Gerentes não podem entrar em pânico

Edição XIV | 03 - Mai . 2010

    O agronegócio é um sistema sui generis em vários aspectos. Tanto no processo de produção e adaptação aos processos biológicos e climáticos, como os que tangem à gestão em si. Não é difícil de imaginar os atropelos que ocorrem nos diferentes setores, da produção, transporte, processamento, industrialização e distribuição, até que os produtos cheguem ao consumidor. Extensos artigos têm sido dedicados para explicar a gestão desse amplo sistema e seus respectivos subsistemas, buscando garantir a coordenação eficaz, mas o tema central deste ensaio está restrito à gestão micro, na unidade de produção, e mais especificamente, à função que os gerentes, diretores e empresários têm como principal, em momentos de instabilidade ou mesmo de crise efetiva.

    Nestes termos sabe-se que todos os colaboradores têm seus respectivos papéis nas organizações, e cada um, em seu nível de desempenho, gera expectativas diferentes dos seus colegas e subordinados. Para cada cargo ou função são esperadas determinadas posturas, que estão mais ou menos padronizadas dentro do ambiente organizacional. Qualquer atitude fora desse padrão pode causar desconforto e até mesmo aumentar a instabilidade em tempos de conjuntura desfavorável.

    Há algum tempo, venho observando com mais atenção a postura e as atitudes dos líderes em suas funções, principalmente em momentos de instabilidade, quando suas organizações estão próximas a enfrentar grandes desafios ou em casos extremos, onde pequenos ou grandes problemas fazem com que suas rotas de planejamento precisam ser alteradas rapidamente, sob o risco de prejuízo abissal, ou mesmo insolvência da empresa.

    No setor sementeiro, por se tratar de reprodução de organismo vivo e pelas  características próprias desse tipo de empreendimento, há enorme necessidade de planejamento e o emprego rigoroso do controle, ao mesmo tempo em que é requerida prática eficaz de adaptação, exigindo flexibilidade para que os objetivos de produção e qualidade sejam alcançados. Essa característica exige demanda ainda maior de habilidades e competências por parte de seus gestores principais, acentuadamente na tomada de decisões e no gerenciamento de crises.

    Pessoalmente, faz alguns anos, aprendi uma lição definitiva do que se espera de profissionais que ocupam posições dessa natureza numa organização, principalmente aqueles que ocupam funções de destaque na hierarquia, como os gerentes, diretores e os próprios empresários.

    Empregava meu cérebro-obra, através de consultoria, numa organização com faturamento relativamente grande e um quadro de colaboradores também significativo. Em determinada época, motivado principalmente por fatores externos, a empresa entrou em situação de colapso iminente. Fizemos algumas reuniões de análise e realinhamento buscando encontrar uma alternativa que colocasse a empresa a salvo, mas nada parecia fazer sentido. O ânimo da equipe era visivelmente baixo e rumores típicos de épocas de crise começaram a surgir, um aqui outro ali.

    Ficou decidido que apresentaríamos à diretoria um diagnóstico e um prognóstico circunstanciado dentro da realidade que percebíamos próxima. Nele seriam apresentadas também algumas soluções que poderiam ser empreendidas para melhorar a situação da empresa, mas nenhuma delas parecia suficiente para resolver a questão, apenas remediava, dando uma sobrevida.

    A reunião começou tensa e o pânico era aparente em toda a equipe. À medida que as discussões foram evoluindo, o clima se tornou ainda mais difícil e todos visualizavam apenas os problemas que enfrentávamos, e a outra parte se agarrava nas parcas soluções que fomos capazes de apresentar.

    Quando terminamos a apresentação do cenário caótico, um dos diretores se virou para a nossa equipe e, tomando para si a liderança da reunião, nos parabenizou pela iniciativa e o trabalho – no entanto, foi contundente em relação à utilidade daquilo que tínhamos apresentado. Ou seja, praticamente nenhuma.

    Fez um discurso coeso e focado na busca por novas soluções. Vaticinou de que sempre há uma alternativa ainda não analisada. Deixou claro que apoiava a equipe, mas tinha certeza de que éramos capazes de fazer melhor. Além disso, destruiu o ambiente catastrófico que reinava e se colocou ao lado da equipe para discutir e, conjuntamente, procurar pelas novas soluções. Ninguém iria morrer sozinho e muito menos na praia, arrematou, propondo para a tarde a primeira reunião de análise.

    Foi uma surpresa geral. Até porque sabíamos que a própria diretoria tinha uma visão calamitosa da situação, mas a postura de liderança adotada por esse diretor renovou o ânimo de todos, e mesmo os seus pares, que já estavam para abandonar o barco, não tiveram alternativa a não ser a de arregaçar as mangas e se juntar à equipe de trabalho.

    O resultado foi surpreendente. Numa tarde, fomos capazes de apresentar uma análise bem mais otimista, centrada em números que agora não pareciam tão ameaçadores. Ao cabo, um plano de reestruturação foi montado e discutido com a diretoria. Finalmente, parecia que havia luz no fim do túnel. Contudo, todos estavam convencidos de que tínhamos um compromisso moral com aquele diretor que depositara toda a sua confiança em nós.

O que se espera do Gestor

    Como apontei no início do artigo, no fundo, essa é exatamente a expectativa que temos dos gestores. Queremos gerentes que não entrem em pânico quando o primeiro problema se avizinha. Já foi-se o tempo em que gerentes descontrolados podiam se dar ao luxo de somatizar os problemas para que parecessem mais importantes. O gestor deve manter a calma no ambiente e procurar tomar conta da situação, ou, ao menos, dirigir para que as soluções possam vir, dando mais apoio do que recriminação. Potencializar o sentimento de fracasso e incapacidade já instalados é a última postura que se espera de um gerente, diretor ou empresário.

    Tenho percebido que a gestão nas empresas produtoras de sementes tem assumido a vanguarda, tanto em termos de tecnologia como nos processos gerenciais das empresas rurais. Muitas empresas têm empenhado recursos no firme propósito de melhorar a condução dos negócios, e várias treinam continuadamente seus funcionários e principais gestores, dando mostras de que é possível profissionalizar a gestão nas atividades rurais, mesmo sem arroubos de pompa e circunstância.

    Não é mais admissível que gerentes adotem posturas destemperadas ao primeiro problema que a empresa enfrenta, por exemplo. Ou ainda, ao invés de propor alternativas e reorganizar a equipe, eles mesmos demonstram insegurança, apatia e falta de senso de equipe, muitas vezes ainda somatizando problemas que poderiam ser resolvidos se ouvissem os colaboradores ou simplesmente não entrassem em pânico.

    O que se espera dos profissionais que ocupam estas funções é o equilíbrio emocional, a tranqüilidade e a serenidade para colocar panos quentes e reordenar o caos. Jamais contribuir para que ele se crie ou para aumentar a instabilidade nas relações entre os colaboradores da empresa. Pode faltar capacidade técnica aos gestores, que deverá ser suprida pelos colaboradores mais experientes em cada uma das atividades, mas nunca habilidades de liderança, imprescindíveis para amenizar as situações conflituosas.

    Em tempos de decisões difíceis, bons gestores são capazes de encontrar alternativas impensadas, mas somente se tiverem equilíbrio e capacidade de analisar a situação, reduzindo drasticamente a influência dos demais colaboradores, abaixo na hierarquia. O ser humano comum tem uma tendência natural a se solidarizar com a tragédia e o caos, sendo frequentemente levado a contribuir com o efeito manada das decisões impensadas. Esse é um papel que o gestor não se pode dar ao luxo de prestar.
    Aumentar o problema, explodir na frente dos funcionários, gritar com colaboradores, bater na parede, sair de órbita, são atitudes que deverão ser riscadas do perfil de qualquer gerente, diretor ou empresário. Com estas atitudes é bem possível que consiga apenas implantar a cultura do medo e isolar-se, embora possa, na sua ignorância gerencial, se achar respeitado e chefe, dono da razão.
    Percebemos que um gestor é equilibrado e gentil, apenas em situações extremas ou quando mostrar educação frente a colegas de menor função hierárquica. É natural que, em tempos de fartura, a capacidade de contribuição dos gestores não seja colocada em xeque, somente sendo testada quando as atividades saem do modus operandis - assim como ser gentil não é demonstrado quando o somos com quem está acima de nós na escala de poder, mas quando demonstramos solicitude com quem está abaixo de nós, nessa mesma escala.



Até a próxima.
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