Ciência e Tecnologia de Sementes no Brasil

Edição XVII | 06 - Nov . 2013
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br

    O agronegócio brasileiro representa mais de 20% do produto interno bruto (PIB) do país. Os fatores que mais contribuíram para a evolução da atividade foram a disponibilidade e uso de sementes de alta qualidade e desempenho das variedades melhoradas. Para que isso ocorresse, várias evoluções científicas e tecnológicas foram obtidas pelos pesquisadores, cujos trabalhos são apresentados nos congressos da Associação Brasileira de Tecnologia de Sementes (ABRATES), realizados de dois em dois anos. A SEED News, que, em setembro último, participou do XVIII Congresso Brasileiro de Sementes, promovido pela ABRATES, no qual mais de 1.700 trabalhos científicos foram apresentados,realiza nesta matéria um balanço dos principais temas abordados.

    O Congresso da ABRATES é o maior evento de sementes do país e um dos maiores, em termos globais. Nesse último, houve mais de 1.400 participantes, com apresentação de 1.713 trabalhos técnico-científicos, 65 palestrantes e mais de 50 expositores (tabela no texto).

    A maioria dos participantes foi de profissionais que apresentaram trabalhos de pesquisa durante os quatro dias do evento, sendo cerca de dois trabalhos por participante. Examinando os 1.713 trabalhos apresentados, constatou-se que foram mais de 3.000 autores, significando que um alto número de pesquisadores desenvolve suas atividades em sementes e assuntos correlatos, com participação de alunos de iniciação científica, que serão provavelmente os pesquisadores num futuro próximo. 

    Outra participação importante no evento foi a dos responsáveis técnicos das empresas de sementes, cuja atividade requer constante aprimoramento e atualização do que está ocorrendo no mundo da Ciência e Tecnologia de Sementes. Para estes profissionais, além dos trabalhos de pesquisa apresentados, foi possível assistir as apresentações dos 65 palestrantes do evento. No país, há mais de 5.000 responsáveis técnicos em sementes, que requerem atenção especial pela sua grandeza e importância na atividade sementeira. 


    O negócio de sementes no país ultrapassa a seis bilhões de reais. Produtores de sementes, obtentores, associações de classe, fabricantes de equipamentos, fabricantes de produtos para tratamento e revestimento, consultores, entre outros, aproveitam para expor seus produtos e serviços durante os quatro dias do Congresso, visando aumentar sua participação no negócio. O aumento de 1% na fatia de mercado de sementes de soja e milho, por exemplo, significa alguns milhões a mais que entram no caixa da empresa. Neste evento foram mais de 50 expositores, cada um dos quais procurava chamar a atenção dos participantes para a sua maneira para mostrar o que tem de mais novo e melhor em matéria de tecnologia, numa espécie de “show room”, onde as empresas interagem com os participantes do evento.


    Ciência e Tecnologia

    O Congresso Brasileiro de Sementes é focado em Ciência e Tecnologia de sementes, cuja área envolve vários assuntos, que podem ser divididos em avaliação da qualidade das sementes, biotecnologia, comercialização, fisiologia, produção, tratamento, tecnologia de pós-colheita e patologia. Neste sentido, a seguir será apresentado cada assunto em detalhe.


    Avaliação da qualidade 

    Este assunto representou mais de 20% dos trabalhos apresentados (tabela no texto), consistindo basicamente em metodologias para o teste de germinação para espécies que ainda não constam nas regras para análise de sementes, como muitas espécies florestais, forrageiras, hortaliças e ornamentais. Os testes de vigor também receberam atenção, principalmente o de envelhecimento acelerado, tetrazólio, teste de frio, deterioração controlada e o de condutividade elétrica. Os testes de vigor são utilizados para o controle interno de qualidade nas empresas de sementes, embora não sendo exigidos para o comércio de sementes em termos legais.

    Merecem registro, também, pesquisas realizadas com testes para avaliação rápida da qualidade de sementes, como o de tetrazólio modificado, pH do exsudato, consumo de oxigênio e de embebição. Nos processos de produção, tecnologia de pós-colheita e de comercialização, há necessidade de decisões rápidas, cujos testes comentados anteriormente, podem ajudar. Conhecimento e rapidez fazem a diferença sobre vários aspectos do negócio de sementes.


    Produção

    O país necessita anualmente de mais de um milhão de toneladas de sementes de soja e mais de 250 mil toneladas de sementes de milho para uso dos agricultores. Estas quantidades de sementes devem ser produzidas com alta qualidade, pois semente não é grão que germina, requerendo tecnologias adequadas para sua obtenção. Neste sentido, também mais de 20% dos trabalhos apresentados foram sobre produção de sementes, destacando-se aspectos de formação e maturação de sementes, colheita, nutrição de plantas e sementes, vigor e controle de invasoras, entre outros.

    Há regiões no país que são mais favoráveis para a produção de sementes, assim como períodos do ano em é possível produzir normalmente sementes de alta qualidade, entretanto, há casos em que a produção ocorre em regiões com certo grau de desfavorecimento. Nestas ocasiões se reconhece o valor dos avanços tecnológicos obtidos nos distintos programas de pesquisa.

    Entre os maiores avanços tecnológicos podem ser considerados os de colheita no momento adequado, observando-se redução no grau de danificação mecânica nas sementes.


    Fisiologia

    Pesquisas em fisiologia de sementes representaram 18% do total das apresentações, restultado do forte trabalho de base que as instituições de ensino e/ou pesquisa estão realizando. O conhecimento de rotas metabólicas de processos de formação e maturação, desenvolvimento e superação de dormência são bastante úteis para a colheita de sementes e protocolos na avaliação da qualidade de sementes.

    Aspectos da embebição de sementes, processo de deterioração, absorção de nutrientes, efeitos da temperatura, luz e oxigênio e hormônios foram os principais itens pesquisados, muitos dos quais trouxeram valiosas contribuições. O conhecimento fisiológico é essencial para o desenvolvimento de tecnologias e a determinação de algo benéfico é seguida do desenvolvimento da tecnologia para sua obtenção em escala comercial. 


    Tecnologia de Pós-Colheita

    Neste assunto, situam-se os aspectos de secagem, beneficiamento e armazenamento de sementes, cujos trabalhos representaram mais de 10% do total. 

    Em termos de secagem, os trabalhos versaram principalmente sobre temperaturas e métodos de secagem, cuja novidade foi a utilização de ar frio desumidificado em secador estacionário e intermitente. A secagem é considerada como uma operação essencial. Em sementes de milho, é necessária em praticamente toda produção, pois o milho é colhido em espiga com 30-35% de umidade, para minimizar o processo de deterioração de campo. Por outro lado, em soja, o percentual de secagem das sementes está crescendo, estimando-se que já seja superior a 50% nas principais regiões produtoras de sementes do país. A secagem envolve conhecimentos das propriedades físicas do ar, das características e manuseio das sementes e do tipo de secagem. 

    Vários são os equipamentos utilizados para limpeza e classificação das sementes e cada um utiliza distintas diferenças físicas entre as sementes e os materiais indesejáveis. Os maiores avanços foram no aumento da eficiência do beneficiamento das sementes, com um mínimo de perdas, e a automação dos processos, como na máquina de ar e peneiras e na mesa de gravidade. 

    O outro processo de pós-colheita que recebeu muita atenção foi o esfriamento dinâmico das sementes. O efeito do frio no armazenamento é conhecido de longo tempo, entretanto o processo de esfriamento apresentou uma grande evolução, possibilitando que as sementes sejam esfriadas a granel, de forma eficiente e rápida. A eficiência está em que todas as sementes são esfriadas de forma uniforme e rápida, ou seja, num período de 2-3 horas é possível secar várias toneladas de sementes, de 30-35ºC para 12-15ºC.


    Tratamento

    As sementes devem ter alta qualidade e desempenho. Para a obtenção da qualidade se utilizam vários processos de produção, enquanto para o alto desempenho as sementes recebem uma ajuda externa, que se pode denominar de tratamento. Consiste em revestir a sementes com fungicida, inseticida, nematicida, hormônios, micro e macro nutrientes, polímeros, entre outros produtos. 

    A comunidade científica praticamente ratificou os efeitos benéficos do tratamento das sementes, com mais de 10% dos trabalhos apresentados no Congresso. Os trabalhos que receberam mais atenção foram os que envolveram aplicação de inseticida, micronutrientes e aplicação de polímeros. Outro aspecto pesquisado foi sobre a eficiência do tratamento, envolvendo dosagem, cobertura na semente e a ocorrência de falhas e duplos. Atualmente, para sementes de soja, em que mais de um milhão de toneladas de sementes são comercializadas por ano, mais de 30% das sementes já saem tratadas das unidades de beneficiamento de sementes (UBS), num processo conhecido como tratamento industrial. Este processo, além de propiciar um melhor tratamento, também possibilita a adoção de procedimentos para minimizar a contaminação do ambiente e a segurança dos operadores.


    Patologia 

    As sementes podem ser o veículo de transmissão de doenças, requerendo procedimentos para minimizar a sua disseminação. A comunidade científica organizada na ABRATES, com um comitê específico chamado de Copasem (Comitê de Patologia de Sementes), concentrou 7% dos trabalhos apresentados no Congresso.

    Os assuntos mais pesquisados foram os que envolvem a detecção do patógeno e seu controle, principalmente em hortaliças. Estudos com patologia de sementes necessitam de equipamentos bastante sofisticados e profundos conhecimentos de fitopatologia. Neste sentido, merece registro a palestra do dr. Suresh Behare Mathur, do Centro de Patologia de Sementes da Dinamarca, instituição que proporcionou o treinamento dos pioneiros em patologia de sementes no país na década de 1980 e fez com que, atualmente, toda equipe de tecnologia de sementes tenha integrado a ela um fitopatologista.


    Biotecnologia

Os avanços científicos da biotecnologia também já chegaram à área de sementes, onde muitos pesquisadores possuem seus projetos com suporte feito pelas organizações financeiras de pesquisa científica no país. No Congresso, 5% dos trabalhos envolveram a biotecnologia para diferentes aspectos, como atributos especiais das sementes que são regulados geneticamente e a identificação de sementes e de microorganismos. A biotecnologia permite a aceleração dos processos e a precisão das tarefas.

Os aspectos mais pesquisados foram a identificação molecular de atributos fisiológicos das sementes de arroz, que propiciam a germinação, a baixa temperatura e a grande profundidade no solo. E a identificação de materiais GM e de microorganismos que podem ser transmitidos pela semente. 

    Comercialização

    As pesquisas com a comercialização das sementes envolveram aspectos sobre a taxa de utilização de sementes pelos agricultores. Esta pesquisa envolve uma amostragem e pode ser realizada no local ou utilizando diversos meios de comunicação. A pesquisa in loco é mais trabalhosa, entretanto seus dados são mais confiáveis, pois a amostra de sementes retirada na caixa da semeadora não mente. Esta amostragem é conhecida como “Drill Box Survey”, em inglês.

    Outro aspecto de pesquisa em comercialização de sementes foi em relação ao sistema de sementes, envolvendo licenciamento e verticalização da produção e comercialização, propriedade intelectual e pirataria. 


    Culturas/Espécies

    Examinando a distribuição dos trabalhos de pesquisa por cultura ou espécie, se observa que a soja e espécies florestais receberam a maior atenção, com aproximadamente 20% dos trabalhos para cada um (tabela no texto). 

    O alto índice de trabalhos sobre a soja era de se esperar, pois trata-se da cultura com a maior produção de grãos do país e qualquer avanço científico ou tecnológico possui um grande impacto. Por outro lado, é estimulante observar que as outras culturas também receberam muita atenção, pois atualmente doze culturas representam mais de 80% dos alimentos, rações e fibras que consumimos. Neste sentido, merece registro o feijão caupi, que, no sul do país, é uma invasora ou planta forrageira e, no nordeste, é utilizado para alimentação humana.

    As pesquisas com sementes de espécies florestais também podem ser consideradas de bom tamanho, pois o país, com suas florestas Amazônica e Atlântica, o Cerrado e a Caatinga, possui uma diversidade genética que necessita ser identificada e preservada, sendo as sementes uma das grandes alternativas para acelerar o processo. Neste sentido a ABRATES possui um comitê específico para sementes de espécies florestais, de atuação bastante dinâmica, com várias publicações de importante cunho científico. 

    As forrageiras também se destacaram, entre estas, as de clima tropical, representado pelas brachiárias. O Brasil é o maior produtor e consumidor de sementes de forrageiras tropicais, com mais de 100 milhões de hectares de pastagem. Com a introdução de novas e melhores variedades e os avanços de produção, de beneficiamento das sementes e com a organização do setor, o país também se tornou o maior exportador de sementes destas espécies.

    Com a valorização das sementes de hortaliças, em que uma semente pode custar R$ 0,20, a qualidade e o desempenho das sementes tornou-se muito importante, pois uma falha na bandeja de mudas significa uma perda, e toda empresa que não tiver os devidos cuidados está fadada ao insucesso. Na tabela junto ao texto aparece a nomenclatura hortaliças e flores, pois essa é a dobradinha que as empresas utilizam para comercializar seus produtos. 


    Palestras

    O Congresso Brasileiro de Sementes é, tradicionalmente, composto também por palestras técnico-científicas sobre assuntos que estão em discussão pela comunidade ligada ao mundo sementeiro. Neste evento os temas versaram sobre o vigor de sementes, cujo resumo será apresentado em separado, a sanidade de sementes, sementes florestais e tratamento de sementes, entre outros. Também foram apresentadas palestras sobre a normatização da produção e comércio de sementes e o papel da Embrapa no contexto das inovações tecnológicas.

    Adicionalmente, os dados da pesquisa pública brasileira, composta por 47 unidades da Embrapa, 17 organizações estaduais de pesquisa e 47 universidades com unidades agrícolas. Estas instituições públicas possuem um alto potencial de contribuição com as inovações científicas e tecnológicas, pois possuem pessoal capacitado e verbas orçamentárias garantidas pelo governo. Entretanto, são enormes os desafios para implementação, no âmbito do setor público, de modelos de negócio compatíveis com a dinâmica e competência do mercado de sementes. 

    Neste contexto, foi preparado um projeto de lei que dispõe sobre a criação da Embrapa Tec, subsidiária integral da Embrapa, para atuação na comercialização de ativos de inovação na forma de tecnologias, serviços e direitos de propriedade intelectual, em interação com o mercado. A Embrapa possui 80 programas de melhoramento com diferentes espécies vegetais. Em geral, as empresas privadas de melhoramento trabalham com menos de cinco espécies, sendo as principais, milho, soja, arroz, canola, trigo, hortaliças e forrageiras.

    Os avanços científicos na área da biologia molecular, com a criação de materiais GM, foram imensos nos últimos anos; no entanto, os altos custos de desregulamentação e viabilização comercial destes materiais tendem a manter pequeno o número de empresas em mercados que adotam esta tecnologia. Neste contexto, a pesquisa pública também deve ser considerada para propiciar um equilíbrio, e a Embrapa já mostrou sua capacidade ao criar e desenvolver variedades de diversas espécies com o uso da biotecnologia. 


    A ABRATES promove e organiza o maior evento de sementes do país com foco em ciência e tecnologia de sementes, conhecido como Congresso Brasileiro de Sementes, que neste ano teve a sua 18ª edição. Foram mais 1.700 trabalhos apresentados, dos quais participaram mais de 3.000 pesquisadores, com ênfase em diferentes espécies e abrangendo diferentes aspectos. A principal cultura pesquisada foi a soja, devido à sua importância para o país, e os principais assuntos foram os testes para avaliação da qualidade das sementes e a produção.  


    Também colaboraram com esta matéria:

    Alberto Höfs e Dulce Mazer.

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