Desvendando o DNA das plantas

Edição XXII | 01 - Jan . 2018
Alexandre Nepomuceno-alexandre.nepomuceno@embrapa.br
    Desde a sua descoberta, há mais de meio século, o DNA tem sido uma das moléculas mais estudadas no mundo. É no DNA que se encontra toda informação genética de um organismo vivo, a qual é armazenada e transmitida para seus descendentes. Nas últimas décadas, cientistas do mundo todo têm buscado, por meio do sequenciamento de genomas, decodificar a informação contida no DNA e transformar esse conhecimento em benefícios com aplicações nas mais diversas áreas. Na saúde, por exemplo, os avanços na compreensão do genoma humano têm possibilitado a obtenção de diagnósticos mais seguros e precoces, permitindo atuar tanto na prevenção, como no desenvolvimento de estratégias mais eficientes para o controle de doenças. Na agricultura, o sequenciamento do genoma de diversas espécies tem permitido gerar estratégias biotecnológicas que contribuem para a obtenção de cultivares mais produtivas e adaptadas a diferentes estresses, com um enorme potencial ainda a ser explorado.
    Milhões de anos de evolução dos organismos vivos possibilitaram o surgimento dos mecanismos e das características responsáveis pela adaptação das espécies aos seus ecossistemas. Até recentemente, as ferramentas disponíveis para explorar essa biodiversidade eram caras e ineficientes. A primeira planta a ser sequenciada foi a Arabidopsis thaliana, em 2000, uma espécie amplamente utilizada como modelo para estudo em vegetais, a qual levou aproximadamente 10 anos para ter o primeiro rascunho de seu genoma apresentado. Hoje, os avanços nas áreas da robótica e computação, como o surgimento dos sequenciadores de nova geração (Next Generation Sequencing-NGS), a partir de 2005, facilitaram o sequenciamento de genomas em inúmeras espécies. Com as atuais plataformas de sequenciamento, é possível gerar informação sobre milhões de pares de bases em  uma única análise, permitindo em poucas horas ou dias sequenciar o genoma completo de uma espécie a preços acessíveis. 
    A China, por meio de consórcio internacional, tem colocado grande esforço científico, tecnológico e financeiro no sequenciamento de genomas. O Beijing Genome Institute (BGI), em seu projeto de sequenciamento de 1000 espécies de referência, já completou o sequenciamento e montagem do genoma de inúmeras espécies. Reconhecida como, talvez, a maior plataforma de genômica e bioinformática do mundo, cientistas do BGI desenvolveram tecnologias que eram tidas como impossíveis de funcionar. Hoje, mais de 100 espécies vegetais já tiveram seu genoma sequenciado, entre essas, as principais espécies de importância agrícola. 
    As informações geradas por meio desses estudos permitem aos melhoristas  selecionar os genótipos com base na informação contida no DNA das plantas, reduzindo significativamente o número de linhagens a serem testadas no campo, proporcionando economia de tempo e custo, aliado a uma maior eficiência de seleção. Além disso, o conhecimento gerado por meio do estudo dos genomas é fundamental para a compreensão dos processos moleculares, celulares e fisiológicos que ocorrem durante as diferentes fases de desenvolvimento das plantas, bem como os mecanismos de defesa ativados mediante diferentes condições ambientais. Essas informações, associadas a novas ferramentas da engenharia genética e da edição de genomas, permitem definir estratégias biotecnológicas, por meio da inserção, deleção ou alteração de genes ou blocos de genes, visando o desenvolvimento de germoplasma com características de maior produtividade, tolerância a estresses, qualidade nutricional, entre outras.


"Existem laboratórios ao redor do mundo
buscando sequenciar genomas de todas as espécies
do planeta. Hoje, o maior desafio não está na leitura
dessas sequências, mas sim em trabalhar toda essa infinidade
de dados gerados e transformar isso em informação biológica"

    Existem laboratórios ao redor do mundo buscando sequenciar genomas de todas as espécies do planeta. Hoje, o maior desafio não está na leitura dessas sequências, mas sim em trabalhar toda essa infinidade de dados gerados e transformar isso em informação biológica. Com as ferramentas e equipamentos hoje disponíveis, a leitura da sequência dos nucleotídeos que compõem o genoma das diferentes espécies é feita de forma muito rápida, com custos que vêm reduzindo a cada ano. Entretanto, esses métodos de sequenciamento exigem que o DNA seja cortado em milhões de pedaços para possibilitar essa leitura, fazendo com que a maior dificuldade esteja na montagem desse quebra-cabeça. Dessa forma, em paralelo, investimentos contínuos têm sido feitos na área computacional  e na bioinformática, a fim de criar ferramentas para analisar, organizar e disponibilizar essas informações em bancos de dados, de forma que fiquem acessíveis aos cientistas da área biológica. 
    Neste contexto, o Brasil é detentor de grande parte da biodiversidade do planeta. Espécies nativas brasileiras poderão contribuir com informações de interesse direto para a agricultura, permitindo gerar plantas com caracteres envolvidos na adaptação a estresses bióticos e abióticos, assim como aqueles relacionados à melhora da qualidade nutricional de alimentos ou que agreguem valor aos produtos agrícolas. Entretanto, comparativamente aos demais países, o Brasil está muito atrás nessa corrida. Nosso país possui profissionais altamente capacitados para atuar nessas áreas, porém os recursos disponíveis para pesquisa estão cada vez mais escassos. Investimentos em ciência visando utilizar essas novas ferramentas disponíveis para caracterizar a biodiversidade do Brasil de forma que essas informações possam ser exploradas por nossos cientistas, são urgentes e necessários. A importância do agronegócio na economia brasileira é inegável, entretanto, o germoplasma utilizado nas variedades brasileiras depende cada vez mais de tecnologias que não pertencem a empresas públicas ou privadas nacionais.
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