Gestão, gente e o sobrenatural

Edição XXV | 02 - Mar . 2021
   Gosto dos filmes de ficção científica. Desses que fazem a gente refletir sobre o futuro e nas possibilidades impensadas pelos demais mortais. Algo que apenas a sétima arte é capaz de fazer. Existem milhares de exemplos que primeiro foram criados na ficção e que hoje são realidade. O agronegócio também é fértil nessa área.

   A ciência e a loucura de mãos dadas
   A comunicação remota, as imagens de satélite, a realidade aumentada, a inteligência artificial, dentre muitas outras, vieram antes nas telas do que na realidade. A ciência sempre foi capaz de nos surpreender e, muitas vezes, de nos incomodar. 

   Os milagres andam escassos ultimamente, mas os avanços são tão significativos em todos os campos humanos que bem parecem milagres. Se você perdeu um lapso de tempo de uma área da ciência qualquer, vai se sentir perdido quando tentar voltar. 

   Outro dia, a mais velha das minhas filhas, adolescente, destacou uma frase muito interessante de ‘O Cavalo Amarelo’ da Agatha Christie. Quando o Inspetor Lejune, ao ser questionado sobre sua investigação, afirma que “A Ciência do Amanhã é o Sobrenatural de Hoje”. Muito apropriado para os nossos tempos acelerados e de flerte irresponsável com o negacionismo e o obscurantismo.

   Se alguém íntimo do agronegócio, por exemplo, tivesse sido congelado há uns 40 anos atrás e voltasse a vida hoje, teria muitas incredulidades com que se acostumar. Basta lembrar que fazem apenas pouco mais de 4 décadas que o lendário “Alemão Louco” Herbert Arnold Bartz, falecido no dia 29 de janeiro último, iniciava sua espantosa luta pessoal em favor do plantio direto no Brasil. 

   Não é incrível? Algo que é inquestionável hoje, mas impensado pela ampla maioria à época, foi capaz de mudar completamente a produção de alimentos em áreas tropicais. Nada é como antes, depois de Bartz. O primeiro a fazer plantio direto em escala comercial em toda a América Latina e um dos grandes responsáveis para que o nosso agronegócio se tornasse a referência produtiva que é hoje.

   Agora, mais competência do que vontade
   Outra área que evoluímos a passos largos é a dos recursos humanos. Nela, o agronegócio já foi visto como um vilão. Um vilão social que muitas vezes era flagrado não cumprindo com a legislação ou que exercia à risca o mínimo que os princípios legais exigiam.

   Campo fértil à época para a gestão autocrática, top down, cercada de mandos e desmandos pelos gerentes de fazenda (a maioria improvisados) ou seus proprietários, com pouca capacidade de liderança e muito ‘facejamento’. Botar o carro para andar na direção determinada era o principal propósito, sem preocupação com a visão de longo prazo.

   Felizmente essa época já vai longe no tempo. Pouco resta desse período. Fase em que era reduto de profissionais de instrução mediana e muita prática. Mais vontade do que competência. De pouca necessidade de conhecimento técnico e de desenvolvimento interpessoal duvidoso.

   Estamos vivendo uma verdadeira revolução nessa área. Desde a efetiva mudança nos padrões dos perfis das pessoas que são requisitados para as diversas e diferentes funções, bem como na própria sucessão das propriedades. 

   A começar pelo conceito de fazenda, granja ou propriedade que deixou de ser onipresente para em seu lugar surgir com destaque a filosofia de empresa rural, do negócio e não mais apenas da mantença. Junto com ela vieram novas práticas, novas ferramentas e novas demandas profissionais. 

   Estudar ou trabalhar na roça
   A dicotomia nas duas expressões em relação ao futuro dos filhos revela a distinta realidade. Se antes os pais ameaçavam os filhos com a expressão: “se você não estudar vai trabalhar na roça”, hoje ela serve de alerta de oportunidade: “se quiseres trabalhar na agricultura, vá estudar”.

   Existe um orgulho evidente de fazer parte do agronegócio (por obviedade a agricultura familiar faz parte inconteste desse universo) e que tem mantido e tracionado jovens para esse novo ambiente. Muitos deles urbanos inclusive. Não mais como um Jeca Tatu de outrora e sim como um profissional ou empresário do setor, responsável pela produção de inúmeros produtos fundamentais para a manutenção e o desenvolvimento da sociedade mundial, com elevado nível de tecnologia embarcada.

   O Dr. Dirceu Gassen, um dos maiores pesquisadores e entusiastas da agricultura que esse país já teve, cuja visão sistêmica era privilegiada, falecido em setembro de 2019, dava o tom desse novo agronegócio quando defendia peremptoriamente que “a fase da Agricultura de Produtos já passou. Agora estamos na fase da Agricultura de Conhecimento.” 

   Também mantinha um conceito peculiar sobre produtividade. Para ele a produtividade era “o conhecimento acumulado por hectare”. Não é necessário mais do que inteligência mediana para concluir que acima de tudo, são as pessoas e suas competências que farão com que esse conceito do amigo Gassen seja um grande ativo permanente para o agronegócio brasileiro.

   Liderança, poder e autoridade
   Contudo, uma das áreas em que os avanços ainda precisam ser consolidados está exatamente no campo da liderança. Essa é uma área melindrosa e de mudança lenta. Envolve filosofia, comportamento, ferramentas e prática. 

   Nesse ambiente também temos experimentado uma mudança indelével na demanda e na necessária forma de conduzir as empresas e suas equipes. Aparentemente esse tem se tornado o grande desafio e um “gap” ainda a ser vencido. 

   Nesse sentido, tudo começa por entender a essência que separa os chefes dos líderes. Algo que reside em duas palavras simples, mas que fazem toda a diferença lá na prática: poder e autoridade.  

   O poder é a faculdade de forçar ou coagir alguém a fazer sua vontade. Normalmente por causa de sua posição hierárquica ou força, mesmo que a pessoa preferisse não o fazer. Pode até ter alguma utilidade numa visão imediatista, do aqui e agora, mas poucas vezes é útil no médio prazo e normalmente inútil no longo prazo. Não engaja e espanta os melhores profissionais. Torna-se um modelo pernicioso e tóxico para a organização. 

   A Autoridade por sua vez é a habilidade de levar as pessoas a fazerem de boa vontade o que você quer por causa de sua influência pessoal. Normalmente está apoiada no exemplo, na cooperação, no conhecimento e na retidão. Trás resultados mais consistentes e promove o engajamento. É útil no curto, médio e longo prazo. 

   Até a próxima. 
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