O quiet ambition chega ao agro

Edição XXVIII | 02 - Mar . 2024
   O ambiente empresarial está repleto de novos comportamentos que não podem e nem devem ser negligenciados. Termos expressões que têm origem na atenção adicional dada à saúde mental, sendo que alguns surgiram e outros se intensificaram com a pandemia e têm a capacidade de afetar não apenas os negócios no presente, mas influenciar as organizações e suas atividades no futuro.

   O agro não está imune a esses movimentos. Pelo contrário, cada vez mais importante, integrado e interconectado com os sistemas complexos que movem a economia através do fluxo de recursos, informações, produtos e serviços, é um setor que impacta e é impactado por esses movimentos.

   Nesse sentido, primeiro veio um trio em sequência, com o quiet quitting (demissão silenciosa), depois o quiet firing (exclusão silenciosa), quase como uma espécie de resposta das empresas ao comportamento dos colaboradores, e, por fim, veio o quiet hiring (contratação silenciosa).

   Somam-se ainda o burnout, seja ele digital ou não, o anywhere office, que é primo da cilada ‘nomadismo digital’ (este menos comum no agro), dentre muitas outras expressões e movimentos que estão surgindo com frequência cada vez maior e criando tensão sobre a competitividade das organizações. Mas tem muito mais por aí.

   O quiet ambition chegou
   Nessa toada, estamos num movimento recente por aqui: o quiet ambition, que tem ganhado força com a Geração Z e os Millennials, no momento em que elas estão cada vez mais presentes nas empresas, nos diferentes níveis organizacionais, podendo gerar alguma preocupação sobre o futuro dos negócios.

   Em tradução livre, quiet ambition significa ambição silenciosa, o que em síntese define os novos objetivos dessa geração que não possuem mais o interesse inquietante de assumir cargos de liderança ou gestão como as gerações anteriores, dado que esses profissionais entendem que o sucesso como era visto, já não é mais uma prioridade em si e, sim, a qualidade de vida, com foco no bem-estar e na saúde mental.

   Em detalhe, uma das características comportamentais da Geração Z é a de que os termos ‘sucesso profissional’ e ‘ambição’ mudaram de significado. Antes percebidos como algo relacionado a metas e objetivos de carreira, normalmente no sentido de remuneração, hierarquia e responsabilidades, oriundo de esforço, disciplina e determinação, agora aparentemente têm mais a ver com propósitos e significados pessoais, alinhado com os valores e interesses de cada momento de vida.

   É verdade que a maioria das pesquisas nesse sentido tem vindo de países desenvolvidos, mas essa nova realidade é inconteste e amplamente percebida pelas empresas também aqui no Brasil. Temos vivido isso claramente nos trabalhos de hunting e mentoria.

   De qualquer forma, diferentes pesquisas têm demonstrado que na lista de prioridades desses profissionais vêm (i) passar mais tempo com a família e amigos, (ii) ter saúde física e mental e (iii) viajar. Um percentual muito pequeno coloca como foco principal se tornar um gerente ou se tornar um executivo no alto da pirâmide.

   O impacto nas empresas e na sucessão geracional
   Esse movimento possui desdobramentos em várias áreas. Importante entender que não resolve torcer o nariz, esconder a realidade ou discordar dos profissionais que têm esse entendimento. Vamos trabalhar com a realidade que aí está, mitigar e capitalizar.

   De forma prática, como consequência, primeiro sente-se a falta de profissionais capacitados para ocupar cargos de gestão, já que a qualificação nesses níveis requer um processo contínuo e principalmente o desejo de avanço por parte do colaborador.

   Como consequência, isso pode deixar as equipes sem líderes ou mesmo sem pessoas capazes de ocupar essas posições quando a dança das cadeiras for necessária. Além disso, empresas com poucos profissionais que desejam crescer e ascender na pirâmide dos cargos e funções faz com que deixem sobrecarregados aqueles profissionais que já estão nas respectivas posições de liderança.

   Vale dizer que isso também pode significar que alguns colaboradores, além de não terem a pretensão de crescer nesse modelo, ainda estão dispostos a trocar os cargos mais altos e o sucesso profissional que muitas vezes até já ocupam para ter mais tempo livre com atividades que entendem mais prazerosas, dentre elas, projetos alternativos e até carreiras-solo.

   Ou seja, torna-se cada vez mais evidente a escassez de talentos, intensificando os problemas para a sucessão dos seus atuais gestores, o que vai piorando à medida que essa nova visão se consolida no ambiente corporativo.

   E como se não bastasse, existe ainda outro ponto pernicioso desse movimento quiet ambition que é a falta de interesse de filhos e herdeiros na gestão e ou sucessão dos negócios. Ou seja, ele não se restringe apenas aos colaboradores contratados, mas transcende essa realidade, dado que estamos falando de toda uma geração e de como boa parte dela percebe suas prioridades de vida e carreira.

   Como mitigar?
   Primeiro é importante lembrar que as dificuldades para alguns normalmente representam grandes oportunidades para outros. Isso vale tanto para os profissionais que possuem uma visão mais ampla e desejam subir a pirâmide; estes provavelmente o farão de modo mais rápido pois terão amplas oportunidades nesse sentido. De outro, as empresas com maior capacidade de atração e visão humanizada da gestão também levarão vantagens adicionais no recrutamento de talentos. Por fim, mais competitividade à vista.

   Porém, esperar o problema se intensificar nunca é uma boa. Logo, a primeira decisão a tomar para minimizar o momento é levar à sério os interesses genuínos dos profissionais, o que significa entender os principais motivadores e com isso preparar o pipeline de liderança (escada de ascensão). 

   Se os conceitos de sucesso profissional e ambição foram redesenhados, também é necessário que as práticas de atração e as estratégicas sejam urgentemente repensadas nas empresas.

   Por isso, como eu sempre afianço, a primeira grande decisão é se interessar verdadeiramente pelas pessoas, seus propósitos, suas motivações, relações e suas competências. 

   O que é fundamental e óbvio para você talvez não seja para os outros. Logo, o interesse genuíno sempre faz um grande trabalho, principalmente no sentido de descobrir os principais incentivos dessa nova geração de colaboradores.

   Até a próxima.

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