Série Superando Desafios

Secagem de azevém: Uma forrageira de grande importância

Edição XXVII | 04 - Jul . 2023
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br
   O azevém, forrageira de clima temperado, é cultivado em mais de três milhões de hectares no país, sendo motivo de pesquisas para aprimorar seu desempenho agronômico, bem como de sua produção e de tecnologia de suas sementes.

   Neste sentido, na década de 1980 o meu colega da UFPel, Manoel de Souza Maia, orientou uma tese sobre produção de sementes de azevém, de seu aluno Omar Bazzigalupi. Constatou-se que o azevém, quando colhido com mais de 30% de umidade, produzia mais de uma tonelada de sementes por hectare. Entretanto, deixando o azevém no campo, para colher com menos umidade, ocorria um degrane natural, tal que a produção de sementes era inferior a 200 kg/ha. Outro aspecto era que as sementes colhidas com mais de 30% de umidade apresentavam maior vigor, produzindo plântulas com maior matéria seca, o que é importante em vários sentidos, entre eles no engorde de animais.

   A inovação tecnológica, muitas vezes, ocorre por etapas, envolvendo distintas áreas do conhecimento. Neste sentido, o professor Maia recebeu um aluno do Uruguai chamado Enzo Benech, com larga experiência em sementes de forrageiras, que gostaria de realizar sua tese de mestrado com azevém. Assim, fui convidado para participar no comitê de orientação de Enzo Benech, especialmente para auxiliar no processo de secagem das sementes de azevém com umidade superior a 30%. 

   A secagem
   Tínhamos um secador intermitente lento (modelo KW2) para realizar o estudo e campo de produção de azevém de fácil acesso. Assim, tão pronto as sementes alcançassem entre 30 e 33% de umidade, realizou-se a colheita, transportando as sementes para o secador.

   A primeira etapa no processo de secagem é realização da pré-limpeza, em que se removem os materiais bem pequenos, bem grandes e os bem leves do meio do lote de sementes, e assim foi feito.

   O secador KW2 foi projeto para sementes de trigo, arroz, soja e milho, principalmente, em que o peso volumétrico das sementes é superior a 0,5 t/m3; entretanto, como as sementes de azevém são palhentas e leves, ajustou-se o volume de ar que passaria pelas sementes, reduzindo-se ao mínimo a passagem de ar pelas sementes, regulando-se uma comporta. 

image.png 174.16 KB


   A secagem das sementes é função do fluxo e da umidade relativa do ar que passa pelas sementes. Em relação ao fluxo de ar, este é regulado por uma comporta perto do ventilador do secador; enquanto isso, a umidade relativa é ajustada elevando-se temperatura do ar. Por experiência com outras espécies, elevou-se a temperatura do ar de secagem para 60 °C, o que proporcionava umidade relativa entre 10 e 15% e uma temperatura máxima das sementes entre 35 e 38 °C.

   O secador foi carregado, e deu-se o início à movimentação das sementes com o acionamento do ventilador. O ato seguinte foi um barulho no duto de saída do ar do secador, pelo qual as sementes estavam sendo carregadas pelo ar. Isto requereu um ajuste na “força” do ar que passava pelas sementes.

   Após realizar ajuste na comporta do ventilador para diminuir o ar que passava pelas sementes, assim mesmo as sementes continuavam a sair pelo duto de ar; considerou-se, então, inverter a rotação do motor trifásico do ventilador que estrangularia a passagem do ar pelas sementes. Esta alternativa, junto com o ajuste da comporta, possibilitou que as sementes não fossem levantadas pelo ar e o processo de secagem foi reiniciado.

   Parecia que o processo de secagem estava ocorrendo normalmente; assim resolvi realizar outras tarefas, enquanto as sementes eram secas, e havia gente, um aluno e um encarregado da UBS, para acompanhar a secagem. Após algum tempo, fui chamado ao secador, pois o motor que acionava o transportador na base do secador havia “queimado”, interrompendo a secagem.

   Analisando a situação, constatou-se que as sementes embucharam o transportador, fazendo que que o motor aquecesse e “queimasse”. A solução foi trocar o motor e limpar o transportador. Entretanto, após algum tempo de operação, voltou a ocorrer embuchamento das sementes e, como consequência, a “queima” do motor. A situação estava se complicando, afetando o ânimo de todos.

image.png 183.47 KB


   Reunimos o comitê de orientação e mais alguns professores convidados para analisar a situação, pois a solução deveria ser rápida, considerando o curto período de disponibilidade das sementes e a premência do aluno com sua tese. A solução veio rápida: como o problema era embuchamento, resolveu-se “limpar” as sementes em vez de somente pré-limpar. Com isso, as sementes possuíam maior fluidez, evitando o embuchamento.

   Felizmente, a UBS da universidade possuía bons equipamentos para a limpeza das sementes. Assim, uma vez as sementes limpas, estas foram colocadas para secar, e o processo normalizou-se, com as sementes fluindo normalmente pelo secador. Após oito horas de secagem, tomou-se uma amostra de sementes e, visualmente, achava-se que as sementes estavam secas, ou seja, com 13% de umidade.  Como os determinadores expeditos de umidade não são calibrados para azevém, a determinação da umidade teve que ser realizada pelo método da estufa, que leva 24 horas a 104 °C. Assim, após este tempo, soube-se que a umidade das sementes ainda estava com 20%, requerendo a continuação da secagem.

   Evidentemente, num processo de secagem, há necessidade de se determinar a umidade das sementes em minutos, por motivos óbvios de gestão e de qualidade das sementes. Assim, buscando alternativas, ajustamos o determinador de umidade por destilação, mais conhecido como pipoqueiro, em que se reduziu a quantidade de sementes a ser utilizada de 100 para 50 gramas, afinal com 100 gramas praticamente enchia-se o frasco de Erlenmeyer. O resultado da água condensada, oriunda das sementes, foi multiplicado por dois, obtendo diretamente o percentual de umidade das sementes.

   Após todos os ajustes realizados, conseguiu-se secar oito lotes de sementes sem maiores inconvenientes, numa velocidade de secagem de 1,5 pp/h. Esta velocidade propicia a secagem de mais de uma carga de secador por dia, o que normalmente atende a demanda.

   Após superar os vários obstáculos na secagem das sementes de azevém com o secador intermitente lento, também conseguiu-se secar as referidas sementes em secador estacionário. Houve apenas a necessidade de limpar bem as sementes; em relação ao fluxo de ar, não houve necessidade de adaptação, pois é normalmente baixo.

image.png 99.59 KB


   Em relação a qualidade das sementes, constatou-se que a secagem permitiu colher as sementes com alta umidade, evitando o degrane natural e a deterioração de campo. Todos os lotes de sementes apresentaram mais de 90% de germinação e mais de 80% de vigor, avaliado pelo teste de envelhecimento acelerado, o que indica sementes de alta qualidade fisiológica. Registra-se que, para sementes de forrageiras, o vigor das sementes reveste-se de importância para o estabelecimento das plantas, pois as sementes de maior vigor propiciam que o gado possa entrar no campo até uma semana antes do que quando estabelecido com sementes de baixo e médio vigor.   


   A produção de sementes pode ser considerada como uma indústria a “céu aberto”; entretanto, com a adoção das inovações tecnológicas, as incertezas podem ser minimizadas. Neste sentido, a adoção da secagem artificial em sementes de azevém propicia uma maior produtividade de sementes assim como sementes de alta qualidade fisiológica.

Compartilhar