Tratamento de sementes de soja como um processo industrial no Brasil

Edição XX | 01 - Jan . 2016
João Carlos da Silva Nunes-joaocanunes@hotmail.com

    O tratamento de sementes tem papel vital na proteção contra doenças e insetos na fase inicial dos cultivos, protegendo o vigor e estabelecimento de plântulas. Outras técnicas de aplicação são usadas para controlar pragas e doenças na fase inicial, como pulverizações no sulco de semeadura ou foliares. Em muitos casos, estas aplicações estão sendo proteladas ou substituídos por tratamentos de sementes, em virtude de sua eficácia sistêmica e residual.

    O tratamento de sementes como avanço tecnológico tem dimensão global, com negócio de cerca de 5,33 bilhões de dólares anuais, distribuídos com 38% na América do Norte, 24,6% na América do Sul, 26,4% na Europa e 11% na região Ásia-Pacífico. As Américas se sobressaem pela adoção de alta tecnologia pelos agricultores nas culturas de milho e soja, principalmente, e seu crescimento contínuo de área cultivada. As culturas mais importantes no cenário global são, na ordem decrescente: cereais, milho, soja, algodão e arroz. As moléculas mais importantes neste mesmo cenário são, pela mesma ordem: thiamethoxam, clothianidin, imidacloprid, fipronil, fludioxonil, difenoconazole, tebuconazole, metalaxyl, thiram e prothioconazole.

A situação do TS no Brasil

    Aproximadamente 98% das sementes de soja e milho híbrido no Brasil são tratadas com inseticidas e fungicidas, seja na indústria (TSI) ou em nível de propriedade agrícola, também denominado on farm (OF).

    No Brasil a adoção do TS mais que dobrou em seis anos: o valor de mercado saltou de 360 milhões de dólares, em 2009, para 870 milhões, na safra 2014-15, mostrando um grande crescimento e sua percepção de valor pelos agricultores.  Em termos de culturas em que é utilizado o TS no Brasil, destaca-se a soja, com um valor superior a 525 milhões de dólares anuais, estando em segundo lugar o milho, com cerca 230 milhões, e as demais culturas, como cereais de inverno, sorgo, arroz, feijão, algodão, amendoim, girassol, etc, com 115 milhões de dólares.  

    As principais moléculas utilizadas no Brasil são: fipronil, thiamethoxam, imidacloprid, clothianidin, thiodicarb, fludioxonil e methyl-thiophanate. Em termos de centrais de tratamento de sementes na indústria, já são mais de 150, distribuídas em diferentes regiões do país, com uma capacidade instalada que poderia tratar todas as sementes certificadas de soja brasileira em aproximadamente 45 dias de operação. Porém, apesar disso, ainda há espaço para mais unidades, uma vez que o rendimento operacional do processo é afetado por diversos outros fatores.

Um pouco da história do TS no Brasil
    O tratamento de sementes na indústria, denominado popularmente TSI, foi introduzido no Brasil na década de 1970, inicialmente em sementes de milho, com a utilização do fungicida captan e de inseticidas como o deltamethrin e pirimiphos-methil, sendo que estes dois últimos são utilizados até hoje para a proteção de sementes contra pragas de armazenamento. Eram usadas máquinas importadas ou inspiradas nas produzidas de forma artesanal no Brasil, e estas máquinas eram equipadas com dosadores volumétricos para calda e grãos, com recursos operacionais limitados em termos de operação e controle. O tratamento de sementes na soja foi recomendado oficialmente, pela primeira vez no Brasil, em 1981, para a maioria dos estados brasileiros, em que captan, thiram, carboxin e thiabendazole foram alguns fungicidas dos precursores no tratamento de sementes de soja e milho.
    A introdução do cancro da haste na soja, nesta época, tornou imperioso o uso de fungicidas para o controle de doenças transmitidas por sementes e fator crucial para a recomendação generalizada do tratamento de sementes em soja em nível de agricultor. Nos últimos anos destaca-se o mofo branco como um grave problema sobre o qual o tratamento de sementes desempenha importante papel na redução dos riscos de transmissão da doença e proteção do vigor das sementes e plântulas.



    Na sua introdução, o tratamento de sementes de soja, com a aplicação de fungicidas, se deu de forma bastante improvisada e até certo ponto rústica. Ainda em 195l, estas operações se davam nas propriedades agrícolas (OF), conduzidas em geral de maneira precária, utilizando lonas sobre o solo, caixas de contenção, tambores giratórios e chopins de transporte de grãos, onde os produtos eram tratados sem nenhuma técnica apurada e por pessoas com pouco ou nenhum treinamento específico para a operação de TS. Naturalmente, vieram tentativas de melhorar a aplicação usando misturadores de concreto, pequenas máquinas móveis tipo V, com alguma tecnologia rudimentar de controles de dosagem e específicas para tratamento.  Foram importadas algumas máquinas, representando um avanço importante na qualidade de aplicação e ajudando a popularizar o uso da tecnologia em nível de fazenda. Estas máquinas de operação simples usam sistemas de medição volumétricos e baixa dosagem, e nesta fase também já eram usados alguns inseticidas em soja, mas sempre em nível de propriedades agrícolas.


                                                            Crescimento do TSI no Brasil



  
    Na década de 1980, desenvolveu-se uma máquina de tratamento de sementes móvel, que possuía alguns controles de vazão de sementes e medidores de calda com controle volumétrico. Este foi, provavelmente, o equipamento pioneiro no Brasil produzido em série e desenvolvido especificamente para tratamento de sementes. Esta máquina, preparada para operar a partir de uma tomada de força de trator ou por motor elétrico acoplado, compacta, leve e fácil de transportar sobre uma pick-up pequena, ajudou a viabilizar de forma produtiva o tratamento de sementes on-farm. O equipamento continua em linha de produção, sendo que vários fabricantes utilizando o mesmo conceito surgiram no mercado, ajudando a tornar popular o tratamento de sementes com agroquímicos e inoculantes.

Como a tecnologia evoluiu para o TSI
    A partir de 1998, com o desenvolvimento e introdução dos inseticidas neonicotinoides imidacloprid e thiamethoxam em tratamento de sementes, em diversas culturas no Brasil, esta prática começou a se tornar ainda mais importante devido a seu alto valor em termos de custo e benefícios. Consequentemente, ocorreu uma demanda acentuada dos agricultores por maior qualidade de aplicação, impactando assim o desenvolvimento da tecnologia de aplicação nesta modalidade.  Como resultado disso, no mesmo ano, se iniciaram os primeiros desenvolvimentos nacionais de equipamentos para tratamento de soja na indústria (TSI).
    Os primórdios do TSI no Brasil foram marcados por importações de alguns equipamentos usados por agricultores europeus, adaptados para algumas tentativas de TSI, principalmente em trigo. Porém, sua vocação, capacidade e eficiência se mostraram insuficientes às demandas da agricultura brasileira.  Em 2002, foi introduzida no Brasil, a primeira máquina de batelada equipada com controlador lógico programável (CLP), em um processo industrial de tratamento de sementes de milho, equipamento desenvolvido e produzido por uma indústria brasileira.
    O desenvolvimento destas tecnologias locais resultou na introdução gradativa de inovações tecnológicas cruciais, como sistemas de atomização, controladores lógicos programáveis, computadores, balanças para medir fluxo de sementes, bombas de alta precisão, sistemas de medição de produtos por perda de peso, ensaque automatizado e outras tecnologias, que provocaram uma evolução sem precedentes na operação de tratamento de sementes. Este salto tecnológico impulsionou o uso de sistemas de tratamento de sementes com fluxo contínuo e do conceito dos centros de tratamento de sementes na indústria (CTSI) sementeira de soja.
    Atualmente, cerca de 100% do milho híbrido é tratado na indústria com fungicidas e 35% com inseticidas. Os demais 65% recebem o TS inseticida na propriedade agrícola, feito pelo próprio agricultor, e em menor proporção em revendas ou por equipes móveis.
    Desenvolvido em soja a partir de 2008, o conceito de TSI iniciou com máquinas com sistema de fluxo contínuo, e mais tarde também com equipamentos de tratamento por batelada, surgindo como um programa integrado à produção de sementes de soja de alta qualidade. Como consequência disso e de exigências de mercado, nestes dois sistemas ocorreu um aumento da complexidade dos tratamentos, que, além de inseticidas e fungicidas, passaram a incorporar outros componentes (nematicidas, filmes de recobrimento, micronutrientes, inoculantes, biológicos, etc). Como exemplo desta complexidade, verificamos que sementes podem ser tratadas com um mínimo de dois e até cerca de nove diferentes produtos em seu revestimento químico e biológico.
    Um CTSI compreende um projeto que transcende a tratadora, abrange todo um planejamento industrial e de mercado. Passa pela integração deste CTSI ao sistema de beneficiamento de uma indústria de beneficiamento de sementes. A tratadora é um hardware que se soma a um conjunto com vários outros periféricos, como moegas de abastecimento, balanças de precisão para medição de fluxo de sementes no processo, sistemas de controle de dosagem por perda de peso ou por fluxômetros de alta precisão, equipamentos de aspersão por disco ou cilindro rotativo, balanças de ensaque de automáticas, embalagens de produtos de alta capacidade, sistemas de segurança – como comissão interna de prevenção de acidentes (CIPA), sistemas de exaustão ambiental e controle de emissões, equipamentos e sala de químicos com áreas de contenção restritas –, obedecendo e até superando as exigências de segurança ambiental. Tudo isto gerenciado por sistemas automatizados e por pessoas especializadas.

Fatores críticos para a adoção do TSI e tendências
    A oferta de tratamento de sementes de soja tratada na indústria tem de ser rigorosamente planejada pelos sementeiros, de forma a evitar riscos de sobra de sementes tratadas. Sementes que por ventura não sejam vendidas e semeadas na safra, podem vir a se transformar em perdas financeiras críticas, devido a custos de produção, tratamento, transporte, destinação e destruição em conformidade com a legislação de resíduos sólidos.
    Assim, somente sementes de alta qualidade fisiológica e que tenham sua semeadura assegurada devem ser tratadas na indústria.
    Como estas unidades envolvem investimentos expressivos, inicialmente os investimentos se deram em conjunto com fornecedores de agroquímicos. Pois era comum que o produtor de sementes tivesse um contrato com uma única empresa de químicos, em que a tratadora é fornecida ao produtor de sementes em forma de comodato e o produtor de sementes investe nas instalações e periféricos necessários. Entretanto, já são comuns produtores de sementes com mais de uma unidade de TSI, uma para cada empresa fornecedora de produto químico.
    Outra tendência atual é os produtores de sementes e distribuidores de insumos agrícolas terem seus CTSIs adquiridos com recursos próprios, sem vínculo contratual com um fornecedor de agroquímicos. Esta situação mostra que o temor de ofertas de produtos em pacotes inflexíveis não tem mais fundamento. Os produtores de sementes sabem que o mercado demanda diferentes ofertas de variedades e tratamentos químicos, fazendo com que disponibilizem soluções adequadas à livre escolha do produtor.
    Estas demandas por qualidade e maior complexidade geraram outra evolução, caracterizada por aspectos como necessidade de controle de processos, pessoal especializado, alta qualidade operacional, maior segurança dos trabalhadores, do ambiente e dos usuários de sementes, destinação de resíduos, etc.
    O TSI mostrou alta eficácia para proteger a qualidade fisiológica e o potencial genético das sementes; com isso, seu uso cresceu rapidamente a ponto de institutos de pesquisas de adoção mostrarem que o tratamento de sementes com fungicidas e inseticidas é utilizado em 95-98% da área de soja e milho no país. O tratamento de sementes feito na indústria protegeu 20% das sementes de soja na safra brasileira 2014/15, significando cerca de 6,4 milhões de hectares semeados com estas sementes. O TSI é realizado, em sua quase totalidade, em sementes certificadas – estima-se que estas representaram cerca 67% da área semeada na safra 2014/15. A área brasileira de soja nesta mesma safra, segundo o levantamento de setembro de 2015, foi de 32,1 milhões de hectares.

Depósitos de produtos e bombas em um centro de tratamento de sementes na indústria

    A crescente adoção do tratamento de sementes na indústria ou de grandes distribuidores de insumos é consequência de múltiplos benefícios. Os investimentos nestas unidades de TSI devem continuar ainda como tendência. Estima-se que na safra 2015/16 o TSI para soja atinja cerca de 30% da área semeada.

Benefícios do TSI
    Os benefícios do TSI podem ser resumidos como: qualidade do tratamento, segurança, assistência técnica, manutenção da qualidade fisiológica, controle de qualidade e conveniência.

Qualidade do tratamento – Operação por pessoal especializado, no uso de processos de controle computadorizados na tratadora, monitoramento da dose e qualidade de distribuição da calda, com capacidade de efetuar tratamentos complexos;

Segurança – Redução na exposição dos trabalhadores aos químicos, melhor gerenciamento ambiental, evitando riscos de contaminação e diminuindo geração de resíduos, e facilitando o gerenciamento adequado de sua destinação;

Assistência técnica – As empresas de sementes que comercializam o TSI possuem equipes especializadas para orientação do uso de uma semente tratada;

Manutenção da qualidade fisiológica – A escolha de produtos adequados, testes de controle de qualidade fisiológica e o uso de tratadoras com alta tecnologia evitam riscos de danos à germinação e vigor das sementes por minimizarem a possibilidade de ocorrer superdosagem de produto;

Controle de qualidade - O tratamento das sementes, em geral, requer que grandes volumes de sementes sejam tratados num curto espaço de tempo. Neste contexto, o TSI propicia que os controles de lotes de sementes sejam mantidos, evitando misturas varietais;

Conveniência – Sementes para pronto uso (abre saco - abastece semeadora - semeia) liberação de mão de obra, economia de tempo, menor investimento do agricultor em equipamentos para este fim, reduzindo riscos de exposição de trabalhadores agrícolas.
 
                                                          Tratamento em função do tamanho da semente


    Entretanto, o maior valor para o agricultor é a segurança no desempenho da proteção das sementes, considerando o valor de seu germoplasma e traits, bem como do estande de plântulas. O uso do tratamento de sementes em conjunto com traits específicos aumenta o espectro de controle de pragas e ajuda na proteção contra o surgimento de resistência, maximizando o potencial fisiológico, genético e produtivo das sementes contra fatores bióticos e abióticos.

Algumas considerações
    Outra evolução tecnológica esperada é a recomendação de agroquímicos por unidade de sementes e não mais por quilogramas, a exemplo do que já ocorre no milho. Da mesma forma, espera-se que a comercialização de sementes de soja, em futuro próximo, evolua para venda por unidade de sementes.
    Embora poucos se deem conta, quando tratamos dois diferentes lotes de semente de soja utilizando uma recomendação em mililitros por 100 quilogramas, estamos tratando da mesma forma sementes com diferentes pesos de mil sementes (PMS). Considerando que nestes dois lotes de 100 kg de sementes tivéssemos PMS de 100 g ou 200 g, respectivamente, se estivéssemos aplicando 100 mL de um produto em cada lote, estaríamos aplicando estes mesmos 100 mL em um milhão de sementes e quinhentas mil sementes respectivamente (vide tabela acima). Resumindo, as sementes de menor tamanho recebem metade da dose que as sementes de maior tamanho. Como devemos proteger a planta como indivíduo, a planta oriunda da semente menor recebeu metade da dose da semente maior, sendo, portanto, menos protegida e por período mais curto do que as plantas oriundas das sementes maiores. As empresas de agroquímicos já estão trabalhando neste sentido em suas pesquisas.
Unidade de tratamento de sementes na indústria

    A ciência e tecnologia avançam de tal forma que novas classes de produtos e novas moléculas estão disponíveis para o tratamento de sementes, como nematicidas, inoculantes longa vida, novas e diferenciadas formulações, demanda por micro e macronutrientes, filme de recobrimento e bioestimuladores, entre outros.
    A complexidade e o custo dos tratamentos está aumentando em função do número e tipo dos produtos aplicados, assim como o volume da calda necessária para conter todos os produtos a serem aplicados.    
    O TSI veio atender um agricultor mais antenado, profissional e aberto a investir para proteger o seu investimento. E o sucesso depende de investimento.


    Desafios para o
crescimento do TSI
    Uma possível consolidação 
na indústria sementeira de soja 
brasileira deve ser considerada.
    A disputa com o mercado de 
sementes salvas e comercializadas 
ilegalmente enfraquece o setor e 
afeta investimentos. Para uma maior 
capacidade competitiva no setor, uma 
escala de produção e consequentes 
investimentos são necessários.
    A indústria sementeira deve se 
adequar à capacidade de produção de 
tratamento de sementes para atender 
a demanda entre a comercialização, 
tratamento e entrega de sementes 
tratadas aos agricultores em reduzido 
espaço de tempo, e assim minimizar 
possíveis riscos de sobras de sementes. 
Este, hoje, é talvez o maior gargalo 
para o crescimento do TSI e a maior 
dificuldade para uma previsão mais 
clara de seu crescimento futuro;
    Há também a necessidade 
de maximização da capacidade 
produtiva, utilizando os CTSIs para 
outros cultivos, como trigo, cevada, 
arroz, feijão, algodão, etc.
    Finalizando, este é um belo 
exemplo da capacidade tecnológica e 
do alto grau de profissionalização do 
agronegócio brasileiro.
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