permanecem no lote, tornando-se focos de deterioração. 

    Além disso, as condições ambientais no armazém, particularmente a temperatura e a umidade relativa do ar, exercem forte influência sobre o teor de água das sementes armazenadas. A associação com elevadas temperaturas favorece os processos  respiratórios das sementes  e a atividade de microrganismos e de insetos. 


    A microflora fúngica no armazém é altamente dependente do teor de água das sementes. Os principais fungos de armazenamento pertencentes aos gêneros Aspergillus e Penicillium desenvolvem-se em sementes com teor de água em equilíbrio com umidade relativa do ar de acima de 65%. Assim sendo, é importante incluir entre os cuidados a obtenção de lotes com os menores níveis de danos mecânicos possíveis, em cada etapa do processo produtivo das sementes.

    Os insetos, também, afetam negativamente o potencial de armazenamento das sementes, por determinar redução de peso, da pureza física e da qualidade fisiológica. Os insetos-pragas mais importantes, por apresentarem capacidade de romper a cobertura protetora das sementes, são os gorgulhos que atacam o arroz e o milho, o caruncho do feijão e a traça dos cereais, cuja atividade é influenciada pelas condições ambientais do armazém. Temperaturas na faixa de 23 a 35°C e teores de água das sementes entre 12 e 15% são favoráveis ao seu desenvolvimento. A alteração das condições de ambiente do armazém, pela diminuição da temperatura e/ou da umidade relativa do ar, reduz ou minimiza a atividade dos insetos.

    O expurgo, o tratamento com inseticidas e o resfriamento das sementes são técnicas eficientes no controle de insetos-pragas e na manutenção do potencial fisiológico das sementes durante o armazenamento.

    Combinações de temperatura e umidade relativa do ar adequadas à preservação da qualidade das sementes durante o armazenamento, dependendo do tempo de conservação, podem ser obtidas pela localização do armazém em locais cujas condições climáticas são favoráveis ou pela modificação das condições ambientais.

    As sementes de soja apresentam longevidade superior a 10 anos, se forem armazenadas sob condições ideais. Entretanto, acondicionadas em embalagens permeáveis (sacos de papel multifoliado, de algodão, juta e polipropileno trançado) e mantidas em condições de ambiente de armazém, por exemplo, sob temperatura ambiental média de 20 a 25°C e umidade relativa do ar de 65 a 70%, mantêm a germinação por um período de entressafra de 6 a 8 meses, embora reduções marcantes de vigor possam ser constatadas. Todavia, armazenadas em condições climáticas mais adversas sofrem diminuição mais acentuada de qualidade fisiológica, podendo apresentar germinação inferior a 80%, ao final de 60 a 90 dias, particularmente em locais de clima mais quente, tornando-se impróprias para a semeadura. Deve-se considerar ainda o fato de o vigor declinar antecipadamente, o que ocasiona, muitas vezes, emergência e população de plantas menores, crescimento e desenvolvimento de plantas mais lentos e menos uniformes, assim como, menor resistência às adversidades ambientais.


    Em locais de clima quente e/ou muito úmido, durante o período de armazenamento, condições favoráveis para a manutenção da qualidade das sementes podem ser obtidas pela modificação das condições ambientais. O armazenamento sob condições controladas de temperatura e/ou umidade relativa do ar constituem-se em alternativa tecnicamente viável para a preservação da qualidade das sementes. No armazenamento a granel, o resfriamento das sementes, mantidas em silos, vem sendo realizado com emprego de ar a temperatura de 15 a 20°C e umidade relativa de 55 a 60%. Sementes de soja são conservadas nesse sistema, em geral, por quatro a seis meses no armazenamento temporário à espera do beneficiamento completo. Os resultados alcançados têm sido plenamente satisfatórios, especialmente nos locais e épocas do ano, cujas condições climáticas são desfavoráveis à conservação de sementes de soja. 

    No armazenamento em sacos, o resfriamento das sementes imediatamente antes do ensaque e, especialmente, o emprego de armazém com sistema de resfriamento e desumidificação são alternativas implementadas para buscar a redução, ao mínimo, da taxa de deterioração de sementes, não obstante os elevados investimentos de implantação.

    As sementes de hortaliças, por sua vez, em geral, quando armazenadas em condições ambientais de regiões tropicais e subtropicais, perdem a viabilidade em curto intervalo de tempo. Sementes de cebola, por exemplo, acondicionadas em sacos de papel e mantidas em ambiente aberto, perdem completamente a viabilidade em poucas semanas. Entretanto, acondicionadas em embalagens impermeáveis (envelopes de alumínio e latas metálicas vedadas), com umidade de 6%, não sofrem flutuações no seu teor de água, mantendo a viabilidade por períodos de tempo superiores a três anos.

    O avanço da fronteira agrícola na produção de soja, para regiões de clima mais quente e úmido, tornou necessária a adoção de técnicas mais avançadas de conservação de sementes, que assegurem a manutenção da germinação, com mínima redução de vigor.

    Os resultados de pesquisa afirmam e a experiência dos produtores de sementes confirma que a qualidade das sementes é fortemente influenciada pelas condições ambientais no armazém, especialmente temperatura e umidade relativa do ar. Esta última controla o teor de água das sementes acondicionadas em embalagens permeáveis. Acrescente-se o fato de o desempenho das sementes no armazenamento ser acentuadamente dependente da qualidade inicial apresentada por ocasião da colocação no armazém.

    O potencial de armazenamento de diferentes lotes de sementes de uma espécie, sob condições ambientais similares, é determinado pela qualidade fisiológica inicial. O teste de germinação, pelo fato de não avaliar completamente a qualidade de  um lote e por oferecer ótimas condições às sementes, possibilita a formação de plântulas normais a partir de sementes em diferentes estádios de deterioração. Assim sendo, lotes de sementes com porcentagens de germinação semelhantes podem apresentar reduções diferentes na capacidade germinativa, se armazenados sob iguais condições, ocorrência esta associada às diferenças quanto ao vigor.

    Desse modo, alta germinação no início do armazenamento não assegura que o lote manterá sua qualidade até o momento da semeadura ou que apresentará longevidade similar ou superior a outro lote da mesma espécie com germinação inicial semelhante, podendo, assim, ao término do período de armazenamento, haver diferenças na qualidade final dos lotes.

    Finalmente, vale enfatizar que não é suficiente a produção de sementes de alta germinação, mas, para assegurar um elevado potencial de armazenamento e, consequentemente, um adequado desempenho na fase de estabelecimento no campo, a meta deve ser a obtenção de sementes de alto vigor e propiciar o armazenamento sob condições ambientais naturais ou modificadas, favoráveis à conservação das sementes.

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