As vacinas contra a Covid-19 e o futuro do agronegócio brasileiro

Edição XXV | 02 - Mar . 2021
Alexandre Nepomuceno-alexandre.nepomuceno@embrapa.br
   A pandemia provocada pelo novo coronavírus nos traz uma série de lições. Talvez a principal delas seja a da importância do papel da ciência em transformar conhecimento em soluções de problemas e melhora da qualidade de vida da humanidade. Apesar de termos “know-how” e cientistas altamente capacitados, não conseguimos desenvolver e produzir nossas próprias vacinas contra o Coronavírus em larga escala. Já o fizemos em outras épocas, mas decisões equivocadas levaram o Brasil a optar em economizar, fazendo vacinas fora do país, e não investir pesado em ciência e tecnologia nacional na área. Hoje estamos numa dependência perigosa e completa de insumos e infraestrutura internacional na área das vacinas.  
  
   O mesmo raciocínio vale quando se pensa em inovação para o agronegócio nacional. Muitas das tecnologias hoje presentes na agricultura brasileira não foram desenvolvidas aqui. As revoluções atuais que vivemos nas áreas da transformação digital e da genética estão trazendo muitas inovações para nosso agronegócio. Todos acompanham a revolução digital com os aplicativos, drones, imagens de satélite, entre outras tantas inovações. Muitas startups têm surgido, e grandes investimentos têm sido colocados nesta área, o que deve continuar e aumentar. Já da revolução na área da genética, muito pouco se fala. Mas não podemos nos esquecer que a genética é a base de todo nosso agronegócio. As novas variedades de plantas, as novas raças/linhagens de nossa pecuária, os novos bioinsumos para a agricultura, virão com tecnologias embarcadas que usam inovações como a edição de genomas, o RNAi de aplicação tópica, o sequenciamento e a fenotipagem de alta performance, aliados a técnicas como a seleção genômica ampla, entre outros. Nessa nova era da genética, está sendo possível explorar por completo todos genes e toda a variabilidade genética dos bancos de germoplasma. 

   Mas sem investimento em ciência básica, sem a formação de massa crítica nacional, e o investimento do setor privado e público em conjunto, por meio de parcerias para alavancar o setor da genética avançada para o agronegócio brasileiro, dificilmente nas próximas décadas nos livraremos da perigosa dependência de tecnologias de ponta para a genética do agronegócio. A Embrapa, as universidades e os Institutos de Pesquisa Nacionais têm gente capacitada e competente. Os jovens cientistas sendo formados nessas instituições são brilhantes, mas não conseguem colocação no mercado de trabalho. 
   Muitos após receber toda formação aqui, Graduação, Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado, vão embora do Brasil. É preciso uma mudança de mentalidade urgente no empresariado do agronegócio nacional. Algumas lideranças do setor já se movimentam em parcerias público-privadas investindo em projetos conjuntos, visando principalmente o médio e longo prazo. Também já é possível observar o surgimento de algumas poucas startups focadas em genética no Brasil. Mas muito ainda precisa ser feito, o investimento aqui no setor é ínfimo quando comparado com o que ocorre nos países desenvolvidos e na China e na Índia. Nunca foi tão verdade dizer que somos o celeiro do planeta, e seremos por muitas décadas a frente. Por isso há muitos interesses em jogo, vários países olham para o Brasil como grande competidor, mas também como uma “fábrica de ganhar dinheiro”. Seria importante não deixar que boa parte dos ganhos do nosso agronegócio fossem embora do país, em forma de royalties. Esses recursos deveriam ficar no Brasil gerando empregos, melhorando a qualidade de vida da nossa população, e retroalimentando a inovação no agronegócio nacional.  

   Muitos não sabem, mas a famosa soja Roundup Ready (RR) levou mais de 20 anos sendo desenvolvida para chegar ao mercado em 1996, quebrando muitos paradigmas e alterando relações de troca no agronegócio mundial. Muitas outras tecnologias quebradoras de paradigma como a soja RR estão chegando, e novamente irão mudar o agronegócio mundial.  

   Depende de nós, setor produtivo brasileiro, decidir se no meio de uma pandemia iremos ser dependentes de outras nações como vemos hoje no caso das vacinas. Vacinas como a da Oxford/AstraZeneca e Pfizer utilizam como base a tecnologia do DNA recombinante, a mesma utilizada no desenvolvimento de plantas transgênicas. Essas vacinas são Transgênicas, ou Geneticamente Modificadas (GMs) pois utilizam pequenas partes do DNA do coronavírus que, quando introduzidas no corpo humano, desencadeiam resposta de nosso sistema imunológico, produzindo anticorpos e outros componentes do sistema imune que destroem o coronavírus. Assim como as plantas geneticamente modificadas (PGMs), as vacinas nunca foram uma ameaça a saúde humana e animal, nem ao meio ambiente. Ao contrário, as vacinas desde que passaram a ser utilizadas já salvaram milhões e milhões de vidas no mundo todo. Da mesma forma, as PGMs permitiram grandes avanços na sustentabilidade da produção agrícola mundial, e assim como as vacinas, tiveram ataques da opinião pública muitas vezes desinformada através de informações e notícias falsas, as famosas “FakeNews”. Resta saber se nós do setor produtivo nacional vamos nos apoderar do conhecimento científico disponível hoje nas revoluções tecnológicas de nossa era, criando valor aqui, gerando inovação aqui e fazendo com que o agronegócio brasileiro cada vez mais melhore nossa nação. 
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