Quando Cristóvão Colombo colocou seus pés pela primeira vez na ilha hoje conhecida como Cuba no século 15, ele ainda buscava as especiarias e temperos típicos da Índia. Por isso, enviou uma delegação para investigar o interior da ilha. Após alguns dias, os homens retornaram com pouco mais do que alguns grãos de milho que estavam nas mãos dos índios.
Milhares de anos haviam separado estes povos de cada lado do Oceano Atlântico, e Colombo ainda não fazia ideia do quanto este grão, que havia sido extensamente selecionado da planta do teosinto safra após safra por vários séculos na América Central, iria revolucionar a dieta alimentar por todo o mundo.
Este mesmo milho viria a ser o pivô de outro salto de tecnologia no século 19. O conhecimento sobre hibridação havia evoluído muito desde então, e esta gramínea de polinização aberta (alógama) era a candidato perfeita para colocar a teoria em prática, o que elevaria sua produtividade da cultura em até dez vezes.
Desde então a tecnologia de hibridação se tornou tão atrativa que pesquisadores investem muito tempo e recursos para implementar o mesmo princípio em espécies de polinização fechada (autógamas), como o arroz e até mesmo a soja.
Desde o último século, a maneira como cultivamos e produzimos alimentos teve transformações absolutamente impressionantes, com impactos nunca vistos ou documentados nos últimos 10 mil anos.
• De arados puxados por cavalos a tratores guiados por GPS. • Da movimentação e erosão do solo ao plantio direto e cultivo mínimo. • Da adubação com esterco animal à síntese de amônia de Haber-Bosch. • Da capina manual ao controle químico de plantas daninhas. • De inseticidas aplicados com “costal” manualmente a drones especializados. • Da distribuição esparsa de fertilizantes à agricultura de precisão. • Da irrigação inconstante ao controle preciso da água por metro cúbico. • De etiquetas de produto a códigos de barra com rastreamento por toda a cadeia. • De plantas grandes com poucos grãos a plantas de porte menor com mais grãos. • De plantas suscetíveis a doenças a plantas resistentes e tolerantes a até mesmo insetos. • De plantas com poucas vitaminas e minerais a vegetais biofortificados. • De sementes frágeis àquelas protegidas por recobrimento e tratamento químico.
No seu conjunto, a agricultura tornou-se maior e muito mais eficiente. Essas transformações produziram alimentos em abundância para todo o mundo!
No entanto, os benefícios da modernização agrícola, não são só econômicos, mas também ambientais. O crescimento da produtividade agrícola reduziu os preços dos alimentos; reduziu a pegada de carbono do leite, do frango, da carne bovina e de muitos outros produtos; reduziu o uso da terra; e levou a uma utilização muito mais eficiente dos recursos, os quais são escassos em sua grande maioria.
Este milagre moderno da abundância agrícola deve muito a mais de um século de financiamento em pesquisa e desenvolvimento agrícola (P&D).
Ao longo do último século, inclusive, o número de trabalhadores rurais diminuiu bastante devido aos avanços tecnológicos, à migração urbana, às mudanças no uso da terra e à diversificação econômica, principalmente em países desenvolvidos.
O agronegócio é, hoje, uma indústria que representa 7,8 trilhões de dólares mundialmente e é responsável por empregar mais de 27% da população global. Porém, este número já foi ainda muito maior no fim do século 20 (próximo a 40%), sem falar do período prévio à revolução industrial (1760 a 1850), que envolvia a grande maioria da população nas atividades rurais.
Nos EUA, por exemplo, 41% da força de trabalho estava empregada na agricultura em 1900. As fazendas eram pequenas, diversificadas e incrivelmente intensivas em mão-de-obra. Juntamente com o grande número de trabalhadores, a economia agrícola americana da virada do século também utilizou 21,6 milhões de animais para os trabalhos. Em 1945, a percentagem da força de trabalho agrícola nos EUA já havia se reduzido para mais da metade; no final do século 20, a agricultura empregava menos de 3% dos trabalhadores dos EUA.
No caso da África, por outro lado, estima-se que mais de 60% de toda a população da região subsaariana consista em pequenos agricultores, com cerca de 23% do PIB da região sendo proveniente diretamente da agricultura.
Em relação à indústria de sementes, uma de suas principais características é a sua intensidade em P&D. Os gastos com P&D variam amplamente entre as empresas, desde o baixo zero até cerca de 30% da renda. Essa variabilidade mostra como a P&D é um importante diferenciador estratégico entre as empresas. Apenas com uma média de 15%, isso torna a indústria de sementes uma das indústrias mais intensas em P&D no mundo, a par do setor farmacêutico. Isso, por sua vez, se reflete na rápida taxa de progresso tecnológico, favorecendo os agricultores por todo o mundo.
“Poucas outras indústrias podem se gabar de investir até 30% de seus lucros em pesquisa", comenta Marco van Leeuwen, atual presidente da Federação Internacional de Sementes (ISF). Ele exempifica que somente na União Europeia são lançadas, anualmente, mais de 2,5 mil novas variedades, existindo mais de 45 mil variedades registadas no catálogo europeu e mais de 200 mil em todo o mundo.
Globalmente, o tamanho do mercado de sementes é de 60 bilhões de dólares, com milho e soja representando a maior fatia. Na União Europeia, a indústria da pecuária, por exemplo, vale mais de 7 bilhões de euros e emprega cerca de 50 mil pessoas, um quarto delas dedicadas especificamente à pesquisa.
A Bayer, uma das empresas mais antigas a atuar no setor agrícola, têm investido significativamente no mercado de tecnologia agrícola. Em 2018, a multinacional alemã concluiu a aquisição da Monsanto com um investimento de 63 bilhões de dólares. Com isso, hoje, o setor de ciência agrícola da empresa tem uma receita financeira em torno de 24,77 bilhões de dólares por ano, sendo o principal setor de atuação e responsável por 48% do lucro bruto total, seguido do setor de farmacêuticos (38%), e saúde do consumidor (12,5%).
Como é de se esperar, ao olharmos o histórico das empresas, percebemos que o investimento em P&D também cresceu nos últimos 10 anos. Em 2023, por exemplo, a Bayer gastou 6,27 bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento sob todas as suas áreas de atuação, o que corresponde a mais de 18% da despesa anual; em 2013, cerca de dez anos atrás, a despesa com P&D foi de 16,4% das despesas totais.
Infelizmente, a empresa tem tido altas despesas com os litígios envolvendo o herbicida Roundup Ready (RR) por todo o mundo. No início do ano por exemplo, um júri do tribunal da Filadélfia (EUA) ordenou que a Bayer pagasse 2,25 bilhões de dólares a um homem da Pensilvânia que disse ter desenvolvido câncer por exposição ao produto (valor que provavelmente será reduzido após apelação porque excede as orientações da Suprema Corte).
Com isso, a Bayer apresenta uma situação financeira delicada no momento, gastando mais em litígios do que em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos a cada ano. Por isso, a estratégia do novo CEO da empresa, Bill Anderson, é de levar os casos a julgamento, citando um histórico de ter vencido 10 dos últimos 16 casos. Afinal, a empresa nega firmemente que o produto cause câncer e argumenta que, sem ele, a alimentação de uma população crescente estaria comprometida.
A BASF, por outro lado, sua concorrente alemã em muitos mercados por todo o mundo, possui uma participação menor do setor de “soluções agrícolas” dentro da receita total da multinacional. Tendo gerado mais de 78 bilhões de dólares em 2023, o agronegócio contribuiu com 10,5 bilhões deles, o que corresponde a 13,4% do lucro bruto total. Isto ocorre porque a empresa conta com outras áreas de atuação, como químicos, materiais e tecnologias de superfície. Tendo isto em consideração, a BASF gastou 2,23 bilhões de dólares no último ano em P&D, o que corresponde a 13% das despesas totais. Em 2013, as despesas da área eram apenas um pouco inferiores (10%).
A Syngenta, que custou 43 bilhões de dólares à ChemChina em 2017, se tornou uma empresa de capital privado desde então. Com isso, suas informações financeiras são menos acessíveis ao público em geral. Porém, segundo o relatório resumido da companhia relativo a 2023, 8,85% das despesas totais são em P&D, enquanto que sua receita bruta foi de 19,2 bilhões de dólares, com lucro de 6,9 bilhões no ano (após descontar custo com operação de venda).
A fusão da Dow e da DuPont em 2017 culminou na criação da Corteva, uma empresa completamente dedicada ao agronegócio. Suas áreas de atuação se dividem apenas em Sementes e Proteção de Cultivos, as quais geraram uma receita bruta em 2023 de 10,36 bilhões e 7,94 bilhões de dólares, respectivamente. Desde então, o investimento anual em P&D tem sido ao redor de 20% das despesas, o que corresponde a 1 bilhão e 450 milhões em 2023.
A LongPing e o CITIC Agri Fund, por sua vez, decidiram ingressar no mercado brasileiro, através da aquisição, em 2017, do setor de produção de sementes de milho anteriormente pertencente à Dow Agrosciences, pelo valor de R$ 3,5 bilhões. Desde então, a empresa vem exercendo sua presença no país por meio de duas marcas, a Morgan e a recém-criada Forseed.
Em 2023, o grupo chinês teve uma receita total de 1,32 bilhão e lucro bruto de 500 milhões de dólares. Sua despesa com P&D foi de 100 milhões de dólares, ou seja, também 20% das despesas totais no ano.
Uma das maiores empresas de sementes de hortaliças no mundo, a Sakata Seed, dedicou 7,3% das despesas em P&D no ano passado. Sendo uma empresa de capital aberto no Japão, sua receita total em 2023 se aproximou de 530 milhões de dólares, com um lucro bruto (após despesas com operação de venda) de 330 milhões.
Apesar de muitas diferenças entre estas grandes empresas, podemos dizer que todas tem algo em comum. Segundo Marco Van Leewen, presidente da ISF entre 2022 e 2024, aproximadamente 50% dos recursos gastos em P&D relacionados à agricultura nos últimos anos têm sido no melhoramento vegetal para resistência a pragas e doenças, principalmente com o avanço das preocupações com mudanças climáticas por todo o mundo.
Por fim, a EMBRAPA, empresa estatal brasileira, teve um orçamento aprovado de 650 milhões de dólares em 2022, sendo que 40 milhões deste montante foram destinados para P&D, correspondendo a 6,6% das despesas. Esta verba se dedica basicamente a duas ações denominadas de: a) Pesquisa e Desenvolvimento de Tecnologias para a Agropecuária e b) Transferência de Tecnologia para Inovação para a Agropecuária.
Sendo uma estatal, é importante considerar que, na execução de seu portfólio de pesquisas, a Embrapa está condicionada à liberação de recursos diretos do governo federal, a qual, por causa das condições fiscais do País e de seu planejamento orçamentário, é prejudicada por interrupções ou ajustes ano a ano. Porém, ainda assim, mantém o compromisso com a pesquisa e desenvolvimento agrícola.
O mesmo pode ser dito das demais empresas aqui mencionadas, dentre as quais, mesmo com prejuízo ou margem de lucro reduzidas, mantém um investimento mínimo em pesquisa e desenvolvimento, a fim de suportar o seu crescimento.
Afinal, a história já demonstrou inúmeras vezes que não importa o tamanho de uma empresa ou relevância de seu produto, se não houver evolução e velocidade de adaptação, a sua participação nestes mercados tão dinâmicos irá se reduzir até “sumir do mapa”.