A semente e suas conexões

Edição XXIV | 01 - Jan . 2020
Maria de Fátima Zorato-fatima@mfzorato.com.br
    A semente é um agente transformador, sendo muito mais célere nos tempos atuais, com a utilização de ferramentas de alta tecnologia e inovação, duas palavras que estão sempre evidenciando o futuro que já é hoje.
    Como os tempos mudam, a gestão do todo também tem que acompanhar para que haja alinhamento adequado à realidade hodierna. Lembrando Lobato (2015) “a eficácia do todo tem que ser maior que o somatório da eficiência das partes”. E, neste sentido para que tenhamos sucesso na atividade agrícola, que contempla intempéries, uma vez que se trata de indústria sem telhado, devemos levar ao pé da letra esta colocação. 
    Até um determinado momento nas empresas sementeiras, igualmente às demais, havia a concepção de uma ciência mecanicista, reducionista e dura, de controle rígido que fazia parte do contexto da era vivida. Contudo, a partir dos anos 90, foi desencadeando uma quebra de paradigma deste modelo e uma nova visão de realidade, uma mudança fundamental em nossos pensamentos, percepções e valores, contribuíram para uma visão de sistemas científicos mais suaves, orgânicos e holísticos.
    Por que estou descrevendo isso? Porque esta mudança foi muito importante e faz toda a diferença para quem trabalha com organismo celular, embora, ainda se tenha sequelas da era industrial, um modelo mecanístico que reverbera dissonâncias no setor sementeiro. Passamos a conviver com modificações em todas as áreas e com um produto diferenciado, exigente de cuidados específicos para a produção, o que se traduz em não poder colocar uma receita comum ao todo. Enfim, é necessária a substituição de nossas inflexíveis concepções e às tecnologias obsoletas, pois afinal de contas, operamos com o segredo encapsulado do agronegócio, a semente, representante de uma fábrica celular e que responde às mais diversas situações, sobretudo de condições edafoclimáticas e que não obedece uma linha de fábrica comum. 
    Nesta versão, os protagonistas do setor de sementes, os profissionais que atuam em campo (origem), na indústria  ou no laboratório de sementes, precisam ser bastante pragmáticos e atuar em harmonia, perceber o entorno, focar nos objetivos maiores e concentrar a atenção, visando obtenção do melhor banco de dados, que expressem resultados assertivos. Para tal, é imprescindível conhecer os elos que a semente estabelece com o seu genótipo e que reação pode apresentar perante este ou aquele ambiente em que está sendo desenvolvida. Compreender quais consequências os fatores essenciais (água, temperatura e oxigênio) podem trazer durante o processo, a começar pela germinação da semente, o início de uma lavoura.

        (...) esta mudança foi muito importante e faz toda a diferença para quem trabalha com organismo celular, embora, ainda se tenha sequelas da era industrial, um modelo mecanístico que reverbera dissonâncias no setor sementeiro

    Na literatura consta que variações na disponibilidade hídrica do substrato afetam o processo germinativo da semente de soja em função da maior ou menor resistência ao estresse apresentada pela cultivar, pela qualidade da semente, por seu grau de umidade inicial, por seu tamanho, pela velocidade de absorção de água e, podemos incluir atualmente, os diferentes tipos de tratamentos químicos efetuados.
    A água é o fator mais influente na germinação e representa a fase contínua da matéria viva. Em campo, a disponibilidade e o movimento de água para as sementes é crucial para a germinação e emergência de plântulas. Quando ocorre deficiência de umidade do solo, a semente permanece mais tempo sem emergir, ficando exposta ao ataque de microrganismos estimulados pelo efluxo de açúcares. À medida que aumenta o tempo de exposição da semente sob efeitos de temperaturas elevadas e estresse hídrico de solo, ocorre um decréscimo mais acentuado na germinação e aumento da taxa de necrose dos cotilédones, podendo culminar com a morte do embrião. Mesmo risco corre o produtor que semeia no pó, num solo com umidade no ponto de murcha permanente, porque a semente faz a embebição de água, porém, de forma tão lenta que terá dificuldade de atingir o teor de água necessário para desencadear a retomada da atividade metabólica, num período plausível, fato que pode propiciar a sua deterioração.
    Por outro lado, perdas também podem ocorrer com o dano de embebição, se a semente estiver desidratada e o substrato muito úmido. Esse dano é provocado devido absorção rápida de água (caracterizado por diferenças acentuadas de potenciais hídricos entre a semente e o meio úmido), impossibilitando o reparo dos componentes celulares e reorganização das membranas e restabelecimento da permeabilidade seletiva, que evita a exsudação excessiva de eletrólitos. Sendo assim, o dano de embebição manifesta-se pelo aumento de lixiviação de solutos da semente, por estrangulamentos da raiz principal e consequente redução de vigor e de germinação ou até mesmo pela morte da semente. 
    Outro fator essencial que exerce forte influência na agricultura, é a elevada temperatura, a qual também têm o potencial deletério. Na fase inicial, após ocorrer a germinação, Rosolem descreveu que o passo seguinte para que haja emergência da plântula é o crescimento do hipocótilo e esse pode ser bastante afetado por elevadas temperaturas. Corroborando, os estudos de Farias, Neumaier e Nepomuceno, indicaram o tombamento fisiológico, também conhecido como cancro de calor, caracterizado por plântulas tombadas com lesão de estrangulamento do hipocótilo no nível da superfície do solo e pela ausência de patógenos. Logo após a emergência, temperaturas da superfície do solo acima de 55°C podem desestruturar as membranas das células e desidratar os tecidos do colo da planta. Por isso, visualiza-se no campo, as plântulas apresentando escaldadura no hipocótilo e tombamento fisiológico causados por alta temperatura na superfície do solo. Situações ocorridas na semeadura de soja do ano 2019 em várias regiões brasileiras.
    Ainda um terceiro fator essencial e não menos importante é o oxigênio (O2). Os fisiologistas Taiz e Zeiger descreveram que diversos fatores ambientais podem alterar a operação de rotas metabólicas e taxas respiratórias. Podem acontecer perdas por deficiência de oxigênio, típico de solos inundados. Na prática, em regiões do Sul do Brasil, em lavouras encharcadas foi observada a podridão de raizes. 
    Nesta síntese é possível verificar que multicausas são responsáveis pelo bom ou mau desempenho de uma semente. Existe conectividade de sua constituição genética com as condições edafoclimáticas vigentes em cada região produtora e, nós os humanos que a cercamos, devemos procurar entendê-la da melhor forma e fazer interferências e capturar todas as informações que estejam sendo fornecidas, talvez até de maneira sutil, porém, muito importantes para abrandar os efeitos negativos.
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