As patentes e a indústria de sementes

Edição XVII | 03 - Mai . 2013
Miguel Angel Rapela-rapela.miguel@gmail.com

    "título concedido pelo Governo ao autor de uma criação inventiva suscetível de utilidade comercial para efeito de garantir-lhe a propriedade e o uso exclusivo da mesma, durante determinado prazo, previsto na lei."

    O patenteamento é uma das formas de proteção da propriedade intelectual mais difundidas. O titular de uma patente recebe do Estado um direito exclusivo, pelo qual pode impedir que terceiros façam uso de sua tecnologia patenteada. Para isso, o titular da patente deve fazer uma divulgação pública total de sua invenção. Assim como, ao término do período da proteção a invenção deve tornar-se de domínio público. O titular da patente é o único que está em condições de fazer uso da tecnologia protegida e, como todo o direito patrimonial, pode alugá-la, licenciá-la, vendê-la ou trocá-la.

    O melhoramento genético assistido por marcadores moleculares e a biotecnologia moderna são disciplinas científicas cujo desenvolvimento técnico é altamente especializado e caro. Para obter uma variedade vegetal moderna que contenha os eventos biotecnológicos, deve-se investir uma grande soma em dinheiro, sendo lógico que as instituições públicas e as empresas privadas desejam proteger adequadamente as suas inovações.

    O objetivo de uma patente (e de todo o sistema de propriedade intelectual) é de estabelecer um intercâmbio e um equilíbrio. O intercâmbio é viabilizado no sentido de que o Estado outorga ao inventor um direito de exclusividade (patente); em troca, o inventor divulga completamente a sua invenção. O equilíbrio é uma forma de compensação do esforço e do dinheiro investido pelo inventor, estimulando ao mesmo tempo o avanço da inovação científica e tecnológica que beneficia toda a sociedade. Em resumo, a outorga de uma patente tem o propósito de promover o progresso tecnológico por meio de incentivo financeiro para o inventor, junto com a divulgação clara do invento que permita a sua reprodução por outros.

    A seguir, será apresentado uma série de questões relacionadas com a patente, devendo-se advertir que é um texto geral e que podem existir diferenças entre as legislações de cada país.


    O que é uma patente?

    A patente é um direito exclusivo outorgado pelo Estado a um inventor, o qual permite a este prevenir que qualquer outra pessoa fabrique, use, venda ou importe/exporte sua invenção por um período limitado de tempo.

        É notável como em alguns círculos mal informados se relaciona as patentes com um segredo ou algo oculto, quando justamente a raiz do sistema é o oposto disso. A patente exige que o solicitante torne público o seu invento através da solicitação de patente, e esta publicidade do que se protege deve ser tão clara e precisa que permita que um especialista na matéria, referida pela solicitação, possa reproduzir a invenção.

Também é comum associar as patentes com a ideia de uma ferramenta que gera monopólios ou oligopólios. Isto não é correto, os monopólios ou oligopólios podem gerar-se na inexistência completa do direito de propriedade. E, pelo contrário, as patentes são direitos exclusivos que tem um titular, limitadas no seu alcance e tempo, e sujeitas a restrições particulares que dependem de cada legislação.


    Quem pode ser o titular de uma patente?

    Os titulares de patente podem ser uma ou várias pessoas nacionais ou estrangeiros, físicas ou jurídicas, combinadas da forma que se especifique na solicitação. 


    O que se pode patentear?

    Reiterando que isso pode ser afetado pelas variações previstas nas legislações de cada país, a concessão de uma patente está condicionada pelo cumprimento dos critérios de patenteabilidade, pelos quais, em princípio, é possível patentear toda a invenção que reúna os critérios de: a] novidade, b) que seja o resultado de uma atividade inventiva (ou seja, que não seja óbvio para um especialista na matéria) e, c) que seja suscetível de aplicação industrial, ou seja útil.


    Qual a diferença entre descobrimento e invenção?

    O descobrimento é um achado de algo que estava oculto e secreto, ou era desconhecido, entretanto existia previamente. Por outro lado, a invenção é o produto ou processo derivado do intelecto humano ou manual ou de uma investigação fundamental aplicada, e está dirigida ao uso prático e à exploração industrial, e não existia previamente.

    Desta maneira, em princípio, não é factível de proteção mediante patente qualquer tipo de descobrimento científico.

    O que não se considera invenção?

» Ideias;

» Princípios teóricos ou científicos;

» Descobrimentos que consistem em dar a conhecer ou revelar algo que já existia na natureza, mesmo que anteriormente fosse desconhecido para o homem.

» Planos, esquemas ou técnicas comerciais de cálculos, jogos ou negócios, e os métodos matemáticos;

» Programas de computação;

» Formas de apresentação da informação;

» Criações estéticas e as obras artísticas e literárias;

» Técnicas cirúrgicas ou terapêuticas ou de diagnóstico aplicado ao corpo humano e os relativos a animais;

» Justaposição de invenções conhecidas ou mesclas de produtos conhecidos.


    O que não se pode patentear?

    A seguinte lista é válida para vários países, entretanto não todos. Por exemplo, nos Estados Unidos e Japão, é possível patentear material biológico. Não se pode patentear:

» Os processos essencialmente biológicos para a produção, reprodução ou propagação de plantas ou animais;

» O material biológico e genético tal como se encontra na natureza;

» As raças de animais;

» O corpo humano e as partes vivas que o compõem;

» As variedades vegetais.

    Observando de forma comparativa a legislação internacional de patentes, se constata que tem aumentado as normas internacionais que limitam e regulamentam as exclusões de patenteabilidade.


    O que são patentes biotecnológicas?

    São patentes concedidas sobre produtos ou processos relacionados com o material genético presente nas células de qualquer tipo de organismo vivo.

    Existe uma crença equivocada de que as patentes sobre substâncias inertes são um produto da biotecnologia moderna. Como expressa o especialista espanhol Enrique Lañez Pareja, “isso é um erro, já que a maior parte dos sistemas de patente do mundo tem concedido direitos sobre substâncias naturais, que podem ser isoladas e identificadas pela primeira vez em respeito a outras que formam mesclas complexas propiciando uma utilidade. A chave está em que a patente se concede não ao produto em seu estado natural e sim ao produto isolado e purificado. Assim, para ele, deve-se aplicar a atividade inventiva. Este é o caso de muitos medicamentos, começando pela centenária aspirina (1910), a adrenalina (1911) e seguindo com os antibióticos (desde os anos 1940 e 1950).”

    Em relação aos seres vivos, antes de 1980 não eram considerados patenteáveis, pois eram “produtos da natureza” ou não eram suscetíveis de descrição suficiente, tal como requer o sistema de patentes. Entretanto, nesse ano de 1980, a suprema corte dos Estados Unidos, no caso de Diamond vs Chakrabarty, formulou uma frase que posteriormente seria famosa: “Tudo o realizado abaixo do sol pela mão do homem é patenteável”, permitindo, assim, a proteção por patente de uma bactéria da espécie Pseudomonas. Em 1985, e sobre a base deste ditame, o escritório de marcas e patentes dos Estados Unidos estenderia a proteção por patentes a organismos vegetais superiores. 

    Na atualidade, a maioria dos países permite a patente de sequências de DNA, sempre que tenha sido possível demonstrar que não se está patenteando algo preexistente. As construções genéticas necessárias para os processos de transformação de plantas com o objetivo de desenvolver variedades transgênicas são consideradas, em geral, como material patenteável. Neste sentido, INPI do Brasil e Argentina, por exemplo, têm concedido dezenas dessas patentes.


    Como se obtém uma patente?

    Previamente à solicitação de uma patente, o solicitante deve fazer uma pesquisa para verificar se não existe nada igual, semelhante ou parecido ao que deseja patentear. Em outras palavras, deve estar medianamente seguro que sua solicitação cumprirá com o critério de novidade, que é um critério universal e não está circunscrito a um território (país) em que se apresenta a solicitação de patente.

    A solicitação de patente se inicia na instituição correspondente de cada país. Com as diferenças de cada legislação, em geral, a solicitação deve ser acompanhada de um informe descritivo das reivindicações de patente e dos pagamentos administrativos correspondentes.

    A solicitação deve descrever o produto ou o processo para o qual se necessita a proteção. A descrição é realizada com o fim de permitir a um especialista entender e colocar em prática a tecnologia. 

    As reivindicações devem permitir caracterizar as peculiaridades da invenção para a qual se solicita a proteção legal. São elas que estabelecem e definem os direitos de uma patente. As ilustrações, quando necessárias, têm por objetivo complementar as descrições, esclarecendo o conteúdo da invenção. O resumo deve ser uma descrição clara, com objetivos claros e concisos da patente.

    O escritório de patente de cada país analisará a solicitação para comprovar os critérios de patenteabilidade e que o processo ou o produto que se deseja proteger é matéria patenteável. Todo esse processo tem uma duração ao redor de cinco anos.


    Quanto tempo dura uma proteção de uma patente e desde quando começa a contar?

    O direito de exclusividade do obtentor de uma patente é de 20 anos e começa a contar desde a data da solicitação da patente.

    Este último dado é importante, pois levando em conta que o processo da concessão da patente pode durar cinco anos, a vida útil de uma patente é, na realidade, bastante menor que os 20 anos. Também deve-se observar que, para o caso do direito do obtentor sobre variedades vegetais, cujo prazo de duração também é de 20 anos (Brasil 15), este começa a contar desde o momento que se tem a variedade (não desde sua solicitação).

    Assim, é possível que existam casos em que uma variedade está protegida pelo direito do obtentor, entretanto o evento genético que contém pode estar vencido em sua proteção e é de utilidade pública.


    O que ocorre quando transcorrer o prazo de 20 anos?

    Uma vez cumprido o prazo de 20 anos, o titular da patente não dispõem de direitos para impedir sua utilização. Tecnicamente, se diz que a invenção passou ao domínio público e qualquer um pode utilizá-la livremente.


    Pode haver mais de uma patente em uma só variedade vegetal?

    Sim, e seguramente isto é uma regra geral e não uma exceção. Uma variedade vegetal comercial pode conter eventos transgênicos de distintas instituições e/ou empresas e, seguramente, atrás de cada evento há uma patente diferente. 

    Além disso, não há equivalência entre um evento = a uma patente. Um evento transgênico pode conter várias patentes, que cobrem processos ou partes particulares desse evento. Por exemplo, o famoso “arroz dourado”, com alto conteúdo de caroteno, está coberto por 70 patentes pertencentes a 32 instituições públicas e empresas. A patente do evento da soja 40-3-2, popularmente conhecido como RR, foi concedida com sete patentes.


    Uma patente obtida em um país é válida em outro?

    Não. As patentes, como todos os direitos de propriedade intelectual, são territoriais. Dessa maneira, são válidas somente no país que a concedeu. 


    Qual é a visão da International Seed Federation (ISF) sobre patentes?

    Em seu documento “ISF view on IP”, aprovado em assembleia em 2012, a entidade salienta que a proteção sólida e eficaz da propriedade intelectual (PI) é uma ferramenta que assegura o futuro do fitomelhoramento e as pesquisas necessárias para alcançar a crescente necessidade de alimentos, forrageiras, fibras e combustíveis, mantendo o meio ambiente. Tanto os direitos do obtentor como as patentes são necessários para estimular o amplo espectro da inovação nas ciências agrárias. O sistema mais eficaz de propriedade intelectual equilibra a proteção como incentivo à inovação e ao acesso para permitir a outros o melhoramento de variedades vegetais. Portanto, a ISF considera que a forma mais adequada de proteção de variedades se instrumentaliza através dos direitos do obtentor, que incluem as exceções ao agricultor e ao fitomelhorista. A exceção aos direitos do obtentor é um dos pilares fundamentais do sistema de direitos do melhorista. Quando se utilizam patentes no âmbito do fitomelhoramento, este equilíbrio pode ser alcançado desde que se preste atenção à definição de patenteabilidade ao alcance e à qualidade dos objetivos da patente, à duração da proteção de patentes e às exceções ao direito para investigação e obtenção.

    Para a ISF “o alcance e a complexidade das ciências agrárias, em especial no setor de obtenções vegetais e genéticas, têm-se expandido consideravelmente nas últimas décadas. Tem-se utilizado métodos sofisticados de fitomelhoramento baseados em tecnologias avançadas como os marcadores de DNA e as sequências de genoma, as quais aumentam as possibilidades de obtenção mais precisas e eficientes. Estes avanços têm reduzido consideravelmente o período de desenvolvimento de um produto em vários cultivos, e tem dado lugar a novas oportunidades e desafios para a indústria sementeira, em especial no campo de proteção da propriedade intelectual”.

    A ISF considera que “tanto os direitos do obtentor como das patentes constituem sistemas eficazes de proteção necessários para estimular a inovação”. Ambos os sistemas têm diferenças baseadas na natureza da inovação que protegem. Entretanto, a ISF considera que a forma mais adequada de proteção de variedades se instrumentaliza através do direito do obtentor.

    Os dois sistemas (Direitos do obtentor e Patentes) não podem harmonizar-se por completo, sendo fundamental assegurar uma interação fluida entre eles. Um requisito fundamental de todo sistema de propriedade intelectual consiste em obter o justo equilíbrio entre proteção como incentivo para a inovação e acesso para permitir a terceiros, futuros melhoramentos e inovação.


    Que pesquisa pode ser realizada com material patenteado?

A pesquisa que se pode fazer com material patenteado está dentro do que se considera tecnicamente como as exceções ao direito ao titular da patente, ou seja, aquilo que o titular não pode proibir que um terceiro faça com sua invenção. Assim, por exceções aos direitos do titular da patente se entendem as limitações impostas a esses direitos. Para a Organização Internacional da Propriedade Intelectual (OMPI) um exemplo adequado é a limitação com fins de pesquisa ou de docência universitária, que de outro modo violariam os direitos do titular.


    Como se aplica a exceção do fitomelhorador sobre o material patenteado?

    Especificamente sobre o material patenteado, a única exceção é a que se mencionou na pergunta anterior. Entretanto, tratando-se de variedades vegetais, a pergunta é complexa, pois como se aplica a exceção do fitomelhorador no caso de uma variedade protegida pelo direito do obtentor, que contenha pelo menos um componente patenteado?

    A resposta a esse dilema é extremamente complexa, entretanto a ISF entende que “durante a conferência que deu lugar ao 1º convênio da UPOV, em 1961, os membros fundadores acordaram por unanimidade o princípio de independência como base fundamental do sistema de direitos do obtentor. Isto significa que uma variedade nova e distinta é independente das variedades que se utilizaram para criar a dita variedade durante o processo de obtenção. Então, isto constitui um forte distanciamento dos sistemas de direito de patentes, que se baseava no princípio de dependência, ou seja, se uma patente constitui um conhecimento desenvolvido de outra patente, esta patente posterior depende da primeira patente. Os fundadores do convênio da UPOV consideraram que o princípio de independência era vital para estimular a inovação no fitomelhoramento”. 

    Em relação ao fitomelhoramento com uma variedade comercializada que possua um gene ou característica patenteada, a ISF considera que não deveria constituir-se violação à patente nas seguintes condições: se uma nova variedade vegetal resultante desse fitomelhoramento se encontra fora dos alcances das reivindicações da patente. Entretanto, se essa nova variedade desenvolvida se encontra dentro das reivindicações, não deveria efetuar-se nenhum ato comercial sem o consentimento prévio do titular da patente.


    O que é o tratado de cooperação em matéria de patentes?

    Quando um inventor desenvolve um processo ou um produto que pode ser patenteado, é consenso, por diversas razões econômicas ou estratégias de negócio, que deseje proteger também em outros países. Isto porque, como salientado anteriormente, a patente é de alcance territorial, devendo-se apresentar a solicitação por país.

    Há duas maneiras de se solicitar a proteção em outros países: a) diretamente no país onde se deseja a proteção, através de convenio de país; b) através do tratado de cooperação em matéria de patentes ou PCT (Patent Cooperation Treaty).

    O PCT é um tratado multilateral que permite a proteção por patente para uma invenção simultânea em outros países, através de uma única solicitação de patente internacional. Este tratado é administrado pela OMPI/WIPO e conta com cerca de 150 países signatários, entre eles o Brasil. Seu principal objetivo é simplificar e tornar mais econômica a proteção das invenções.

    No PCT, ao utilizar-se de uma única solicitação, a busca é realizada internacionalmente e válida para todos os países, junto com a opinião escrita sobre se a invenção cumpre com os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicabilidade industrial. O procedimento PCT não concede patente, mas facilita enormemente a parte administrativa para os solicitantes.


    Qual o futuro das patentes NA AGRICULTURA?

    Seguramente, as patentes seguirão sendo por muito tempo, e cada vez mais, uma parte importante relacionada com o desenvolvimento na área da genética vegetal, sementes e biotecnologia. Como toda a ferramenta de propriedade intelectual, sua aplicação deve ser feita de forma equilibrada, a fim de evitar tanto uma sobreproteção que impeça a essência do fitomelhoramento, assim como uma sobreproteção que anule os incentivos para mais e melhores variedades e biotecnologia. 

    Considerando estes princípios, as patentes e os direitos do obtentor podem coexistir de forma harmoniosa, para benefício de todos. 

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