O momento de colher

Edição XIV | 03 - Mai . 2010
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br
Antonio Carlos Souza de Albuquerque Barros-acbarros@ufpel.edu.br
Luis Osmar Braga Schuch-lobs@ufpel.edu.br

    A colheita, tanto para semente como para grão, é o momento em que será verificado o sucesso de um ano agrícola, envolvendo principalmente conhecimentos agronômicos do cultivo como também aspectos de gestão da produção.

    Para facilitar a colheita, os melhoristas desenvolveram cultivares com diferentes ciclos, como precoce, médio e tardio, sendo que a principal diferença está no ciclo vegetativo, pois o ciclo reprodutivo pode ser considerado semelhante. Assim, uma variedade precoce possui, na realidade, um menor ciclo vegetativo. Para espaçar ainda mais o período de colheita entre os campos de produção, pode-se utilizar diferentes épocas de semeadura, pois o enchimento da semente é função da temperatura durante o cultivo. Além do ciclo e da época de semeadura, também se pode utilizar dessecantes para acelerar a secagem das sementes no campo e, com isso, ganhar de um a três dias de antecipação da colheita, permitindo a colheita mecanizada.

    A utilização de variedades precoces, com semeadura no cedo e utilização de dessecantes, realmente, pode espaçar a colheita em várias semanas. No Brasil, isso é utilizado para possibilitar dois cultivos por ano na mesma área. Exemplificando, o agricultor utiliza variedade precoce de soja numa semeadura do cedo, para colheita nos meses de janeiro e fevereiro, para logo após semear, na mesma área, o milho conhecido como safrinha. Esse procedimento é tão utilizado, que mais de quatro milhões de hectares são cultivados no país com o milho safrinha.


    Outro aspecto de antecipação da colheita diz respeito à venda do produto, pois quando todos estão colhendo, o preço normalmente é baixo – como é de se esperar, pelo princípio da oferta e demanda. No Brasil, a soja colhida no mês de janeiro pode ser comercializada a um preço superior, pois a maior parte da colheita se dá no mês de março. É comum os agricultores fazerem contratos para entrega física do produto no final do mês de janeiro, requerendo, algumas vezes, a utilização adicional de dessecantes e colheita do produto com umidade um pouco acima da recomendada, o que exige uma pré-limpeza do produto e após uma secagem.

Tendência de alguns atributos dos sementes em relação ao processo de maturação


A MATURAÇÃO DA SEMENTE

    Mesmo com os avanços da ciência em identificar e criar variedades de diferentes ciclos, que auxiliam na gestão do empreendimento agrícola, a maturação de um campo de produção é desuniforme, significando que, para a produção de sementes, o momento adequado da colheita é um processo de gestão, pois, caso se queira colher todas as sementes maduras e secas, algumas irão permanecer no campo por muito tempo, sujeitas às condições adversas do clima e, com isso, se deteriorarão. Por outro lado, caso não se queira perder sementes por deterioração de campo, algumas sementes verdes deverão ser colhidas junto com as outras. Essa desuniformidade de maturação os melhoristas ainda não conseguiram resolver. Na pesquisa, para minimizar os efeitos da desuniformidade de maturação, os pesquisadores marcam flores, como em soja e feijão; ou espigas, no caso de milho; ou panícula, no caso de arroz. E assim mesmo a maturação ainda apresenta alguma desuniformidade, exigindo, no caso do arroz, que a panícula seja dividida em três partes, pois a maturação das sementes ocorre do ápice para a base, chegando a 10% a diferença de umidade entre essas sementes.

    No caso de soja, quando flores de mesmo estádio são marcadas, a desuniformidade pode ser considerada pequena. Entretanto, no caso de milho, quando espigas de mesmo estádio são marcadas, a desuniformidade de maturação é todavia alta, e isso é facilmente observado numa espiga em fase de maturação, em que, das 200 a 500 sementes na espiga, algumas terão a ponta negra desenvolvida, enquanto outras não, ou melhor dito, algumas sementes terão menos de 25% do endosperma solidificado, enquanto outras terão mais de 75%. Essa diferença em maturação é superior a uma semana do cultivo ainda no campo.

    Comentamos a desuniformidade da maturação, mesmo quando são utilizados mecanismos para minimizar seus efeitos. Assim, é fácil entender a grande desuniformidade numa lavoura com mais de 200.000 plantas por hectare, como no caso da soja; com mais de 60.000 plantas, no caso de milho; ou com mais de 200 plantas por m2, em arroz e trigo.  Numa população de plantas, vamos ter perfilhos, como no caso de arroz e trigo; que apresentarão maturação diferente. Além disso, plantas oriundas de diferentes dosagens nutricionais ou plantas oriundas de sementes com diferentes níveis de vigor, que também afetarão a maturação das sementes. Assim, numa lavoura, a determinação do momento adequado de colheita é uma tarefa de gestão, em que a pior consideração deverá ser deixar as sementes no campo, para que todas sejam colhidas maduras. Deve-se considerar que uma semente deteriorada não muda de tamanho, sendo que no beneficiamento não são separadas, permanecendo junto com as outras; ao passo que uma semente verde (imatura), em geral, é maior, sendo facilmente separada, inclusive no processo de pré-limpeza. O momento certo da colheita, para efeitos práticos, é quando algumas sementes verdes ainda se encontram no lote, evidenciando que há poucas sementes que ficaram no campo aguardando muito tempo para serem colhidas.

    É evidente que há situações de clima, em algumas regiões, em que todas as sementes podem ser colhidas maduras, sem que isso afete a sua qualidade fisiológica. Essas regiões, no entanto, são bastante raras.

Umidade das sementes em uma planta de soja em função da colheita


    Ainda sobre desuniformidade de maturação, há o aspecto logístico da colheita, em que o ideal seria colher separadamente toda semente que atingisse o ponto de maturidade fisiológica. Entretanto, isso é difícil, por diversos motivos, sendo um deles a dificuldade da determinação da maturidade fisiológica em nível de campo, e outro a dificuldade das sementes serem trilhadas. Há poucas espécies que se colhem ao redor do ponto de maturidade fisiológica. Entre elas, a principal é o milho, que se colhe em espiga para debulhar mais tarde, quando a semente já está seca. Outra é a semente de azevém, que se colhe com umidade acima de 30%, por sua característica de alta deiscência natural. Neste sentido, para sementes de alto valor, como as de hortaliças, que em muitos casos a maturação é tão desuniforme que chega a é escalonada, a colheita manual praticamente a única alternativa, entrando-se na lavoura mais do que uma vez para realização da colheita. A colheita de sementes de cenoura e de cebola são exemplos de colheita manual em que se entra na lavoura de três a quatro vezes para tal fim.

PESO DA SEMENTE
    Com o enchimento das sementes durante o processo de maturação o peso das sementes aumenta conforme aumentam os dias após a floração, até um momento que para de aumentar e começa a decrescer. Essa tendência ocorre em função do enchimento das sementes pela fotossíntese, até certo momento, e redução do peso das sementes, a partir desse ponto, devido ao processo de respiração, que consome matéria seca das sementes. Assim, quando não há mais ganho de peso, é sinal que há um equilíbrio entre as sementes que estão enchendo e aquelas que pararam de encher e estão somente respirando; e quando o peso da população de sementes começa a baixar, é sinal que praticamente todas pararam de encher, sendo esse ponto de máximo peso das sementes. 
    Para determinar essa tendência do peso das sementes, há dois parâmetros que normalmente se utilizam: matéria seca das sementes e o peso de 1000 sementes. Para determinar a tendência do peso das sementes no processo de maturação se utilizam várias sementes (o peso de 1000 sementes é determinado, segundo as regras de análise de sementes, utilizando oito repetições de 100 sementes), significando que há sementes em vários estágios de maturação, inclusive algumas já podendo estar deterioradas. Resumindo, a determinação do peso das sementes, para efeitos práticos, é realizada numa população de sementes, obtendo-se uma média, que, a propósito, é bastante útil. Isto colocado, pode ocorrer que o máximo de peso seco das sementes não ocorra com o máximo de qualidade das sementes, pois as avaliações são realizadas numa população de sementes. Salienta-se que o conceito de ponto de maturidade fisiológica das sementes aplica-se a uma única semente, sendo que neste caso coincide o máximo de matéria seca com o máximo de qualidade fisiológica.


    Considerações sobre o momento de colheita para grão são diferentes do que para semente, pois os aspectos fisiológicos de germinação e vigor não são em conta; entretanto, em relação ao peso máximo, é igual, pois o grão é comercializado em função do peso. Assim, colher com o máximo de peso das sementes significa utilizar mais uma ferramenta para maximizar o rendimento. Esperar no campo para que todos os grãos estejam secos, com 13% de umidade, significa perder um bom percentual da produção, que varia de espécie para espécie. No caso de milho, deixar que ocorra a secagem natural das sementes na lavoura significa armazenar o produto por um ou dois meses sob condições de chuva, orvalho, alta temperatura e ataque de insetos. A perda neste caso é muito alta, podendo alcançar facilmente mais de 60% em peso.

DESCONTO PELA UMIDADE
    As sementes possuem vários componentes, entre eles água, que pode variar bastante em função do grau de maturação e de seu equilíbrio higroscópico com o ambiente. Assim, convencionou-se, para semente, que 13% é o percentual máximo de umidade, ou seja, todo lote de sementes que tiver mais que 13% de umidade deverá ser ajustado para esse percentual.
    Exemplificando, um lote de sementes de 20.000 kg, com 18% de umidade, é igual a um lote de sementes de 18.850 kg, com 13% de umidade. Assim, o lote inicial tinha 1.150 kg de água em excesso. Como pode ser observado, o excesso foi maior que 5%, pois, como foi mencionado anteriormente, as sementes possuem vários constituintes, e, neste cálculo, apenas a umidade foi considerada, permanecendo constantes, os outros componentes. Para o cálculo, utiliza-se a seguinte equação: Peso Inicial x (100 – Umidade Inicial) = Peso Final x (100-Umidade final). Substituindo, tem-se 20.000 x 82 = Peso Final x 87 – este cálculo resultando em 18.850 kg. Esta equação também é utilizada quando a semente ganha água. Isto é, está seca e absorve, e se deseja saber quantos kg ganhou.
    O ajuste parece simples e está correto. Entretanto, é comum, tanto para semente como para grãos, haver reclamações por parte de quem vende. Assim, para facilitar a aplicação da equação da umidade, existem tabelas que já fornecem o desconto por água em excesso. Em geral, para o desconto, é acrescentado um pequeno percentual, devido à necessidade de secagem e a natural perda de produto pelo manuseio.

DANIFICAÇÃO MECÂNICA
    As sementes possuem três partes, uma que dará origem à nova planta (embrião ou eixo embrionário), outra para suprir de alimentos a plântula em seu estágio inicial, e a terceira para proteger a semente, sendo todas essenciais. No ato da colheita mecânica, em que a semente se desprende da planta-mãe por um movimento brusco, pode ocorrer a danificação mecânica de sua proteção natural (casca).
    Em geral, danificação mecânica de até 3% das sementes é aceitável e valores acima de 8% colocam em perigo a qualidade do lote de sementes. Esses valores foram colocados como referenciais para sementes de soja, que são consideradas como altamente suscetíveis à danificação mecânica. Quando os valores da danificação mecânica são altos, é sinal que a colheita foi realizada sem os devidos cuidados com a danificação, sendo a rotação alta do cilindro da colhedora um dos responsáveis. Mesmo em colhedoras que utilizam o sistema axial de colheita, a danificação deve ser controlada de perto. Sementes abaixo de 10% de umidade tornam-se altamente suscetíveis à danificação mecânica.
    Os efeitos da danificação mecânica são latentes, ou seja, irão se manifestar algum tempo após a sua ocorrência, em geral de três a quatro meses. Assim, avaliações da qualidade fisiológica logo após a colheita podem não detectar os efeitos negativos da danificação mecânica. Ainda bem que há testes rápidos para determinação do grau de danificação mecânica para várias espécies, que podem ser utilizados no momento da colheita e determinar o destino daquele lote, se para produção e sementes efetivamente, ou para descarte e comercialização de grãos.
    

    O MOMENTO DA COLHEITA, TANTO PARA GRÃOS COMO PARA SEMENTES, PODE SER CONSIDERADO DE POUCOS DIAS DE DURAÇÃO. PARA AUMENTAR ESSE PERÍODO, UTILIZAM-SE ALGUMAS CARACTERÍSTICAS AGRONÔMICAS DAS CULTURAS, ASSIM COMO DE SEMEADURA E DESSECAÇÃO. ALGUNS ATRIBUTOS FÍSICOS DAS SEMENTES SÃO BASTANTE ÚTEIS NA GESTÃO DA COLHEITA, COMO A DANIFICAÇÃO MECÂNICA, UMIDADE E PESO DAS SEMENTES E ASPECTOS MORFOLÓGICOS COMO A CAMADA NEGRA, NAS SEMENTES DE MILHO, E A MUDANÇA DE COR NO HILO E ENRUGAMENTO DO TEGUMENTO, NAS SEMENTES DE SOJA. CONSIDERANDO A DESUNIFORMIDADE DA MATURAÇÃO DAS SEMENTES, É RECOMENDÁVEL EFETUAR A COLHEITA COM ALGUMAS SEMENTES AINDA VERDES DENTRO DO LOTE, POIS, CASO TODAS ESTEJAM MADURAS E SECAS, É SINAL QUE ALGUMAS SEMENTES AGUARDARAM MUITO TEMPO NO CAMPO PARA SEREM COLHIDAS. QUEM NÃO DESEJA PERDER NADA CORRE O RISCO DE PERDER TUDO.

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