Produzir, mas a que custo?

Edição XXVIII | 02 - Mar . 2024
Jean Carlo Possenti-jpossenti@utfpr.edu.br
   Na economia liberal, a primeira preocupação do empresário geralmente está voltada com o custo de produção, sendo que no Brasil o volume de negócios é movimentado com recursos e investimentos predominantemente privados. Neste sentido, estes precisam ser atrativos, ou seja, remunerar o capital investido. 

   Nas aulas de economia ainda no Ensino Médio, já nos era ensinado que para um empreendimento ser viável economicamente e da mesma forma atrativo precisaria, em linguagem simples, ser lucrativo. 

   Apesar de toda a modernidade tecnológica, os conceitos dos fatores de produção elaborados pelo economista francês Jean-Baptiste Say (1767-1832), Terra, Trabalho e Capital, mesmo com adaptações, ainda são os mesmos e aplicáveis na economia. Sendo ele um economista e empresário liberal, seus conceitos deram origem a conhecida Lei de Say, ou Lei dos Mercados, na qual prega-se a livre concorrência.

   Desta maneira, temos que a atividade sementeira tem como horizonte final a geração de lucros, para remunerar o capital investido. Assim tem-se a sustentabilidade da atividade. Ao serem calculados os custos de produção das sementes, diversos são os componentes envolvidos. Podemos aceitar que para sementes de espécies como ornamentais, olerícolas, forrageiras, plantas de cobertura, dentre outras, embora também complexo, o cálculo do custo de produção não necessariamente necessita estar atrelado aos preços das commodities produzidas por estas espécies.

   Entretanto, quando a discussão é relativa à formação dos custos de produção de sementes das culturas produtoras de grãos, a situação torna-se mais complexa. Pois, além de todos os demais fatores que compõem o preço final, especial atenção deve ser voltada para os preços das commodities. 

   Ao tempo em que estamos redigindo este ensaio, especificamente com a cultura da soja, o mercado interno está experimentando preços da commodity muito abaixo daqueles que estavam sendo praticados há pelo menos duas safras. 

   A colheita da safra nacional desta aleuro-oleaginosa está em andamento neste momento no Brasil, e os levantamentos atuais sinalizam significativas perdas na produtividade. 
Entidades representativas do setor produtivo reclamam, por hora, que os valores previstos para serem colhidos, e que obviamente estão influenciando as cotações, estão inflacionados. Verificam-se, contudo, os números apontados pelo quinto levantamento de safra realizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), de uma previsão de colheita para soja ao redor de 149,4 milhões de toneladas, isto já com uma revisão para baixo de quase 6 milhões de toneladas. Por outro lado, outra importante fonte, o relatório de acompanhamento de safras USDA, também recentemente publicado, já é mais conservador, com apontamento de 156 milhões de toneladas para a safra brasileira, números acima das expectativas do mercado. 

   Os atores do mercado da soja, por certo, acompanham valores de produção e demanda da commodity, vendo que, apesar de previsões de incremento no consumo mundial ainda para a próxima safra, os estoques de passagem também sobem. Mas como isto poderia estar acontecendo? Qual seria a matemática, uma vez que a safra do principal produtor mundial está sofrendo reveses em função das condições climáticas proporcionadas pelo fenômeno El Ninõ e apontadas pelos levantamentos? 

   Entra nesta conta uma produção por parte da Argentina, saindo da casa das 25 milhões de toneladas da safra passada para uma expectativa de colheita neste ano ao redor de 50 milhões de toneladas. Em uma conta simples são em torno de 25 milhões de toneladas de soja extras sendo colocadas à disposição do consumo mundial neste ano. Assim, poderíamos perguntar: o que aconteceria com os preços internacionais da soja acaso a safra brasileira atingisse os valores inicialmente projetados ao redor de 162 milhões de toneladas? 

   Bom, ainda há muito a acontecer, pois tanto a safra brasileira como de seus demais vizinhos latino-americanos está rumando para ser colhida na totalidade; os agricultores norte-americanos, por sua vez, fazem contas para o próximo plantio de verão que se aproxima, fatores que podem embalar o mercado em águas agitadas pela frente.

   Para relembrarmos aos nossos leitores, o cálculo do preço da commodity soja pago nos portos brasileiros leva em consideração, a cotação spot e/ou futura da Bolsa de Chicago (CBOT), o prêmio de exportação, calculado basicamente em função da logística interna e dos portos, e da cotação do dólar americano. Já para internalização, entra nesta conta o custo da logística.

   Retomando ao título deste ensaio, ao fazer as contas do consumo de sementes de soja para o próximo plantio e que certamente já estão sendo feitas, os sementeiros devem levar em conta a média nacional de área plantada com a cultura, ao redor de 45 milhões de hectares. De maneira mais simplista, usando uma taxa de utilização de sementes (TUS) para o país todo, aproximada em 70%, conclui-se numa demanda aproximada de 1,5 milhões de toneladas de sementes. Seria este o tamanho do nosso mercado de sementes comerciais de soja para a próxima safra?

   Independente da maneira de realização e da assertividade dos números obtidos, os cálculos necessitam ser feitos. Gestão faz parte do marketing, e marketing se faz todo dia, principalmente, em épocas de crises, pois devemos nos lembrar que nossa economia adota o modelo de livre concorrência.

   Para o sementeiro que vinha nas últimas safras comercializando sementes de soja com valores ao redor ou até acima de R$10,00/kg e assim, com certeza, cobrindo todos seus gastos, a expressão C=P-L (Custo = Preço - Lucro), conhecida por “Target Coast”, passa a ser extremamente aplicável e necessária em seus cálculos. 

   Estamos assistindo à produção de sementes adotando novas tecnologias de maneira muito rápida. Inteligência artificial, melhoria e automação dos processos não são mais assuntos a serem apresentados como inovadores e futuristas. É o presente. Aqueles que não assumirem ou o fizerem de forma lenta sofrerão de forma mais acentuada. Mas tecnologias que ajudam na produção entram na matriz dos custos e despesas. De tal forma, precisam ser contabilizadas e entendidas.

   Concluindo o raciocínio, ressalta-se a necessidade do entendimento dos conceitos e também das ferramentas de gestão financeira por parte das empresas sementeiras, independente dos nichos de mercados em que atuam.
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