Constatações de Final de Ano

Edição XVII | 06 - Nov . 2013

    Final de ano sempre é um momento de análise e de projeções. Normalmente mais de prognósticos, tentando vaticinar o que vem por aí, na ânsia de antever o futuro, esquecendo às vezes de observar o aqui e agora, o estado atual. A meu gosto, separei três temas que podem dizer algo do que pode vir por aí em 2014, mas que já são temas atuais. Misturo um pouco de cada um deles, mantendo o agronegócio como ator importante.

    A Lagarta e o Prêmio Nobel de Física

    Do ponto de vista da fórmula C3P´s – custo, produção, preço e produtividade –, que regulam o humor do agricultor, a expectativa de 2013/14 continua atraente (a contragosto dos pessimistas, é claro). Só o Mato Grosso, principal produtor de soja, por exemplo, estima, segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária – IMEA, plantar 8,3 milhões de hectares, produzindo 25,7 milhões de toneladas, com uma produtividade média de 51,6 sacas por ha. Todos ligeiramente acima das médias de crescimento esperadas para o país.     O custo é que preocupa, tornando cada vez mais tênue a linha que separa o lucro do prejuízo.

    Nesse sentido, o assunto do momento é uma lagartinha que surgiu do nada (pelo menos aqui no Brasil, já que foi identificada no final da primeira década de 1800), se alimenta de tudo e foi batizada com um nome pomposo, digno de estrela de marketing: Helicoverpa armigera. Aumentando o custo de várias culturas.

    Já fazia algum tempo que não surgia no agronegócio uma praga com tamanha capacidade de dano e dificuldade de controle, somados ao parco conhecimento que se possui por enquanto de suas características de ataque e eficácia de domínio. Há pesquisas em andamento, mas os resultados ainda não são satisfatórios e sequer emprestam segurança. O trabalho pela frente é grande e nos faz lembrar de quando a ferrugem asiática também resolveu atravessar o oceano.

    Isso pode (ou pelo menos deveria) recolocar no centro do debate um aspecto importante, há algum tempo negligenciado ou, no mínimo, questionado nas universidades e centros de pesquisa: a importância da pesquisa básica para evolução e sobrevivência do agronegócio e da própria humanidade. O Prêmio Nobel de Física deste ano, entregue ao belga François Englert e ao britânico Peter Higgs por seus trabalhos teóricos sobre como as partículas adquirem massa, nos dá sinais de que esse tipo de pesquisa (imaginativa) é relevante. 

    Convém que, como país, pensemos mais no longo prazo na área de pesquisa e não apenas reativamente, muitas vezes apenas pela prática, como se tem feito em profusão há algum tempo. O custo social de correr atrás do prejuízo, tateando até encontrar as soluções, sempre é maior do que a prevenção, quando os mínimos sinais já servem de alerta ou estimulam a proação contínua. 

    Agir proativa e preventivamente é um dos desafios para quem quer atuar e se manter na vanguarda tecnológica do agronegócio competitivo. É importante também que a iniciativa privada reconheça a relevância dessa postura e não deixe esse papel apenas na mão das organizações públicas.


    Agricultura e o Federal Reserve

    Em se tratando de agronegócio, o dólar sempre é um assunto importante. Tudo indica que continuará como um dos grandes balizadores de preços das nossas commodities, entre elas as agrícolas, e não há nada no front para 2014 que possa indicar alguma mudança nesse sentido. Como componente de boa parte dos chamados mercados maduros, há relativa estabilidade nesse aspecto (a não ser que a briga instalada entre o governo Obama e a oposição perdure irresponsavelmente a ponto de colocar o mundo novamente em suspense).

    Contudo, há um elemento importante a ser considerado nesse emaranhado americano. Não isoladamente, lógico, mas é um aspecto que pesa significativamente na configuração do peso da moeda estadunidense. Diz respeito à indicação de Janet Yellen, para dirigir, sucedendo Ben Bernanke, o Federal Reserve (FED, na sigla em inglês), o banco central americano. Um dos mais relevantes do mundo. 

    O importante disso tudo não é apenas sua destacada competência ao cargo ao qual foi indicada ou o fato de ser a primeira mulher escolhida para essa posição, mas as expectativas em relação ao que ela vai fazer e as possíveis consequências para nós.

    Recentemente, sempre que se manifestou sobre suas convicções nesse sentido, tem revelado a simpatia por taxas de juros próximas a zero e estímulos monetários ao crescimento, com a criação de até três milhões de empregos naquele país. Se cumprir o que tem defendido até agora, como vice-presidente do FED, a bolsa americana continuará a receber estímulos, mantendo-se fortalecida, e o dólar com força atenuada. Importante o agronegócio ficar de olho nos movimentos e discursos da nova dama da economia americana.

  

    Marina e Campos: a principal incógnita é o agronegócio

    Ano que vem é um ano extraordinário para quem foge do trabalho no Brasil. Além do ano futebolístico será ano de eleições para presidente, governadores, senadores, deputados federais e deputados estaduais. Um ano em que os que não simpatizam com futebol e política terão de se mudar do país ou se trancafiarão em casa.

    Em relação ao último tema, o jogo político já estava montado para a eleição presidencial e os players igualmente definidos. A polarização (mesmo com inacreditáveis 33 partidos políticos reconhecidos pelo TSE) entre as duas forças também. Eis que surge do nada (assim como aquela lagartinha do início do texto) uma dupla dinâmica de inimaginável aliança para enredar e talvez despolarizar o que já estava posto para ser “mais do mesmo”.

    Não que a nova opção revele algo efetivamente novo no cenário político brasileiro em termos de concretude de proposta (nem mesmo atraente do ponto de vista técnico), até porque no momento em que escrevo esse texto tudo ainda é muito recente, mas exatamente por criar um cenário diferente, como um elemento até agora fora da curva e que as pesquisas ainda vão ajudar a definir a sua real implicação.

    Há muitas diferenças entre as bandeiras de ambos, mas o que já se sabe, e não é novidade para ninguém, é que o principal antagonismo da aliança se resume às políticas de interpretação e simpatia sobre o agronegócio (tendo o meio ambiente e os índios como pano de fundo) que cada um dos principais atores dessa aliança nutre: Marina, uma severa crítica e contumaz radical, e Campos, possível apoiador e simpatizante da causa.

    Por isso, o setor produtivo precisa, mais do que nunca, estar de orelhas em pé, para entender e agir com propósito político claro sobre o que virá por aí logo após o período de leniência da Copa do Mundo de Futebol.


    A Copa é Nossa

    Por falar nisso, a Copa do Mundo de Futebol de 2014, a ser realizada aqui, ainda não mobilizou o país e tenho minhas dúvidas de que realmente consiga. Adicional ao mês forçado de férias de quase todos (principalmente das crianças), há estímulo por parte do governo em manter todo mundo em casa nos dias de jogo para que o fiasco da nossa mobilidade urbana e a débil segurança pública não fique tão evidente.

    Embora de difícil análise, vários estudos revelam e muitas evidências já se apresentam (os protestos e as greves estão aí para não deixar dúvidas) de que a Copa do Mundo de Futebol no Brasil poderá trazer sérios problemas de produtividade, algo oneroso para o país, e que pouco do que se tenta alardear como benefícios terá concretude após o evento e passível de comemoração.

    Como boa parte das obras programadas para a copa realmente não serão concluídas até lá (embora em sã consciência ninguém esperasse que fossem!) e muitas na prática até contribuam para aumentar o caos já instalado sem o adicional de turistas que virão no período, manter o povo em casa ainda é a melhor estratégia.

    A percepção é de que não temos o menor cacoete para organizar e capitalizar eventos portentosos como esse. O agronegócio, como exemplo, ainda não desencadeou estratégia (se é que vai ter alguma até lá) para usufruir da exposição adicional que este evento e outros que se seguirão poderão oferecer, se bem explorados. Há apenas alguns pequenos esforços aqui e outros ali, mas que não farão verão, como afirma o refrão de uma antiga cantiga.

    2014 promete ser agitado, e arrisco a dizer que, embora otimista no que apresentam os fundamentos até agora, poderá ser um ano muito perigoso para o agronegócio. Muitos interesses e arranjos estarão sendo disputados ou “em jogo” como sugere o momento. Esperamos que a lembrança não tenha no futuro um gosto amargo.

    Até a próxima. 

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