Estresse ambiental e sua ação sobre as proteínas

Edição XXVI | 04 - Jul . 2022
Maria de Fátima Zorato-fatima@mfzorato.com.br
    Em uma lavoura o estresse pode ser compreendido como um fator externo que exerce uma intervenção que pode provocar efeitos danosos sobre as plantas. Em anos recentes, sobretudo em algumas regiões do Brasil, condições climáticas desfavoráveis, têm trazido prejuízos, tanto em produtividade quanto influenciado de forma negativa sobre a qualidade do produto.   

    Quando se refere à soja, as literaturas pertinentes indicam que se tornou a principal cultura do agronegócio brasileiro, alicerçada em programas de pesquisa de melhoramento genético, desenvolvimento e inovação e de transferência de tecnologia, os quais contribuíram para que houvesse muitas mudanças significativas nos sistemas de produção.
Cultivares adaptadas às diferentes regiões do país, ciclo precoce, hábito de crescimento indeterminado, antecipação de semeadura e aumento de produtividade, são características fundamentais que estão viabilizando o país como relevante produtor mundial da commodity.

    Razões não faltam para esse produto produzido em grande escala ter se transformado num boom econômico e agrícola, entre elas está a sua composição química peculiar contendo cerca de 40% de proteína e 20% de óleo, componentes que apresentam valor quantitativo e qualitativo.

    Embora toda essa benesse, os produtores de sementes têm enfrentado desafios gigantescos na interação genótipo e clima, em tempos de alterações climáticas global. Os efeitos de estresses hidrotérmicos (água e temperaturas) no potencial fisiológico têm ocasionado perdas, sendo a soja uma das espécies mais responsivas às condições ambientais.

    No contexto, vamos nos ater ao que tange às temperaturas relacionadas ao sistema de membranas, às proteínas e enzimas, embasados em publicações científicas de Taiz e Zeiger, de Carneiro e Junqueira, de Champe, Harvey e Ferrier e de Griffiths e colaboradores.

    Na semente, a membrana, uma estrutura formada por uma bicamada lipídica que circunda todas as células vivas e estabelece a separação entre o meio intracelular, o citoplasma e o meio externo são muito afetados por temperaturas. A estabilidade de membranas celulares é importante durante o estresse à alta temperatura, assim como o é durante o
resfriamento e o congelamento. As propriedades das membranas alteram-se em resposta ao dano por resfriamento. As membranas tornam-se menos fluidas, seus componentes proteicos podem não mais funcionar normalmente. O resultado é a inibição da atividade da H+- ATPase, do transporte de solutos para dentro e para fora das células, da transdução de energia e do metabolismo dependente de enzimas.

    Por outro lado, em temperatura elevadas ocorre fluidez de lipídios de membrana que se relaciona à perda de função. Sob essas condições, ocorre um decréscimo na força das ligações de hidrogênio e das interações eletrostáticas entre os grupos polares de proteínas na fase aquosa da membrana. Assim, as temperaturas altas modificam a composição e a estrutura da membrana e podem causar perda de íons. A ruptura de membrana também causa a inibição de processos como a fotossíntese e a respiração, que dependem da atividade de transportadores de elétrons e enzimas associados a membranas.

    E quanto as proteínas? O resultado da ação gênica é que um produto proteico é feito tendo uma dentre duas funções básicas, dependendo do gene. Primeiro, a proteína pode ser uma proteína estrutural, contribuindo para as propriedades físicas das células ou organismos. Segundo, a proteína pode ser uma enzima que catalisa uma das reações químicas da célula. No entanto, o ambiente influencia a ação gênica de muitos modos. Genótipos mudam continuamente à medida que os genes interagem com uma sequência de ambientes.

imagens zorato.jpg 140.55 KB


    Para entender melhor é necessário conhecer sobre a estrutura das proteínas e seu modo de formação. Os vinte aminoácidos comumente encontrados em proteínas estão unidos entre si por ligações peptídicas. As cadeias completas de aminoácidos são passadas para a luz do retículo endoplasmático, onde se dobram para adquirir sua forma proteica. A sequência linear dos aminoácidos ligados contém a informação necessária para formar uma molécula proteica com uma estrutura tridimensional única. 

    A complexidade da estrutura proteica é melhor analisada considerando-se a molécula em termos de quatro níveis de organização, denominados primário, secundário, terciário e quaternário. Um exame desses níveis de complexidade crescente revelou que, em uma ampla variedade de proteínas, certos elementos estruturais são repetidos, sugerindo que existem regras gerais relacionadas às maneiras pelas quais as proteínas se organizam. Estes elementos estruturais repetidos variam desde combinações simples de hélices α e folhas β, formando motivos pequenos, até o dobramento complexo dos domínios polipeptídicos de proteínas multifuncionais. 

    Quanto ao dobramento proteico, as interações entre as cadeias laterais dos aminoácidos determinam como uma cadeia polipeptídica longa se dobra para formar a intrincada conformação tridimensional de proteínas funcionais. O dobramento proteico, que ocorre dentro da célula de segundos a minutos, emprega um atalho pelo labirinto de possibilidades de dobramento. Com um dobramento peptídico, as cadeias laterais dos aminoácidos são atraídas ou repelidas de acordo com as suas propriedades químicas. Os dobramentos da cadeia polipeptídica são determinados somente pela sua sequência de aminoácidos, mas são facilitados por outras proteínas, chamadas chaperonas moleculares, também denominadas proteínas de choque térmico. 

    Geralmente é aceito que a informação necessária para corrigir o dobramento da proteína está contida na estrutura primária do polipeptídio. Considerando essa premissa, é difícil de explicar por que as proteínas, em sua maioria, quando desnaturadas, não retomam sua conformação nativa sob condições ambientais favoráveis. Uma resposta para esse problema é que a proteína começa a se dobrar durante os estágios de síntese, em vez de esperar que a síntese de toda a cadeia esteja completa. 

    A desnaturação proteica resulta no desdobramento e na desorganização das estruturas secundária e terciária, sem que ocorra a hidrólise das ligações polipeptídicas. Os agentes desnaturantes incluem calor, solventes orgânicos, agitação mecânica, ácidos ou bases fortes, detergentes e íons ou metais pesados, como chumbo e mercúrio. As proteínas, em sua maioria, uma vez desnaturadas, ficam de maneira permanente alteradas.

    O estresse térmico faz com que muitas proteínas, que funcionam como enzimas tornem-se estendidas ou mal dobradas, levando, assim, à perda de estrutura e da atividade enzimática. Tais proteínas mal dobradas muitas vezes agregam-se e se precipitam, criando sérios problemas dentro da célula. A maior parte das proteínas de choque térmico auxilia as células a suportar o estresse térmico, funcionando como chaperonas moleculares. As chaperonas se ligam à cadeia polipeptídica, impedindo que ocorram dobramentos incorretos, mas não tomam parte na estrutura final da proteína. Um tipo de chaperonas presente no retículo endoplasmático é a BIP (do inglês binding protein), que se liga à cadeia polipeptídica à medida que ela é transloucada através da membrana e, então, catalisa o dobramento da molécula e reunião das subunidades proteicas. 

    Na prática, em campos de soja submetidos à elevadas temperaturas é possível detectar sementes com características fenotípicas diferentes nos cotilédones e/ou no eixo-embrionário que acarretam problemas sérios na qualidade fisiológica. Alguns genótipos parecem não contar com as chaperonas para auxiliar no dobramento correto das proteínas e as sementes ficam com depressões, tipo covinhas, além de enrugamentos, os quais diferem dos causados por deterioração por umidade; em outros elas parecem se apresentar de forma parcial deixando algumas sementes com problemas e, por fim, àqueles genótipos que submetidos à mesma condição de estresse, as sementes são normais. 

    Em síntese, como observados pelos estudiosos do assunto, o dobramento proteico é um processo complexo de ensaio e erro, que algumas vezes pode resultar em moléculas dobradas de forma imprópria. E as proteínas de choque térmico atuando como chaperonas moleculares servem para alcançar o dobramento correto de proteínas mal dobradas e agregadas para evitar a deformação das proteínas, o que facilita o funcionamento adequado de células quando expostas a temperaturas excessivas. 

Compartilhar