O gestor do agronegócio e a felicidade

Edição XVII | 03 - Mai . 2013

    O que traz felicidade? Essa é uma pergunta que, certamente, vale mais de um milhão de dólares. Provavelmente, ninguém o saiba com exatidão. Quase tudo é especulação. Embora exista muita pesquisa em andamento sobre o tema, o que sabemos com relativa assertividade é exatamente o oposto: o que atrapalha a felicidade. Isso sim pode ser ventilado com algum nível de confiança.

    Já vai longe o tempo em que viver da agricultura era algo simples, sem os compromissos de agenda e a correria das necessidades diárias de mercado. Aliás, agenda, no imaginário daquela época, era algo desconhecido da maioria dos produtores. Na roça, quem se aventurava um pouco mais nesse sentido era tido como gente que queria aparecer, ser importante ou diferente. Tinha-se tempo para tudo e todos.

    Lembro-me uma ocasião, pelo final da década de 1970, quando ainda era apenas um menino interessado nas prosas dos mais velhos, que alguns vizinhos do meu pai ganharam passagens e foram para a Europa visitar uns parentes. Voltaram espantados da falta de colaboração, gentileza e cooperação desinteressada. Imagina, diziam eles, para visitar alguém, um amigo ou vizinho, é necessário avisar, marcar com antecedência. Agendar. Se não for assim eles nem te recebem. Foi assunto para muito tempo na vila.

    Interessante como, em menos de quarenta anos, nos profissionalizamos. De importadores passamos a exportadores, e de lá a empresários do agronegócio. Os mecanismos de comercialização tornaram-se complexos, mais seguros e menos dependentes do estado, assim como as estratégias de financiamento foram se estruturando a ponto de a União apenas ficar responsável por oferecer condições, mas não mais proporcionar apenas recursos financeiros.

    A tecnologia e o acesso a uma ampla gama de recursos proporcionaram saltos de produção e produtividade, aumentando nossos níveis de competitividade a ponto de se inverter o fluxo de “benchmark” na área agrícola. Enquanto lá atrás as cooperativas e os principais produtores se organizavam para visitar as propriedades e o agronegócio nos Estados Unidos ou na Europa, já há algum tempo são eles que organizam as visitas técnicas para conhecer o competitivo agronegócio brasileiro.

    Junto com toda essa pujança, contudo, veio o compromisso e a responsabilidade. De história produtivista, preocupados em unidades produzidas por área, passamos a nos preocupar com um emaranhado de indicadores de desempenho e passamos a ter a gestão felina como companheira diária. Foi necessário aprender a conviver com a competitividade sem folga, que também avançou lar adentro.

    Agenda e compromissos foram se tornando aspectos corriqueiros, mas que significaram mudanças drásticas no comportamento dos produtores. Inclusive, mexendo nos seus hábitos familiares, de conduta, de relacionamento com os filhos e cônjuges, de acompanhamento e convívio. Assim como no urbano, o rural foi apresentado ao mundo moderno da economia competitiva e as suas naturais e inevitáveis cobranças pessoais e familiares.

    Não conheço pesquisa que aborde o nível de satisfação ou felicidade no agronegócio, ou que o compare ao urbano. Mas que o mundo rural não é mais aquele de antes é fato. Gerenciar conflitos e necessidades empresariais, algo a que agora ambos devem estar acostumados, normalmente influencia negativamente, gerando uma pressão baixista decisiva nesses aspectos valiosos para o ser humano.


    Chefes, mas infelizes

    Talvez fosse oportuno replicar no agronegócio, com diretores e proprietários, uma pesquisa realizada há cinco anos pela Fundação Dom Cabral sobre o que pensam e sentem os presidentes e principais executivos das empresas no Brasil. Empiricamente, não creio que tenhamos muitas diferenças nos resultados.

    Embora de complexidade significativa, na oportunidade ficaram evidentes alguns pontos que também são notados frequentemente no agronegócio como efeitos colaterais do ingresso do agronegócio no mundo concorrencial e o nível de envolvimento dos gestores que coordenam essas empresas.

    Dentre esses aspectos que o sucesso cobra está, por exemplo, o sedentarismo que apareceu como um dos efeitos mais nefastos sobre a vida pessoal, com 70% de indicações. Na sequência, o adiamento dos projetos particulares (54% apontaram esse aspecto) é outro grande motivo de frustração. A partir de então se somam dificuldades de relacionamento familiar e comprometimento da saúde, motivados principalmente por distúrbios do sono e instabilidade emocional.

    Mas um último aspecto me chamou a atenção e parece encontrar paralelo nos personagens do agronegócio. Embora possuam uma network extensa, capaz de gerar inveja a qualquer um que entenda um pouco do poder das redes de relacionamento, acabam se sentindo sós. Têm dificuldade para emprestar confiança, revelando que eles parecem cada vez mais solitários e isolados, mesmo rodeados de uma multidão.


    Ócio é pecado

    Assim como no setor urbano, no agronegócio muita gente com oportunidades e aparente prosperidade pessoal, de bom poder aquisitivo, dá sinais de infelicidade. Vale lembrar que há um contrassenso entre oportunidade e felicidade. Várias pesquisas demonstram isso. Por outro lado, sabemos que a felicidade diz mais respeito a nós do que ao ambiente em si. Está mais relacionada ao nosso modo de enxergar o ambiente do que o que ocorre nele. Por isso, trata-se mais de preparação e gestão, do que de desenvolvimento e estrutura.

    Como afirma o ditado popular: “quem não se ocupa se preocupa” – referindo-se ao fato de que pessoas sem atividade laboral relevante e sem ocupação prática dão espaço para a filosofia dos problemas. Dão mais destaque para o erro do que para o acerto, ou ainda, buscam problemas ao invés de soluções. Mas também é sabido que o equilíbrio entre atividade e recompensa é fundamental.

    Vale lembrar que a humanidade eterniza, há muito tempo, a ideia de que sempre estamos correndo e muito ocupados para prestar atenção nas pequenas coisas, embora sejam realmente relevantes. Fica até estranho alguém dizer que está numa boa, com as coisas organizadas. Existe uma necessidade premente de sempre parecer que se está muito ocupado e correndo contra o tempo. É pecado irascível praticar o ócio naturalmente, mesmo que criativo, no ambiente competitivo atual. Talvez esteja mesmo na hora de tomarmos consciência disso e equilibrarmos o nosso tempo.

    

    Alimentar-se bem

    Barrigas proeminentes já não são exceção entre os principais gestores e empresários do agronegócio. Talvez pudéssemos começar dedicando um pouco mais da agenda à saúde. Nesse quesito, alimentar-se adequadamente parece ser um fato urgente.

    Não encontramos um nutricionista que seja contrário à afirmação de que a alimentação é essencial para uma vida saudável. 

   Várias pesquisas revelam que mais de 90% dos profissionais que ocupam altos cargos não conseguem manter uma alimentação equilibrada. Num paralelo, gerenciar grandes empreendimentos com níveis crescentes de complexidade pode começar por gerenciar adequadamente as suas próprias necessidades.

    Até a próxima.

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