Os executivos devem entender do negócio ou de negócios?

Edição XXVII | 04 - Jul . 2023
   Qualquer executivo sempre está no limbo. Sejam executivos do agronegócio ou fora dele, vivem diferentes dilemas ao longo de suas carreiras. Um deles é a constante necessidade de gerar resultados, de atuar com eficácia, do aqui e agora, agindo de modo diligente. De outro, está a ampla e atualizada visão de futuro que os stakeholders esperam e exigem.

   Como se não bastasse, o presente e o futuro estão embaralhados pelos disruptivos avanços tecnológicos, e seus limites tornam-se cada vez mais complexos, dificultando a definição das estratégias a serem empreendidas.

   Com isso, somam-se, de modo inconteste, as necessidades de novas qualificações, que não se limitam aos gestores e profissionais dos andares de baixo. Nas posições de cima da pirâmide, também são requeridas novas competências e novas habilidades, que antes poderiam ser eventualmente negligenciadas ou sequer existiam.
Assim, se estes profissionais quiserem se manter atraentes no ambiente dinâmico e competitivo em que atuam, devem ampliar a visão sobre suas skills e seu campo de atuação. Não podem se dar ao luxo de esperar pelas oportunidades para então buscar a preparação. Antecipação tem sido a palavra-chave.

   Vindo de outra área
   No início da minha carreira profissional, ficava impressionado quando percebia executivos de áreas específicas como saúde e automobilística, por exemplo, migrarem para atuar no setor financeiro ou outro, fora do seu ambiente de conforto.

   Para mim, antes que eu chegasse ao nível pleno profissional, era algo difícil de admitir, dado que a capacidade de entendimento nessa fase colocava as especificidades como um grande fator de dificuldade para simplesmente sair de uma empresa, de um setor, e assumir essa mesma posição noutro.

   Essa realidade foi se intensificando, mudando gradativa e continuamente, inclusive no agronegócio. Lembro-me de quando fui chamado por um dos maiores grupos empresariais do agronegócio brasileiro, há mais de 20 anos, para desenvolver um programa de treinamento de líderes para todo o nível estratégico de suas unidades, e o diretor da área de produção agrícola pediu uma reunião para me conhecer.

   No desenrolar da conversa, me perguntou o que eu entendia como um dos principais desafios na gestão das organizações do agronegócio naquele momento de profissionalização que o setor vivia.

   Naquele nível de atuação que era o executivo, próximo do topo da pirâmide hierárquica, apontei o fato de que o agronegócio estava “importando” muitos profissionais de outros setores, no afã de subir a régua e melhorar a competitividade, sem a devida integração e adaptação ao negócio ou ao chão de fábrica. Citei alguns exemplos de profissionais que não haviam obtido o sucesso esperado ao tentarem essa transição, por não conhecerem a realidade do agro.

   Ele riu e prontamente concordou comigo. Para minha surpresa, acrescentou, me informando que ele próprio era um exemplo clássico desse meu receio: vinha da área estratégica de um grande banco do setor financeiro, altamente competitivo, ágil e procedural, e havia encontrado muitas dificuldades para adaptação recíproca no agronegócio.

   Na sua opinião, o que lhe salvou até ali foram: (i) a humildade em reconhecer naturalmente essa falta de conhecimento específico; (ii) a ampla visão do mundo dos negócios que ele possuía; (iii) os anos de experiência em gestão de conflitos e formação de equipes; (iv) e a grande capacidade de liderança, sobretudo a habilidade em comunicação e engajamento.

   O dilema
   Recordar essa história me fez pensar um pouco sobre o dilema atual que os executivos enfrentam, desafiando-os a de um lado “entenderem do negócio” em que atuam ou de “entenderem dos negócios”. Pode até parecer uma questão de semântica apenas, mas vai muito mais além.

   A realidade mais que evidente é que os executivos que não entenderem em profundidade da dinâmica do seu negócio naturalmente terão grandes dificuldades para conduzi-lo com sucesso, angariando apoio dos seus principais stakeholders. 

   Mas isso já não parece ser mais o suficiente para garantir a manutenção de sua empregabilidade, bem como a capacidade de manter as empresas em que atuam competitivas. A visão da necessidade de suas competências e habilidades se ampliaram e não basta mais apenas conhecer muito sobre o seu negócio.

   Essa visão se apoia principalmente considerando as inovações disruptivas que afetam todos os negócios, como a inteligência artificial, por exemplo; as mudanças contínuas que alteram o tabuleiro da noite para o dia, como o caso dos preços das comodities, apenas para ficar em mais um exemplo; e principalmente a integração sistêmica, também cada vez mais intensa entre setores e cadeias.

   Deve ficar claro para os executivos e demais gestores que os limites da gestão, da execução e, por conseguinte, os conhecimentos necessários, tanto no agronegócio como noutros setores da economia, estão cada vez mais tênues. 

   Dito de outro modo, os executivos, além de conhecerem o seu negócio (o agronegócio de sementes, por exemplo), necessitam conhecer de negócios, no plural, num sentido muito mais amplo, em relação aos fundamentos e as inovações, permitindo-os mapear ameaças e oportunidades sem viés cognitivo do setor e, desse modo, consigam conduzir suas empresas com sucesso.

   No novo perfil do gestor, estão essa visão sistêmica capaz de conectar múltiplas experiências e realidades, de entender que o seu negócio faz parte de um ecossistema de várias empresas e cadeias de negócios, que realiza o sonho do cliente, seja ele uma outra empresa ou principalmente um grupo de pessoas. 

   Saímos da visão rasa de gestor para uma visão ampla de embaixador corporativo, que desaprende com agilidade, abrindo espaço diariamente para aprender novos conceitos e novas práticas cada vez mais rápido, permitindo que crie bagagem sempre atual e intensa.

   Até a próxima.

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