Será o uso do RNAi a base dos defensivos agrícolas do futuro?

Edição XXIV | 01 - Jan . 2020
Alexandre Nepomuceno-alexandre.nepomuceno@embrapa.br
    O RNA Interferente (RNAi) é um processo biológico onde moléculas de RNA de fita dupla desligam a expressão de genes específicos. O mecanismo está presente em todos os seres vivos e é responsável pelo desligamento de genes que uma vez expressos para atender determinada função biológica, não necessitam mais estarem ativos. 
    O mecanismo foi inicialmente descrito por Andrew Fire e Craig Mello em 1998, e posteriormente, em 2006, os pesquisadores compartilharam o Prêmio Nobel em Fisiologia/Medicina por seus estudos demonstrando o mecanismo de RNAi em nematoides (Caenorhabditis elegans). 
    Desde a sua descoberta ficou evidente o enorme potencial do uso deste mecanismo no controle de processos biológicos em seres vivos. Na medicina é onde têm sido feito os maiores investimentos no desenvolvimento de estratégias de uso do RNAi para controle de várias doenças, desde câncer a doenças genéticas como a polineuropatia. Esta doença é uma doença genética degenerativa do sistema nervoso em que a empresa europeia Alnylam Pharmaceuticals lançou em 2018 o primeiro medicamento a base de RNAi.
    Na agricultura estamos começando a ver o surgimento de empresas StartUps focadas no uso de estratégias de RNAi para controle de insetos, doenças, ervas daninhas, entre outros patógenos/pragas que afetam o agronegócio. RNAi para controle de insetos e viroses já foi autorizado no Brasil através do uso de plantas transgênicas que expressam estas moléculas de RNAi nas células vegetais via desligamento de genes específicos destas pragas, controlando-as.
    Este foi o caso do milho MON 87411 que expressa o RNAi DvSnf7 para controle de Diabrotica sp. e do Feijão Embrapa 5.1 para controle do Vírus do Mosaico Dourado, desenvolvidos pela Monsanto (agora Bayer) e pela Embrapa, respectivamente.
    A grande inovação que surgiu nos últimos anos é a produção artificial destas moléculas de RNAi em laboratórios de forma pura e seu posterior uso em aplicações tópicas como se faz com inseticidas, herbicidas, fungicidas, etc., para controle destes organismos que atacam as lavouras/pecuária e reduzem a produtividade. Ficou provado cientificamente que na aplicação tópica onde há a penetração do RNAi no organismo alvo é mantido o mecanismo de desligamento gênico.
    Ainda existem muitos problemas técnicos para o uso tópico de RNAi em lavouras da mesma forma que os defensivos agrícolas. Entre esses estão, por exemplo, a manutenção da estabilidade frente as intempéries do ambiente (chuva, temperaturas extremas, UV, etc) ou a forma de penetração do RNAi para o interior das células do organismo alvo. Por outro lado, dificuldade como a produção em larga escala que antes somente era possível em microgramas, já foram superadas e agora já é possível produzir de forma relativamente fácil quilogramas de RNAi. 

        RNAi para controle de insetos e viroses já foi autorizado no Brasil através do uso de plantas transgênicas que expressam estas moléculas de RNAi nas células vegetais via desligamento de genes específicos destas pragas, controlando-as. Foi o caso do milho MON 87411 que expressa o RNAi DvSnf7 para controle de Diabrotica sp. e do Feijão Embrapa 5.1 para controle do Vírus do Mosaico Dourado


    Uma das propostas é de ter um produto a base de RNAi que seja estável e possa ser armazenado por longos períodos e uma vez aplicado, como hoje são aplicados os defensivos agrícolas, penetre facilmente no interior das células inativando genes específicos presentes somente no organismo alvo causando sua morte e/ou redução das perdas causadas nas lavoura ou produção pecuária. 
    Existe um potencial enorme para o uso deste mecanismo de desligamento gênico se tornar a forma de controle de pragas na agricultura, substituindo, num período de tempo difícil de predizer, os inseticidas, herbicidas, fungicidas, etc. Do ponto de vista ambiental será um ganho grande tendo-se em vista que somente a espécie alvo será atingida. Também é importante ressaltar, que em teoria as chances de geração de resistência serão menores já que, caso surja, rapidamente pode-se alterar a sequência das bases nitrogenadas do gene alvo no organismo problema, desenhando o RNAi numa outra região do gene visando sua inativação. 
    É necessário conhecer muito bem a genética dos organismos envolvidos em todos o sistema, não somente da praga alvo, mas também das espécies vegetais e animais de interesse econômico sendo trabalhadas.
    É por esta razão que existe hoje no mundo uma corrida silenciosa para sequenciar o genoma (DNA e RNA) do maior número de espécies possível, pois é esta informação que servirá de base para o desenho de RNAi que atinjam genes somente do organismo problema, e não da espécie de valor econômico, ou outra espécie de importância ambiental.
    Neste aspecto é importante chamar a atenção para revolução que vivemos hoje nos equipamentos e técnicas de sequenciamento de DNA. Por exemplo, o genoma humano foi sequenciado e apresentado a comunidade científica em 2000, após mais de dez anos de trabalho e mais de U$2,4 bilhões de custo, utilizando as técnicas de 20 anos atrás. 
    Atualmente é possível sequenciar todo o DNA de qualquer ser humano no planeta por U$500 em 4 horas. Esta velocidade e custos cada vez mais baixos é válida para sequenciar o genoma de qualquer espécie.
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