Poucas vezes na nossa existência como espécie discutimos tanto quanto agora sobre os termos felicidade e sucesso. Nos últimos dez anos, esses temas se tornaram cada vez mais presentes, mas foi durante a pandemia que eles entraram definitivamente nas discussões do dia a dia.
Não é segredo para ninguém que o grande objetivo para tudo o que fazemos na nossa vida deveria ser a felicidade. Adicionalmente, um ponto em particular tem se tornado cada vez mais evidente e diz respeito ao fato de que não devem ser os objetivos em si alcançados após a jornada os motivos da felicidade e sim o processo.
Gostando da jornada
Daí a conclusão que muitas pesquisas têm chegado, a ponto de um dos livros mais badalados na última década, baseado na psicologia positiva, “O Jeito Harvard de Ser Feliz”, discutir exatamente essa questão e apontar que “primeiro precisamos incorporar o sentimento de felicidade para então alcançarmos o sucesso” e não o contrário, como se imaginava, de que o sucesso leva a felicidade.
Talvez por isso faça tanto sentido a célebre frase de Margaret Lee Runbeck, quando afirmou que “a felicidade não é uma estação aonde chegamos, mas um modo de viajar”.
Mas, a felicidade aparentemente virou um fardo. Chegamos ao nível de que se nos declararmos em dificuldades ou com falta de habilidades para resolver determinados problemas, damos sinais de leniência, de fraqueza e incompetência. Somos obrigados a sermos competentes e felizes no trabalho e nas nossas relações o tempo todo.
Mas não é sem razão. Felicidade tem a ver diretamente com produtividade, e as empresas estão percebendo isso crescentemente. A pandemia acelerou esse sentimento e escancarou essa realidade. Pegou todo mundo, do nível mais simples ao mais alto na hierarquia. Todos estão sofrendo, inclusive os CEOs e os demais do time de cima.
Esta pauta chegou ao ponto de a felicidade dos colaboradores se tornar assunto estratégico dentro de algumas organizações. Há empresas que chegaram a criar uma nova função C-Level específica para tratar disso: o Chief Happinnes Officer (CHO) ou simplesmente Diretor de Felicidade.
Precisamos uns dos outros
Mas, antes de tudo, como seres humanos e gregários por natureza, devemos lembrar que a base está no convívio e na interação entre os seres da nossa espécie. É algo inerente e um dos fatores fundamentais para que possamos manter essa perspectiva. Dito de outro modo, precisamos uns dos outros para sermos felizes.
É aqui que reside uma questão que, ao longo dos anos, tem ficado cada vez mais evidente: a solidão. A ponto de alguns autores e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) classificá-la como uma epidemia. Talvez você mesmo já tenha sentido seus efeitos, ainda que de maneira sutil, em algum momento de sua vida.
Alguns aspectos têm contribuído para isso. Dentre eles, as mudanças recentes nos padrões de vida entre nós. Mas há evidências de que o fenômeno começou já há algum tempo e está principalmente relacionado ao desenvolvimento da tecnologia.
Há não muito tempo a solidão era vista simplesmente como uma condição pessoal, uma escolha comportamental sem grandes impactos na sociedade, mas agora está emergindo como mais um grande desafio de saúde pública que transcende as fronteiras do individual e se insere no coletivo.
Para termos uma ideia, segundo uma pesquisa americana, de 2003 a 2020, o isolamento social médio entre os cidadãos cresceu 17%. Outras pesquisas apontam que mais de 40% dos americanos, 36% dos brasileiros, 30% dos chilenos, dentre outros pesquisados, disseram se sentir sozinhos.
No andar de cima, a solidão aumenta
É importante lembrar que, para compreender a extensão desse problema, devemos levar em consideração ao menos dois aspectos: 1. a solidão aumenta à medida em que subimos na hierarquia empresarial, atingindo o time do topo, gestores, diretores, que tem cada vez menos pessoas para trocar ideias e satisfazer suas necessidades de interação social confiável; 2. que ela entremeia os ambientes pessoal e profissional, afinal, é no local de trabalho que passamos grande parte de nossos dias, e ele não está imune aos efeitos da solidão.
Quase como um círculo vicioso, pesquisas demonstram que profissionais que se sentem solitários frequentemente experimentam uma queda em sua produtividade, são mais propensos ao absenteísmo e tendem a apresentar um desempenho inferior em comparação com seus colegas mais conectados socialmente.
Não é difícil de entender isso. Uma das explicações pode residir exatamente na nossa natureza social. Somos animais que progridem na interação e na colaboração uns com os outros. Logo, com baixo contato humano, privados ou não conectados socialmente, a nossa motivação, a criatividade e o próprio bem-estar são afetados.
Antes dos impactos econômicos ou financeiros, lembremo-nos de que é a felicidade das pessoas que mais importa, mas esta percepção deve servir como um alerta indelével de que a solidão é um desafio econômico e pessoal, exigindo uma resposta coletiva.
Criando as condições
Por isso, é cada vez mais importante que empresários e líderes cuidem de si e, ao mesmo tempo, deem a devida atenção a ambientes de trabalho saudáveis e conectados, implementando políticas que incentivem a interação social entre colaboradores, a segurança psicológica e o apoio ativo à saúde mental de suas equipes.
Individualmente, cada um de nós pode contribuir, se esforçando para atuar com empatia, boa-fé e ética. Pequenos gestos de bondade e compaixão podem ter um impacto significativo no combate à solidão, na melhora da qualidade de vida e na própria competitividade.
Devemos lembrar que a verdadeira conexão humana não pode ser substituída por likes ou compartilhamentos. É hora de reconectarmos uns com os outros e construirmos comunidades mais fortes e mais resilientes. Você pode começar cumprimentando seu colega genuinamente e talvez convidando-o para um café.
Até a próxima.