Caracteres evolucionários das sementes - II

Edição V | 01 - Jan . 2001
James Delouche-JCDelouche@aol.com

    Apesar dos incríveis avanços tecnológicos e de todas as ferramentas biotecnológicas que o homem tem desenvolvido nos últimos anos, com a finalidade de melhorar as espécies vegetais, a natureza ainda pode ser considerada mais sábia. Basta observarmos certos caracteres evolutivos naturais das sementes para nos convencermos disso. Em ensaio anterior, comentei sobre os inúmeros caracteres notáveis que as sementes apresentam e que contribuem para a sobrevivência e disseminação das espécies. Coloquei, inclusive, uma pergunta chave para ressaltar um dos caracteres evolutivos mais importantes apresentados pelas sementes —As condições ambientais afetam a qualidade das sementes produzidas? Considerei a resposta evolutiva a esta pergunta, com algumas ressalvas, como não. Porém, neste sentido, podemos ainda fazer uma outra pergunta também fundamental: 

    A qualidade das sementes utiliza-das afeta a qualidade das sementes produzidas?

    Esta pergunta relaciona-se ao segundo carácter evolucionário de sobrevivência. A qualidade das sementes utilizadas afeta o estande, isto é, o número de plantas por unidade de área, e pode afetar o crescimento, desenvolvimento e reprodução das plantas. Os efeitos mencionados por último são tipicamente manifestados na forma de menos biomassa, menor área foliar, atraso no florescimento, e redução no rendimento. A redução no rendimento pode ser resultado de um menor número de plantas por unidade de área ou de menos sementes por planta, ou de ambos. O resultado global, portanto, é semelhante ao resultado discutido em conexão com a primeira questão.  

    A planta compensa ou se ajusta a qualquer que seja a deficiência, tanto sementes de baixa qualidade ou de baixo vigor, através da redução do número de sementes e não através da redução da qualidade das mesmas. Sementes de baixo vigor não produzem sementes de baixo vigor, a menos que algum outro fator, que não a qualidade das sementes utilizadas, intervenha. 


A PLANTA COMPENSA OU SE AJUSTA A QUALQUER QUE SEJA A DEFICIÊNCIA, TANTO SEMENTES DE BAIXA QUALIDADE OU DE BAIXO VIGOR, ATRAVÉS DA REDUÇÃO DO NÚMERO DE SEMENTES E NÃO ATRAVÉS DA REDUÇÃO DA QUALIDADE DAS MESMAS 

    Alguns dos outros fatores que podem intervir, causando redução na qualidade, podem ser relacionados aos efeitos da qualidade das sementes no crescimento, desenvolvimento e reprodução. Exemplos: existem evidências de que plantas de fraco desenvolvimento são mais suscetíveis a algumas doenças que podem terminar com o desenvolvimento das sementes antes da maturação; plantas com atraso na floração poderiam vir a encontrar um período tardio de seca que interromperia o enchimento das sementes.

    Existe pelo menos um paradoxo aparente na discussão acima. Se as plantas compensam por, ou se ajustam a alguma deficiência interna das sementes utilizadas através da produção de um menor número de sementes de boa qualidade, como pode um número aumentado de plantas estéreis em populações provenientes de sementes de baixa qualidade ser computado na equação de sobrevivência? Plantas estéreis são um beco sem saída evolucionário. A resolução deste paradoxo é estender a capacidade de sobrevivência de uma planta individual para toda a população. Plantas estéreis reduzem o número de sementes por unidade de área em vez de reduzir o número de sementes por planta, o que para as espécies tem essencialmente o mesmo efeito.

    Apesar da evidência de que sementes de baixa qualidade não geram sementes de baixa qualidade, pode-se facilmente especular que deveria haver algum efeito do baixo vigor, ou da deterioração, das sementes em sua progênie. Algumas das teorias mais persuasivas sobre deterioração e morte de sementes implica em mecanismos hereditários, e organelas tais como mitocôndrias, que são transmitidos pela linha materna. Não seria surpreendente, portanto, se deficiências nestes mecanismos fundamentais fossem transmitidas à progênie, isto é, às sementes produzidas. Existem evidências de que plantas produzidas a partir de sementes deterioradas apresentam uma maior freqüência de mutações do que aquelas oriundas de sementes de boa qualidade, porém, estas mutações afetam as características da planta ao invés de afetar a qualidade das sementes.

    A semente é realmente uma maravilha evolucionária, na qual muitos caracteres agem e interage para assegurar que as populações nelas representadas sobrevivam e se espalhem de maneira a ocupar todas as áreas ecologicamente favoráveis. Isto, naturalmente, ocorre na natureza. A intervenção humana mudou muitas coisas na evolução das espécies vegetais, porém, felizmente, não os caracteres básicos de adaptação e de sobrevivência das se-mentes. Pelo menos, não ainda... 

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